22 agosto 2008

Outra 'overdose' de Proms na Antena 2



Tal como acontecera nos dois anos anteriores, neste Verão a Antena 2 voltou a apostar na cobertura completa (ou quase completa) dos Concertos Promenade, vulgo Proms, que decorrem maioritariamente no Royal Albert Hall, em Londres. Por princípio, não tenho qualquer objecção à transmissão de concertos ao vivo, bem pelo contrário. Penso até que em salas onde as condições acústicas não são as melhores para os assistentes, a transmissão radiofónica desses concertos pode ser uma mais-valia para os melómanos rádio-ouvintes, desde que a captação de som seja efectuada nas melhores condições técnicas. O motivo que me leva a reclamar é o facto de essas transmissões estarem a ser monopolizadas por um único evento, no caso os Concertos Promenade. Devo dizer que nada tenho contra os Proms, mas parece-me excessiva e desproporcionada esta opção da direcção da Antena 2. O que não falta são festivais e encontros de música que, durante o Verão, acontecem um pouco por toda a Europa, boa parte dos quais de qualidade igual ou superior à dos Proms, quer em termos de intérpretes quer de repertório. A este propósito, tenho de dizer que os Proms são claramente deficitários no tocante à música barroca e pré-barroca, que têm, no nosso país, um público muito considerável que vê assim defraudadas as suas legítimas expectativas com esta aposta da Antena 2. Em vez de sucessivas semanas de Proms, não seria muito mais acertado e razoável dedicar uma semana ou uma quinzena a cada um dos melhores eventos musicais da Europa? É claro que nesse leque de eventos ou festivais, também haveria lugar para os Proms, mas com uma selecção dos melhores concertos. Assim por atacado é que não, porque há mais mundo para além dos Proms. Mesmo na eventualidade da BBC cobrar uma quantia irrisória (ou nada cobrar) pelos direitos de transmissão do pacote completo dos Proms continuo a pensar que é uma opção errada, porque açambarca todo o tempo disponível e retira espaço a outros bons eventos estrangeiros e também nacionais. Estou em crer que esta fixação obsessiva e reiterada nos britânicos Proms resulta de algum capricho da dupla Rui Pêgo/João Almeida. Ora eu, enquanto ouvinte, cumpre-me lembrar-lhes que a Antena 2 não existe para satisfazer caprichos de quem quer que seja mas única e exclusivamente para prestar serviço público, e a todos os ouvintes e não apenas aos adeptos mais ferrenhos dos Concertos Promenade. Acresce ainda que esses ouvintes podem sempre recorrer à internet para seguirem de fio a pavio todos os concertos e recitais de cada temporada dos ditos Proms.
Por outro lado, e no âmbito das suas obrigações de serviço público, a Antena 2 também não deve esquecer os eventos musicais que se realizam no país. Refiro-me não só a transmissões em directo (e não estou propriamente a falar das corriqueiras e amadorísticas sessões do "Concerto Aberto"), mas também às necessárias gravações para transmissão em diferido, a breve prazo, e também num futuro mais longínquo (tal como hoje acontece com importantes concertos gravados nos anos 50, 60 e 70). É que se não for a Antena 2 a fazer esse trabalho de registo e divulgação mais ninguém o vai fazer e consequentemente é uma parte da nossa memória cultural que irremediavelmente se perde (para a geração actual e para as vindouras). Deixo aqui alguns bons exemplos: Festival de Música Medieval de Carrazeda de Ansiães (organizado por Pedro Caldeira Cabral), Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim, Festival Internacional de Música de Espinho, Festival Internacional de Música de Coimbra, Festival Internacional de Musica de Castelo Branco, Semana Internacional de Piano de Óbidos, Festival de Música de Sintra, Festival de Música da Costa do Estoril, etc.
Portanto, em vez de cansativas e enjoativas
'overdoses' de Proms o que se deseja é uma multiplicidade de doses moderadas e salutares do que de melhor se faz na Europa e em terras lusas. A bem do serviço público de rádio de hoje e da memória futura!

2 comentários:

Nelson Luis Ribeiro disse...

