15 setembro 2025

Bocage: "Epigrama"


(in https://almanaquesilva.wordpress.com/)
Ilustração de Julião Machado para o "Epigrama Imitado", incipit "Levando um velho avarento", primeiramente publicada no livro "Fábulas de Bocage" (Lisboa: Imp. de Libanio da Silva, 1905).


Fez hoje 260 anos que nasceu um dos maiores e também um dos mais desventurados poetas portugueses: Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage [https://purl.pt/1276/1/]. Evocamos o grande Elmano Sadino dando destaque a um poema de feição moralista: o "Epigrama Imitado", incipit "Levando um velho avarento". E fazemo-lo com dois registos, um recitado e um cantado: o primeiro por Manuela de Freitas e Mário Viegas, que faz parte do álbum "Poemas de Bibe: Grande Poesia Portuguesa Escolhida para os Mais Pequenos" (UPAV, 1990); e o segundo pelo grupo de rock progressivo Petrus Castrus, integrante do álbum "Mestre" (Guilda da Música/Sassetti, 1973).
O poema é, evidentemente, alegórico e pode, presentemente, aplicar-se com toda a propriedade a uns quantos indivíduos (os multimilionários) que, a cada dia que passa, concentram nas suas mãos mais e mais riqueza à custa do empobrecimento da maioria da população mundial, a do Primeiro Mundo incluída, e acarretando, simultaneamente, a destruição das condições de habitabilidade no planeta para o homo sapiens e para uma imensidade de outras espécies animais e vegetais, o que pode levar à extinção da própria Humanidade dentro de escassos séculos. Tal acontece porque a política que tem sido (cegamente) seguida em muitos países o permite e até incentiva, não sendo de admirar que as chamadas democracias liberais estejam a definhar ao mesmo tempo que medram os movimentos e as forças político-partidárias extremistas, mormente as de pendor fascista/fascizante. Nada que os governantes e os chefes de Estado desses países em crescente crise social não pudessem antever e evitar se fossem menos (voluntariamente) inconscientes da História e lessem (mais) textos de qualidade, como, por exemplo, a seguinte passagem de Almeida Garrett, em "Viagens na Minha Terra": «E eu pergunto aos economistas-políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico.»
Boa escuta!

Quem escutou a emissão de hoje do programa "A Ronda da Noite" teve a oportunidade de ouvir três poemas de Bocage: dois ditos por Luís Caetano e um pelo seu convidado, o Prof. Daniel Pires, reputado estudioso bocageano e autor do livro "Bocage: A Imagem e o Verbo" [>> RTP-Play]. Cumpre-nos enaltecer Luís Caetano pelo cuidado que teve em assinalar a efeméride resgatando esta saborosa conversa originalmente emitida no seu sabatino "A Força das Coisas", de 12 Dez. 2015, no âmbito das comemorações do 250.º aniversário do nascimento do poeta [>> RTP-Play]. Contudo, fora de efemérides ou de outras ocasiões muito esporádicas é virtualmente impossível ouvir-se algo, por mais curto que seja, da abundante e valorosa poesia de Bocage na Antena 2, visto o apontamento "A Vida Breve" ter como objecto a poesia dita pelos próprios autores. E nas outras antenas de cobertura nacional da rádio pública a situação é ainda pior, uma vez que nas respectivas grelhas nada existe no que concerne a poesia dita/recitada...
Importa, pois, que sem prejuízo de manutenção do figurino que Luís Caetano gizou para o espaço que vem mantendo com assinalável diligência (nunca é de mais reconhecê-lo), haja também lugar, e não somente no canal mais cultural da estação pública de rádio, para a poesia de autores que viveram antes da invenção da fonografia ou que tendo já nela vivido não deixaram registos de poemas seus em voz própria, como foi o caso de Fernando Pessoa (apenas para citar o maior poeta português do século XX). E para esse efeito nem é preciso gastar um chavo a contratar actores/dizedores: basta fazer o uso do arquivo histórico da rádio pública, bem como de edições discográficas. No caso concreto de Bocage, não é nada diminuto o acervo de poesia registada em disco por reputados recitadores: além de gravações avulsas, como a de Manuela de Freitas e Mário Viegas ora apresentada, temos conhecimento de quatro discos integralmente bocageanos: um por Andrade e Silva ("Sonetos Eróticos de Bocage", Estúdio/Mundisom, 1974); outro por José Carlos Ary dos Santos ("Bocage: Líricas e Sátiras", Guilda da Música/Sassetti, 1975, reed. CNM, 2004, 2011); outro por Carlos César e Célia David, com música de Rui Serôdio ("Sonetos de Bocage", Som da Cultura/Ruquisom, 1996); e outro ainda por José Luís Nobre, com música de Rui Serôdio ("Perscrutando a Inquietude: 40 Poemas de Bocage", Centro de Estudos Bocageanos/JGC, 2007).



Epigrama



Poema de Bocage ("Epigrama Imitado", in "Rimas de Manoel Maria de Barbosa du Bocage, Dedicadas à Amizade", Tomo II, Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1802 – p. 244; "Fábulas de Bocage", Ilustrações de Julião Machado, Lisboa: Imp. de Libanio da Silva, 1905, 4.ª edição, Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2000; "Obras Completas de Bocage: Sonetos, Sátiras, Odes, Epístolas, Idílios, Apólogos, Cantatas e Elegias", Tomo I, Organização, fixação do texto e notas de Daniel Pires, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2018 – p. 494)
Recitado por Manuela de Freitas e Mário Viegas* (in LP/CD "Poemas de Bibe: Grande Poesia Portuguesa Escolhida para os Mais Pequenos", UPAV, 1990, reed. Público, 2006)


Levando um velho avarento
Uma pedrada n'um olho,
Pôs-se-lhe no mesmo instante
Tamanho como um repolho.

