31 março 2008

Ficção portuguesa na televisão pública


"Ricardina e Marta" (1989), originalmente exibida pela RTP-1, notável série de época adaptada dos romances "O Retrato de Ricardina" e "A Brasileira de Prazins", de Camilo Castelo Branco

Depois de ouvir/ver o programa "
A Voz do Cidadão" subordinado à telenovela "Vila Faia" (segunda versão) e às reclamações de alguns actores e telespectadores sobre o horário em que foi colocada, gostaria de tecer algumas considerações.
Antes de mais, quero dizer que estou de acordo com o argumento apresentado pelo novo director de programas, José Fragoso. Com efeito, não fazia qualquer sentido colocar uma telenovela no "prime-time" da
RTP-1, uma vez que os dois canais privados em sinal aberto já têm telenovelas (e muitas) nessa faixa horária. A televisão pública deve apresentar uma programação alternativa ao monolitismo programático da SIC e da TVI. Até aqui tudo bem. Agora o que não se compreende foi o que levou a RTP, face a essa circunstância, a apostar numa telenovela e ainda por cima em ‘remake’. José Fragoso não tem culpas no cartório pois acabou de ingressar na RTP mas já me parece que se devia pedir uma satisfação ao anterior director de programas, Nuno Santos. Torna-se evidente que a decisão foi totalmente errada, dela resultando um escusado desperdício de recursos, os quais podiam ser utilizados – isso sim – na produção de ficção de outro género, que não existe nos demais canais, e à qual a RTP devia prestar outra atenção, à luz das suas obrigações de serviço público. Estou a referir-me às séries de época sobre figuras e episódios históricos e às adaptações de obras literárias, que curiosamente têm registado um notório desinvestimento depois da saída de Luís Andrade da direcção de programas da RTP-1. No ano em que se comemora o quadricentenário do nascimento dessa grande figura da Cultura Portuguesa que foi o Padre António Vieira, por que razão não se fez/faz uma série filmada sobre o autor? E dado que o Padre António Vieira passou boa parte da sua vida em Terras de Vera Cruz, tal produção até podia ser feita em parceria com uma estação brasileira (a Globo ou outra). Neste caso, já se justificaria de sobremaneira a exibição no horário nobre, ou seja, depois do Telejornal.
Outra sugestão: por que motivo não se fez/faz uma série baseada no romance "Memorial do Convento", de José Saramago? Digo mais: atendendo ao facto do livro estar publicado em muitos países e ser conhecido de muita gente até se podia produzir a série de acordo com determinados requisitos (formato 16:9, possível dobragem noutras línguas como o inglês e o castelhano, etc.) com vista à comercialização junto de outras cadeias de televisão europeias e do resto do mundo. Uma série que, desde que feita com o devido primor artístico e rigor técnico, podia bem representar um bom investimento financeiro para a RTP. É que sendo uma empresa ainda com uma considerável dívida às costas todas as receitas que conseguisse granjear seriam muito bem-vindas. Bem sei que José Saramago não é muito receptivo a adaptações dos seus livros mas tendo já autorizado uma adaptação cinematográfica ("A Jangada de Pedra") e desde que tudo de processasse com o maior profissionalismo e não se desvirtuasse a essência e o espírito do livro, estou certo que ele acabaria por aceitar. Afinal de contas, também ele sairia beneficiado, quer de direitos de autor quer da publicidade gratuita que a série daria ao romance daí resultando mais uns bons milhares de exemplares vendidos por esse mundo fora.
Em conclusão, se o Padre António Vieira e José Saramago fossem ingleses ou italianos, por exemplo, não tenho quaisquer dúvidas de que há muito tempo a BBC ou a RAI haviam produzido as séries a que fiz referência.

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