Carissímo, depois de uma atenta leitura á sua indignação face ás excessivas transmissões concertos promenade por parte da antena2, tenho a dizer o contrário, que acho muito bem estas transmissões que a antena2 nos faculta... Aproveitando ainda os Proms e em relação á falta de "música barroca e pré-barroca, que têm, no nosso país, um público muito considerável", creio que, certamente não anda atento á programação, vejamos: Dia 24 de julho de 2008, Royal Albert Hall, Concerto promenade programa com a Missa Malheur me bat de Jacob Obrecht e Josquin Desprez e de Johannes Ockeghem Chanson malheur me bat, interpretação com o ensemble Tallis Scholars com a direcção de Peter Phillips; Dia 25 de agosto de 2008 ás 19h no concerto aberto, Ballo volgendo; Lamento d'Arianna e Balo dell'ingrate de Claudio Monteverdi; no mesmo dia ás 21 horas, J.S. Bach com as suites para violoncelo nº1,2 e 3; dia 27 de agosto de 2008 19 horas no concerto aberto, obras de Ortiz, Hume, Piccinini, Ferrabosco e Santa Cruz, interpretadas por Jordi Savall e Rolf Lislevand; no mesmo dia ás 21 horas, obras de Lambert, Marais, Pignolet de Montéclair, Leclair, Couperin e Rameau e no dia 31 de Agosto de 2008, de Claudio Monteverdi A coroação de Popeia. Ainda temos dia 24 a Paixão segundo S.João, BWV245, se ainda achar pouco... Enfim, a mim parece-me um bom programa de música renascentista e barroca, não sei se continuar a achar "que os Proms são claramente deficitários no tocante à música barroca e pré-barroca"...
Esclarecida a questão dos Proms, cabe-me, contudo, afirmar que partilho da opinião que se deve transmitir mais espectaculos nacionais, (dos internacionais falarei mais adiante), pois nesse ramo parece-me haver, de facto, pouco investimento, não financeiro obviamente, mas sim cultural. Temos realmente todos esses festivais, SIPO, Festival de Música de Sintra, Festival de Música da Costa do Estoril,Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim, Festival Internacional de Música de Espinho, etc.. e creio que apesar de tudo, são bons festivais, porque trazem cá muito bons artistas e isso tem de ser reconhecido. Não podemos esquecer, obviamente, a parcialidade da Antena2 com o CCb, o IFP e mesmo a temporada de concertos emitida pela Antena2, que são espétaculos de assaz importância para o desenvolvimento cultural do nosso país.
Apesar de tudo, acho que os festivais internacionais são bem divulgados pela antena2, e mais uma vez vejamos os exemplos: Novembro de 20007 transmissões diárias de 5 a 11 do Festival de Bayreuth 2007; no mês seguinte entre os dias 17 e 21 TIME 20007 (Tribuna Internacional da Música Electroacústica); em janeiro o habitual concerto de ano novo, a temporada do Metropolitan de Nova York e participou na estreia da ópera "Das Märchen" do fantástico, pelo menos na minha opinião, Emmanuel Nunes. Vou ficar por estas alusões a festivais e outras actividades culturais realizadas noutros países.
Finalizando, creio que a carga de transmissões alusiva aos Proms está muito boa, na minha opinião, carecendo um pouco, e de facto nesses festivais portugueses que já têm alguma história.
Com cumprimentos de Nelson Luis Ribeiro.

Álvaro José Ferreira disse...

Caro Nelson Luís Ribeiro,

Muito obrigado pelo seu oportuno e completo comentário.
Apesar dos concertos de música barroca e pré-barroca que apontou e ainda mais uns poucos, anteriores e posteriores, continuo a pensar que o seu peso no cômputo geral é muito pequeno. Convido-o a debruçar-se sobre o mapa geral de concertos dos Proms e a contabilizar a percentagem que cabe a de cada um dos períodos da História da Música. A música barroca e anterior chegará ao 10 %? Não lhe parece uma percentagem muito baixa?
Quanto à cobertura de festivais fora de portas eu referia-me apenas aos que decorrem durante a época estival e quanto a esses, e sem prejuízo de transmissão futura de alguns no âmbito do intercâmbio UER, é indiscutível que ficaram notoriamente "prejudicados", justamente por causa do monopólio dos Proms.
Já quanto aos eventos nacionais, e à parcialidade da Antena 2, registo a sintonia de opiniões.
Mande sempre.

Álvaro José Ferreira