Certo doutor, não das dúzias,
Mas sim médico perfeito,
Dez moedas lhe pedia
Para o livrar do defeito.

«Dez moedas! (Diz o avaro)
Meu sangue não desperdiço:
Dez moedas por um olho!
O outro dou eu por isso.»


Nota: «Baseado no poema de Beaugeard «Un harpagon, en courant par la ville» (Daniel Pires).

* Manuela de Freitas e Mário Viegas – vozes

Produção – José Mário Branco e António José Martins
Gravado no Angel Studio, Lisboa, em 2, 6, 7 e 8 de Outubro de 1990
Engenheiro de som – José Manuel Fortes
Remasterização – José António Regada
URL: https://pt.wikipedia.org/wiki/Manuela_de_Freitas
https://cinemaportuguesmemoriale.pt/Pessoas/id/8933/t/manuela-de-freitas
https://www.museudofado.pt/fado/personalidade/manuela-de-freitas
https://www.youtube.com/@DoTempoDosSonhos/videos?query=manuela+freitas

https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1rio_Viegas
https://www.infopedia.pt/$mario-viegas
https://cinemaportuguesmemoriale.pt/Pessoas/id/10013/t/mario-viegas
https://www.youtube.com/@DoTempoDosSonhos/videos?query=mario+viegas



Velho Avarento



Poema: Bocage ("Epigrama Imitado", in "Rimas de Manoel Maria de Barbosa du Bocage, Dedicadas à Amizade", Tomo II, Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1802 – p. 244; "Fábulas de Bocage", Ilustrações de Julião Machado, Lisboa: Imp. de Libanio da Silva, 1905, 4.ª edição, Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2000; "Obras Completas de Bocage: Sonetos, Sátiras, Odes, Epístolas, Idílios, Apólogos, Cantatas e Elegias", Tomo I, Organização, fixação do texto e notas de Daniel Pires, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2018 – p. 494)
Música: José Castro e Pedro Castro
Intérprete: Petrus Castrus* (in LP "Mestre", Guilda da Música/Sassetti, 1973, reed. CNM, 2007)



Levando um velho avarento
Uma pedrada n'um olho,
Pôs-se-lhe no mesmo instante
Tamanho como um repolho.

Certo doutor, não das dúzias,
Mas sim médico perfeito,
Dez moedas lhe pedia
Para o livrar do defeito.

«Dez moedas!
Meu sangue não desperdiço.
Dez moedas por um olho!
O outro dou eu por isso.»


* [Créditos gerais do disco:]
Petrus Castrus:
Pedro Castro – viola baixo, guitarras acústicas, voz, kazoo
José Castro – piano, xilofone, voz
Rui Reis – piano, órgão, cravo
Júlio Pereira – viola solo, baixo
João Seixas – bateria, percussão

Gravado no Strawberry Studio, Chateau d'Hérouville (perto de Paris), em Novembro de 1972
Técnico de som – Gilles Sallé
Texto sobre o disco em: Grandes discos da música portuguesa: efemérides em 2008 e O Barrete
URL: https://pt.wikipedia.org/wiki/Petrus_Castrus
https://www.facebook.com/PetrusCastrus/
https://www.youtube.com/PetrusCastrus
https://music.youtube.com/channel/UCT7RU0zrVMWwzIq7N9qpf3Q



Frontispício do livro "Rimas de Manoel Maria de Barbosa du Bocage, Dedicadas à Amizade", Tomo II (Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1802)



Capa da 1.ª edição do livro "Fábulas de Bocage", ilustrações de Julião Machado (Lisboa: Imp. de Libanio da Silva, 1905)



Capa da 4.ª edição do livro "Fábulas de Bocage", ilustrações de Julião Machado, introdução e actualização de texto: Daniel Pires (Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2000)



Capa do livro "Obras Completas de Bocage: Sonetos, Sátiras, Odes, Epístolas, Idílios, Apólogos, Cantatas e Elegias", Tomo I, Organização, fixação do texto e notas de Daniel Pires (Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Dez. 2018)



Capa do LP/CD "Poemas de Bibe: Grande Poesia Portuguesa Escolhida para os Mais Pequenos", de Mário Viegas e Manuela de Freitas (UPAV, 1990)
Fotografia – Rui Cunha



Capa do livro (com CD) "Poemas de Bibe", vol. 10 de "Mário Viegas: Discografia Completa" (Público, 2006)
Fotografia – Rui Cunha
Design gráfico – José Santa-Bárbara



Capa do LP "Mestre", do grupo Petrus Castrus (Guilda da Música/Sassetti, 1973)
Fotografia – Armando Vidal (alto-relevo representando um Tritão mitológico sobre a Porta dos Corais, no Palácio da Pena, Sintra) [mais informação em: https://www.parquesdesintra.pt]
Concepção/grafismo – José Soares



Capa do livro "Bocage: A Imagem e o Verbo", de Daniel Pires (Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Set. 2015)



Capa do livro "Bocage ou O Elogio da Inquietude", de Daniel Pires (Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Dez. 2019)



Capa do livro "O Essencial sobre Manuel Maria de Barbosa du Bocage", de Daniel Pires (Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Ago. 2023)

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Outro artigo com poesia recitada por Manuela de Freitas:
A infância e a música portuguesa

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Outros artigos com poesia recitada por Mário Viegas:
Mário Viegas: 10 anos de saudade
A infância e a música portuguesa
Jorge de Sena: "Carta a Meus Filhos sobre os Fuzilamentos de Goya", por Mário Viegas
Ser Poeta
Em memória de António Ramos Rosa (1924-2013)
Celebrando Vinicius de Moraes
Em memória de Herberto Helder (1930-2015)
Celebrando Eugénio de Andrade
Fernando Pessoa/Álvaro de Campos: "Dois Excertos de Odes", por Mário Viegas
Cesário Verde: "De Tarde"
Cesário Verde por Mário Viegas
Camilo Pessanha: "Singra o navio", por Mário Viegas
Manuel Alegre: "País de Abril", por Mário Viegas
Pablo Neruda: "Ode ao Pão", por Mário Viegas
Alexandre O'Neill: "Periclitam os grilos", por Mário Viegas

31 agosto 2025

Sérgio Godinho: "Romance de um Dia na Estrada"




Autor, compositor, intérprete vocal e instrumental, só em casos muito raros Sérgio Godinho partilhou com outros as maiores responsabilidades das suas peças (para lá do acompanhamento e da orquestração); [...]
As letras — quer dizer, os poemas, ou, para usarmos palavras hoje menos nobres, mas com prestígio histórico-literário, as poesias, as cantigas, as canções — de Sérgio Godinho não podiam fugir à tradição que se iniciou em língua portuguesa com as cantigas medievais. Naquelas, como nestas, abundam os jogos paralelísticos, as repetições de todo o tipo (da anáfora ao quiasmo), as oposições, as variações, as simetrias e dissimetrias (formais e semânticas) que marcam claramente, didacticamente, de modo a poderem ser retidas com facilidade na leitura ou na audição, as diferenças de sentido, as lutas com e pelo sentido, as hipóteses de mudança e de alternativa (da história, da sociedade, do sujeito).
[...]
As canções de Sérgio Godinho, estudante sem curso completo, refractário, homem de 7 instrumentos, viajante de vários países, cidadão duas vezes injustamente preso, pai de dois filhos, português com um percurso tão comparável ao de tantos portugueses do nosso tempo, cosmopolitas e «retornados», ajudam-nos a viver num Portugal moderno e livre — e a fugir cada vez mais da apagada e vil tristeza nacional.


        ARNALDO SARAIVA
        (Do estudo crítico "A Canção de Sérgio Godinho",
        in "Canções de Sérgio Godinho", Lisboa: Assírio
        & Alvim, 1983 – p. 22, 25 e 43)


"Romance de um Dia na Estrada" — o título deste poema narrativo rimado (rimance) de Sérgio Godinho, lançado no Outono de 1971, é bem explícito quanto ao assunto sobre que versa: a aventura amorosa de um andarilho (no caso, de um músico/cantor) numa das suas errâncias de viola ao ombro. Mas, ao contrário do que acontece no romance/rimance tradicional "Laurinda" [>> YouTube Music], a infidelidade feminina não é condenada, antes considerada a natural e emancipada expressão do amor livre, desamarrado de velhas e opressivas convenções sociais. Neste ponto, o sergiano (aparentemente inspirado no livro "On the Road", de Jack Kerouac) "Romance de um Dia na Estrada" distingue-se por ser inovador e revolucionário no contexto nacional, numa altura – convém ter isso presente – em que ainda vigorava o patriarcal e misógino Estado Novo, se bem que já bastante debilitado e exaurido, muito por causa da Guerra Colonial. Na moral da história, Sérgio Godinho corta com a tradição, mas mantém-se a ela fiel no que concerne à forma poética ao adoptar a popular estrutura estrófica de septilhas, só que com esquemas de rimas diferentes e mais elaborados. Assim, em vez do usual XAXABBA temos, em "Romance de um Dia na Estrada", XABBABB (1.ª, 3.ª, 4.ª, 5.ª e 8.ª estrofes), XAABABA (2.ª estrofe), XABABAA (6.ª estrofe) e XABAABB (7.ª estrofe). Também por esta construção poética mais sofisticada do que a tradicional, a que se acrescentam a inspirada melodia e a primorosa interpretação vocal (ambas de Sérgio Godinho) e a competente execução instrumental (viola de Gérard Crapoutchik), este romance ocupa um lugar bem elevado na extensa produção sergiana e, claro está, no património poético-musical português. E foi esse o entendimento do director editorial da Sassetti ao escolhê-lo para tema-título e abertura do alinhamento do primeiríssimo disco (EP) de Sérgio Godinho, publicado em Novembro de 1971 (o LP "Os Sobreviventes", de que também faz parte, já estava gravado – havia-o sido em fins de Abril de 1971 – mas o lançamento teria de esperar mais alguns meses, apenas por estratégia comercial da editora que resolvera apostar fortemente no álbum "Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades", de José Mário Branco). Todavia, este encantador rimance parece ter sido subestimado pelo distinto autor e intérprete, pois não consta em qualquer dos seus vários discos ao vivo. E em antologias de repertório gravado em estúdio também só figura em duas: no duplo LP "Era uma Vez um Rapaz" (Philips/Polygram, 1985) [na reedição em CD, de 1991, não foi incluído] e no CD "Biografias do Amor" (Universal Music Portugal, 2001). Por ser um dos espécimes do vastíssimo repertório de Sérgio Godinho que mais apreciamos, fazemos questão de dar-lhe destaque aqui e agora, para assim nos associarmos à homenagem que o país está a render ao autor de "Espalhem a Notícia", no dia do seu 80.º aniversário natalício.
Parabéns, Sérgio Godinho! E muito obrigado pelo relevantíssimo contributo que deu para o enriquecimento do património musical/fonográfico português!

Tendo em conta que a Antena 1 tem deixado passar em claro sucessivas efemérides de notáveis intérpretes e autores da Música Portuguesa, foi com surpresa, embora agradável, que verificámos ter sido adoptada atitude diferente ante as oito décadas de vida de Sérgio Godinho, atitude essa que se traduziu em cinco rubricas emitidas na semana finda e num programa alargado transmitido hoje mesmo após o noticiário das 13h:00, todos da autoria de João Gobern [>> RTP-Play]. Por lá passou um bom punhado de canções sergianas (em voz própria, evidentemente), entre elas os grandes hinos "A Noite Passada", "O Primeiro Dia" e "Com um Brilhozinho nos Olhos". Não obstante, atendendo à dimensão do artista e à importância da sua obra, pensamos que é curto: Sérgio Godinho merece mais. E esse "mais" podia muito ser uma série de programas retrospectivos, idealmente com a presença do próprio a falar sobre as várias fases do seu percurso artístico e, obviamente, a dizer o que lhe aprouvesse a respeito de umas quantas canções, designadamente as circunstâncias e as motivações que estiveram na sua génese...



Romance de um Dia na Estrada



Letra e música: Sérgio Godinho
Intérprete: Sérgio Godinho* (in EP "Romance de um Dia na Estrada", Guilda da Música/Sassetti, 1971; LP "Os Sobreviventes", Guilda da Música/Sassetti, 1972, reed. Philips/Polygram, 1990, Universal Music Portugal, 2001, 2019; 2LP "Era uma Vez um Rapaz": LP 1, Philips/Polygram, 1985; CD "Biografias do Amor", Universal Music Portugal, 2001)




Andava há já vinte dias
Ao frio, ao vento e à fome
Às escondidas da sorte
Um dia fraco, outro forte
Que o dia em que se não come
É um dia a menos p'ra a morte
Um dia fraco, outro forte [bis]

[instrumental]

Quando um barulho de cama
A voltar-se de impaciente
Me fez parar de repente
Era noite e o casarão
Não tinhas lados nem frente
Dentro havia luz e pão
Me fez parar de repente [bis]

[instrumental]

Ó da casa, abram a porta,
Fiz as luzes se apagarem
Cheguei-me mais à janela
Vi acender-se uma vela
Passos de mulher andarem
E uma mulher muito bela
Chegou-se mais à janela [bis]

[instrumental]

Não tenhas medo, não trago
Nem ódio nem espingardas
Trago paz numa viola
Quase que não fui à escola
Mas aprendi nas estradas
O amor que te consola
Trago paz numa viola [bis]

[instrumental]

Meu marido foi p'ra longe
Tomar conta das herdades
Ela disse «Companheiro»
Eu disse «Vem», ela «Tu primeiro,
Tu que me falas de estradas
E eu só conheço um carreiro»
Ela disse «Companheiro» [bis]

[instrumental]

A contas com a nossa noite
Afundados num colchão
Entre arcas e um reposteiro
Descobrimos um vulcão
Era o mês de Fevereiro
E o Inverno se fez Verão
Descobrimos um vulcão [bis]

[instrumental]

E eu que falava de estradas
E só conhecia atalhos
E ela a mostrar-me caminhos
Entre chaminés e orvalhos
Pela manhã, sem agasalhos
Voltei a rumos sozinhos
E ela a mostrar-me caminhos [bis]

[instrumental]

Andarei mais vinte dias
Ao frio, ao vento e à fome
Às escondidas da sorte
Um dia fraco, outro forte
Que o dia em que se não come
É um dia a menos p'ra a morte
Um dia fraco, outro forte [5x]


* Sérgio Godinho – voz
Gérard Crapoutchik – guitarra acústica

Produção e arranjos – José Mário Branco, com a contribuição de todos os músicos
Gravado no Strawberry Studio, Château d'Hérouville (arredores de Paris), em finais de Abril de 1971
Engenheiro de som – Gilles Sallé
Remasterizado a 24 bits nos Whitfield Street Studios, Londres, por Ray Staff (edição de 2001)
Textos sobre o disco em: Grandes discos da música portuguesa: efemérides em 2007 e Altamont
URL: https://www.facebook.com/Sergio.Godinho.Oficial/
https://vachier.pt/sergio-godinho/
https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9rgio_Godinho
https://altamont.pt/sergio-godinho-a-queima-roupa/
https://www.youtube.com/@SergioGodinhoTV
https://www.youtube.com/channel/UCCUWcMFHuwlLu7y8cX1LyJg
https://www.youtube.com/@DoTempoDosSonhos/videos?query=sergio+godinho
https://music.youtube.com/channel/UC6NItFDCOUpxXVmOfvAD3Rg



Capa do EP "Romance de um Dia na Estrada", de Sérgio Godinho (Guilda da Música/Sassetti, 1971)
Concepção – Guilherme Lopes Alves



Capa do LP "Os Sobreviventes", de Sérgio Godinho (Guilda da Música/Sassetti, 1972)
Fotografia – Michel Morange
Concepção – Armando Alves



Capa da compilação em duplo LP "Era uma Vez um Rapaz", de Sérgio Godinho (Philips/Polygram, 1985)
Fotografia – Álvaro Rosendo
Grafismo – Jorge Colombo



Capa da compilação em CD "Biografias do Amor", de Sérgio Godinho (Universal Music Portugal, 2001)
Fotografia – Rita Carmo
Grafismo – Espanta Espíritos



Capa da 1.ª edição do livro "Canções de Sérgio Godinho"; estudo crítico e notas de Arnaldo Saraiva (Lisboa: Assírio e Alvim, 1977)
Arranjo gráfico – Manuel Rosa



Capa da 2.ª edição (actualizada) do livro "Canções de Sérgio Godinho"; estudo crítico, organização e notas de Arnaldo Saraiva (Col. Rei Lagarto, vol. 8, Lisboa: Assírio & Alvim, Dez. 1983)
Concepção – Manuel Rosa

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Outros artigos com repertório interpretado por Sérgio Godinho ou da sua autoria:
Música portuguesa de Natal
A infância e a música portuguesa
Celebrando Carlos Paredes
Sérgio Godinho: "Que Força É Essa?"
Sérgio Godinho: "Mão na Música"
Sérgio Godinho: "Não te Deixes Assim Vestir..."
Em memória de Armando Carvalhêda (1950-2024)
Luís de Camões: "Endechas a Bárbara Escrava"
Sérgio Godinho: "Tem Ratos"

25 agosto 2025

Álvaro de Campos: "Soneto Já Antigo", por Luís Lucas


(in https://passaportelisboa.com/luis-lucas/)


Foi com surpresa e consternação que recebemos a notícia da morte, ontem ocorrida, do actor Luís Lucas, vitimado por ataque cardíaco. Na difícil arte de bem dizer poesia, consideramo-lo um dos mais competentes que Portugal já teve. Damos como exemplo, à guisa de singela homenagem nesta hora triste, a sua magnífica leitura do "Soneto Já Antigo", de Álvaro de Campos, publicada no CD n.º 1 do audiolivro "Ao Longe os Barcos de Flores: Poesia Portuguesa do Século XX" (Col. Sons, Assírio & Alvim, 2004).
Por acaso, Fernando Pessoa nem se conta entre os poetas que Luís Lucas mais gravou (a sua discografia incide sobretudo em Guerra Junqueiro, Mário de Sá-Carneiro, José Gomes Ferreira, Jorge de Sena, David Mourão-Ferreira e Pedro Tamen), mas quisemos dar realce àquele soneto do mais especulativo e niilista dos heterónimos pessoanos, por duas boas razões: primeira, por acontecer neste 2025 a efeméride dos 90 anos da morte do maior poeta português depois de Camões; e segunda, por o poema em apreço versar sobre a morte, assunto que se adequa plenamente à funesta ocorrência que subtraiu ao número dos vivos um dos mais dignos cultores e divulgadores da poesia portuguesa contemporânea. A vida que Álvaro de Campos impreca no último verso é, para bom entendedor, a vida videirinha daqueles que a consomem a acumular riquezas materiais e a conquistar glórias que a morte reduz a inutilidades, pois deixam de ter qualquer préstimo para quem muito se empenhou em obtê-las, não raramente em prejuízo do bem-comum.

No que à rádio pública diz respeito, damos boa nota da iniciativa de Paulo Alves Guerra ao consagrar, hoje, boa parte do seu programa da manhã na Antena 2, a Luís Lucas transmitindo uma mão-cheia de poemas ditos pelo malogrado actor/recitador intercalados com trechos de peças sacras de Johann Sebastian Bach. Recomendamos especialmente a primeira hora em que pontificaram poemas de Mário Cesariny, Herberto Helder, Ruy Belo, Fiama Hasse Pais Brandão e Eugénio de Andrade, curiosamente todos extraídos do mesmo audiolivro com chancela da Assírio & Alvim [>> RTP-Play].
Na Antena 1, nada apanhámos em memória de Luís Lucas, nas breves incursões que fizemos à respectiva emissão, e não acreditamos, sinceramente, que nos períodos em que estivemos ausentes da sintonia do canal algum poema na voz do saudoso actor tenha sido ofertado ao auditório. O registo ora em destaque e tantos outros do valioso legado fonográfico de Luís Lucas podiam muito bem ser dados a escutar aos ouvintes do canal generalista da estação pública de rádio, de vez em quando, no âmbito de um apontamento regular de poesia dita/recitada emitido diariamente ou de segunda a sexta-feira. Ficamos então a fazer votos de que a nova direcção de programas seja menos hostil relativamente à poesia do que foi a direcção precedente, do autista Nuno Galopim de Carvalho. Oxalá!



SONETO JÁ ANTIGO



Poema de Álvaro de Campos (in revista "Contemporânea", N.º 6, Lisboa: Natal 1922 – p. 121; "Álvaro de Campos: Livro de Versos", Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes; colaboração de Manuela Parreira da Silva e de Luísa Medeiros, Lisboa: Editorial Estampa, 1993 – p. 2)
Dito por Luís Lucas* (in livro/2CD "Ao Longe os Barcos de Flores: Poesia Portuguesa do Século XX": CD 1, Col. Sons, Assírio & Alvim, 2004)


Olha, Daisy: quando eu morrer tu hás-de
Dizer aos meus amigos aí de Londres,
Embora não o sintas, que tu escondes
A grande dor da minha morte. Irás de

Londres p'ra York, onde nasceste (dizes...
Que eu nada que tu digas acredito),
Contar àquele pobre rapazito
Que me deu tantas horas tão felizes,

Embora não o saibas, que morri...
Mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,
Nada se importará... Depois vai dar

A notícia a essa estranha Cecily
Que acreditava que eu seria grande...
Raios partam a vida e quem lá ande!...

(A bordo do navio em que embarcou para o Oriente; uns quatro meses antes do Opiário, portanto) Dezembro 1913

1915



* Luís Lucas – voz

Selecção de poemas e direcção de actores – Gastão Cruz
Coordenação editorial – Teresa Belo
Gravado e masterizado por Artur David e João Gomes, no Estúdio Praça das Flores, Lisboa, em Outubro de 2004
Supervisão de gravação – Vasco Pimentel
URL: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lu%C3%ADs_Lucas
https://artistasunidos.pt/luis-lucas/



Capa do N.º 6 da revista "Contemporânea" (Lisboa: Natal 1922)
Ilustração – José de Almada Negreiros



Página 121 da publicação anterior onde consta o "Soneto Já Antigo", de Álvaro de Campos.



Capa do livro "Álvaro de Campos: Livro de Versos", Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes; colaboração de Manuela Parreira da Silva e de Luísa Medeiros (Lisboa: Editorial Estampa, 1993)



Capa da 3.ª edição do livro anterior (Lisboa: Editorial Estampa, 1997)



Capa do livro (com 2 CD) "Ao Longe os Barcos de Flores: Poesia Portuguesa do Século XX" (Col. Sons, Assírio & Alvim, 2004).
Imagem heliográfica – Lourdes Castro ("Mangueiro", in Grand Herbier d'Ombres, 1972)

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Outros artigos com poesia dita por Luís Lucas:
Celebrando Sophia de Mello Breyner Andresen
Em memória de Herberto Helder (1930-2015)
Celebrando Eugénio de Andrade

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Outros artigos com poesia de Fernando Pessoa (ortónimo e heterónimos):
João Villaret: centenário do nascimento
Ser Poeta
Fernando Pessoa por João Villaret
Fernando Pessoa/Álvaro de Campos: "Dois Excertos de Odes", por Mário Viegas
Fernando Pessoa/Álvaro de Campos: "Aniversário", por Luís Lima Barreto
Em memória de Tereza Tarouca (1942-1919)
Cantos de Natal da Galiza e de Portugal
Celebrando Jorge Croner de Vasconcellos
Fernando Pessoa: "Tenho dó das estrelas"

09 agosto 2025

Pedra d'Hera: "Nagasaki, Hiroshima"


(in https://www.iwm.org.uk/)
Aspecto de Nagasaki alguns dias após a detonação da bomba atómica, a 9 de Agosto de 1945.
Às 11h:02 (hora local) daquele desditoso dia, uma segunda bomba atómica (de plutónio), apelidada de "Fat Man", foi lançada sobre outra cidade do Japão, Nagasaki. Embora aquela bomba fosse mais potente do que a "Little Boy" (de urânio-235), a destruição causada foi menor do que em Hiroxima devido à orografia acidentada (o alvo previsto era a cidade de Kokura, mas, ao deparar-se aí com um espesso manto de nuvens naquela manhã, o major Charles W. Sweeney, piloto do B-29 chamado Bockscar que transportava a bomba, resolveu rumar para Nagasaki, mais a sudoeste da ilha de Kyushu). Mesmo assim mais de 5 quilómetros quadrados da cidade foram pulverizados e cerca de 73 mil pessoas morreram.


Charanga, Construção e Pedra d'Hera são os nomes de três bons grupos que se estrearam, discograficamente, em 1982 e cujos trabalhos, parafraseando Mário Correia (in "Música Popular Portuguesa: Um Ponto de Partida", Centelha/Mundo da Canção, 1984, p. 301), se enquadram na via ampla que foi aberta pelas propostas de síntese elaboradas pelo Trovante, sobretudo patentes em "Baile no Bosque" (1981). «O ponto da partida permanece o mesmo: a música tradicional funciona como referência musical de base, a partir da qual se incorporam influências diversas, com maior ou menor incidência em termos de resultado final, sem que qualquer dos elementos integrados na síntese criativa surja com predomínio sobre os restantes em termos limitativos. O que, acentue-se uma vez mais, tem muito a ver com a riqueza e a variedade da música tradicional.» (ibidem)
À distância de mais de quatro décadas, podemos rotular tal abordagem estético-estilística de folk progressivo português. No álbum do grupo Pedra d'Hera, de título homónimo (nome tomado de um miradouro no monte de São Brás, a 760 metros de altitude, na vertente norte da serra da Gardunha), vem, a fechar o lado A do LP, uma canção primorosa e ao mesmo tempo inquietante: "Nagasaki, Hiroshima". E o dia de hoje em que se completam 80 anos sobre o lançamento da segunda bomba atómica sobre uma cidade populosa, reeditando-se (intencionalmente) o ainda bem recente holocausto de Hiroxima, afigura-se uma excelente ocasião para resgatarmos aquele tocante trecho poético-musical, com letra, música e voz de José Reis Fontão, cujo arranjo é de raro e superlativo encanto. Estamos muito em crer que aqueles que aqui vierem ouvi-lo (a maioria deles pela primeira vez, é de supor) comungarão de tal apreciação e alguns até não deixarão de inquirir os seus botões: «Porque é que nenhuma rádio me deu a conhecer antes esta preciosidade? Para que servem, afinal, as Antenas 1 e 3?».

Nota: O grupo Pedra d'Hera voltou a gravar "Nagasaki, Hiroshima" no seu terceiro álbum, "Ventos" (1996), com um arranjo consideravelmente diferente (mais americano e menos japonês) que é rematado com o estrondo ribombante do engenho atómico em explosão [>> YouTube].



(in https://commons.wikimedia.org/)
A nuvem em forma de cogumelo da bomba de plutónio lançada sobre Nagasaki.



Nagasaki, Hiroshima



Letra e música: José Reis Fontão
Intérprete: Pedra d'Hera* (in LP "Pedra d'Hera", Promusix, 1982; CD "Pedra d'Hera I/II", Pedra d'Hera, 1994)


[instrumental]

Há tanto tempo, sr. Presidente,
Que eu ouvira falar
A um "velho branco"
Que se punha a cantar
... Nagasaki, Hiroshima...

Uma canção, que não sabia
Onde ela iria começar
Como estas bombas
Que chovem sem parar
... Nagasaki, Hiroshima...

[instrumental]

Sei que a cantava
Olhando pr'além de tudo
Quanto o rodeava...
Ah! Velho louco que cantava e chorava
... Nagasaki, Hiroshima...

Diga-me, sr. General e Chefe,
Nosso "guia poderoso",
Se esse homem idoso
Soubera o que foi
... Nagasaki, Hiroshima...

[instrumental / vocalizos]


* Pedra d'Hera:
José R. Fontão – voz e guitarra solo (introdução)
José Emílio Martins – guitarra de 12 cordas solo, pratos e caixa
Carlos J. Branco – baixo e guitarra de 6 cordas
Músico convidado:
Dino – piano Fender

Gravado e misturado nos Estúdios Promusix, Algés, em 1982
Produção e supervisão de estúdio – Filú (Filoteio Dias)
Misturas – Filú (Filoteio Dias) e Pedra d'Hera
Texto sobre o disco em: Grandes discos da música portuguesa: efemérides em 2007
URL: https://www.sinfonias.org/mais/musica-portuguesa-anos-80/directorio/888-pedra-d-hera
https://www.youtube.com/@JRFontao/videos
https://www.youtube.com/@JORGESARH/videos?query=pedra+hera
https://music.youtube.com/channel/UCdrPZt-M4RhzSkU0ysgUMZQ



Capa do LP "Pedra d'Hera", do grupo Pedra d'Hera (Promusix, 1982)
Criação e execução – Miguel Monteiro



Capa da compilação em CD "Pedra d'Hera I/II" (Pedra d'Hera, 1994)
Produtor – António Salvado (Tó-Nô)



Capa do livro "Música Popular Portuguesa: Um Ponto de Partida", de Mário Correia (Col. Cantares de Amigo, N.º 1, Centelha/Mundo da Canção, Abr. 1984)
Concepção – Arlindo Fagundes.

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Artigo relacionado:
Saga com Sinde Filipe: "Hiroxima" (José Luís Tinoco)

06 agosto 2025

Saga com Sinde Filipe: "Hiroxima" (José Luís Tinoco)


(in https://www.iwm.org.uk/)
Aspecto de Hiroxima alguns dias após a detonação da bomba atómica, a 6 de Agosto de 1945. A cúpula do Genbaku Dome, edifício que se mantém em ruínas para funcionar como memorial, foi o ponto de referência do coronel Paul Tibbets (1915-2007), piloto do bombardeiro B-29 baptizado de Enola Gay (em homenagem à sua mãe), para largar a bomba chamada "Little Boy" (64 kg de urânio-235), que explodiu a cerca de 550 metros acima da cidade. Com uma potência equivalente a cerca de 12,5 quilotoneladas de TNT, a bomba reduziu a cinzas uma área de 13 quilómetros quadrados do centro de Hiroxima e causou a morte a aproximadamente 70 mil pessoas nos primeiros quatro dias após a explosão, estimando-se que, posteriormente, outras tantas tenham morrido devido a complicações e a doenças causadas pela exposição a níveis elevados de radioactividade, designadamente leucemia e outros tipos de cancro.


Faz hoje 80 anos que a mais mortífera e devastadora das armas – a bomba atómica – foi lançada sobre a urbe nipónica de Hiroxima, na extremidade sudoeste da ilha de Honshu. Para descrever cabalmente tamanha catástrofe, ademais sendo antropogénica, que se traduziu na destruição repentina e intensa de uma cidade e na dizimação da maioria dos seus habitantes, parece não haver palavras à altura. Mas houve quem se esforçasse por encontrá-las e uma dessas pessoas foi o músico/compositor e artista plástico José Luís Tinoco, quando concebeu, no âmbito do seu grupo Saga, o álbum "Homo Sapiens" (1976), um dos trabalhos de referência do rock progressivo português. O poema intitula-se precisamente "Hiroxima" e, para dar-lhe voz, o autor convidou o actor Sinde Filipe. E o resultado é tocante e eloquente, desde a moldura sonora à mui impressiva recitação. Oxalá a escuta deste admirável registo pudesse fazer crescer o repúdio às armas nucleares tão ampla e arreigadamente que os dirigentes dos países que as possuem nem sequer ponderassem alguma vez usá-las!

Vem a propósito chamarmos a atenção, uma vez mais, para a gritante lacuna de uma rubrica, emitida diariamente ou de segunda a sexta-feira, de poesia dita/recitada, que persiste na grelha da Antena 1, e na qual gravações como a ora destacada pudessem ser divulgadas. Deploravelmente, Nuno Galopim de Carvalho optou por uma conduta autista ignorando sobranceiramente os apelos que o escrevente destas linhas e outros ouvintes lhe fizeram, para que tal lacuna fosse colmatada, em linha com a mui honrosa tradição do canal naquela modalidade cultural. Agora que a direcção de programas mudou de mãos (e bem), fazemos votos de que o novo homem forte da Antena 1, Nuno Reis, tenha a clarividência e a sageza de proceder de maneira diferente e mais consentânea com as obrigações de serviço público às quais o canal generalista da rádio do Estado está legal e moralmente vinculado.



HIROXIMA



Poema e música: José Luís Tinoco
Intérprete: Saga* com Sinde Filipe [in LP "Homo Sapiens", Movieplay, 1976, reed. M2U Records (Coreia do Sul), 2002]




6 de Agosto de 1945
8 e um quarto da manhã.
Já premiste o botão
que fez descer 100 milhões de graus centígrados-morte
e erguer da terra um belo clarão
enorme e deslumbrante.
Missão cumprida.
Espera-te um país reconhecido
e mais tarde
os pés no vazio
quando souberes que
em poucos segundos, sob as tuas asas,
desde as ruas e jardins do centro
até aos campos em redor,
homens, mulheres, crianças e animais
foram varridos por um vento
que pulverizou tudo o que encontrou no seu caminho,
que alguns sobreviveram gritando queimados de morte
entre cinzas e cascalho,
que os arrozais perderam a verdura
e a relva ardeu como palha seca.
Número total de mortos: cerca de 70 000.
Um belo clarão...
Um belo clarão...
enorme, sábio, deslumbrante.
A teu lado alguém pergunta:
         Meu Deus, que fizemos?...


* [Créditos gerais do disco:]
Saga (instrumentistas):
José Luís Tinoco – piano, piano eléctrico, sintetizador, órgão, guitarras de 6 e 12 cordas
Zé da Ponte – viola baixo, guitarras de 6 e 12 cordas
Fernando Falé – bateria
Participação de:
Vasco Henriques – sintetizador Moog e flauta
Rão Kyao – saxofones tenor e soprano
Fernando Girão – percussão
Sinde Filipe – voz (recitação)

Arranjos – José Luís Tinoco
Direcção de produção – Thilo Krasmann, José Luís Tinoco e Zé da Ponte (assistente)
Produção – Movieplay
Gravado no Estúdio Rádio Triunfo, Lisboa
Engenheiro de som – Luís Alcobia
Mistura – Luís Alcobia e José Fortes
URL: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Lu%C3%ADs_Tinoco
https://www.meloteca.com/portfolio-item/jose-luis-tinoco/
https://www.rtp.pt/play/p9030/e553883/vida-e-obra-de-jose-luis-tinoco
https://www.youtube.com/@DoTempoDosSonhos/videos?query=saga+homo+sapiens



Capa do LP "Homo Sapiens", do grupo Saga (Movieplay, 1976)
Concepção – José Luís Tinoco

04 agosto 2025

No 90.º aniversário da inauguração oficial da rádio pública


(in https://radio.hypotheses.org/4138)
Os actores Carmen Dolores e Jaime Santos numa sessão de gravação de teatro radiofónico – fotografia publicada na revista "Flama", 16 Mai. 1958.


A 4 de Agosto de 1935 foi inaugurada oficialmente, com a presença do presidente da República de então, Óscar Carmona, a Emissora Nacional de Radiodifusão. Porém, não foi naquela data que se deu a primeira emissão. Em regime experimental, é certo, as emissões em onda média haviam começado na Primavera de 1932 e em onda curta no ano de 1934. A inauguração da rádio do Estado (que já vinha tarde, ante a pujança de várias emissoras privadas que emitiam desde o início da década de 1920 – em 1923 fora criada a Sociedade Portuguesa de Amadores de Telefonia sem Fio) chegou a estar prevista para 28 de Maio de 1934, dia que era obviamente caro ao regime ditatorial, conforme se pode ler na notícia da publicação "Rádio-Ciência", de Maio de 1934, dirigida pelo conceituado jornalista Álvaro Contreiras [cf. artigo "Manual de aceitação da Emissora Nacional em 1934", do Prof. Rogério Santos]. Foi nesse período experimental que começou a produção e emissão em directo de teatro radiofónico na rádio oficial (nas privadas Rádio Graça, Rádio Luso e Rádio Clube Português essa nobre arte já tivera lugar). Segundo refere Eduardo Street, no seu livro "O Teatro Invisível: História do Teatro Radiofónico" (Página 4, 2006, p. 34), foi com "A Ceia dos Cardeais", peça em 1 acto da autoria de Júlio Dantas, que a Emissora Nacional deu início, a 28 de Agosto de 1934, à transmissão de teatro concebido expressamente para a rádio. O elenco era o seguinte: Alexandre de Azevedo (Cardeal Gonzaga), Henrique de Albuquerque (Cardeal Ruffo) e Samwel Diniz (Cardeal Montmorency). E os ouvintes gostaram tanto que muitos deles se deram ao cuidado de escrever e telefonar para a Emissora Nacional a pedir a reposição da mais conhecida obra dramática de Júlio Dantas. E foram atendidos: aconteceu a 18 de Setembro de 1934, dessa vez com António Sacramento no papel do cardeal francês [cf. artigo "Emissora Nacional: 1934? 1935?", de Rogério Santos]. Esse mês de Setembro de 1934 ficou também assinalado pelo início das emissões regulares da Emissora Nacional, sob a presidência do capitão Henrique Galvão em regime de comissão instaladora, por nomeação do ministro das Obras Públicas e Comunicações, Duarte Pacheco. E o teatro invisível, como o denominou Eduardo Street, logo conquistou os favores do público-ouvinte, tornando-se, nas décadas subsequentes, sob a avalizada direcção de Virgínia Victorino (usando o pseudónimo de Maria João do Valle), de Alice Ogando, de Odette de Saint-Maurice, de Samwell Diniz, de Álvaro Benamor, de Edgar Marques, de António Manuel Couto Viana, de Raul de Carvalho, de Fernando Gusmão, de Norberto Barroca, de Rogério Paulo, de Carlos Avilez, de Fernando Curado Ribeiro, de Filipe La Féria, de Eduardo Street, e de outros, a mais relevante modalidade de divulgação cultural da rádio pública, ao facultar inumeráveis textos de teatro (e também obras romanescas adaptadas) a tantos ouvintes residentes em lugares onde o teatro convencional não chegava, muitos deles analfabetos ou semi-analfabetos.
Neste dia em que se comemora o 90.º aniversário da inauguração oficial da rádio pública, fazemos questão de render homenagem a todos os homens e mulheres que estiveram ligados ao teatro do imaginário – autores, adaptadores, actores e seus directores/ensaiadores, locutores/narradores, técnicos de gravação, sonorização e montagem, produtores, realizadores – e aproveitamos o ensejo para deixar expresso o pedido à administração da empresa Rádio e Televisão de Portugal para que empenhe seriamente na disponibilização online do muito que ainda falta do acervo radiofónico da arte de Talma. Pedido que é extensivo aos espólios integrais de outros dois programas de absoluta referência na História da Rádio Portuguesa e detentores de valor cultural/documental perene e elevado: "Lugar ao Sul", de Rafael Correia, e "Questões de Moral", de Joel Costa.



Capa da 1.ª edição do livro "O Teatro Invisível: História do Teatro Radiofónico", de Eduardo Street, pref. Ruy de Carvalho (Col. Antestreia, vol. 7, Lisboa: Página 4, 2006)



Capa da 2.ª edição do livro "O Teatro Invisível: História do Teatro Radiofónico", de Eduardo Street, pref. Ruy de Carvalho (Lisboa: Glaciar, 2023)

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Outros artigos alusivos ao teatro radiofónico:
Eduardo Street: morreu o grande artesão do teatro radiofónico
"Teatro Imaginário": ciclo Eduardo Street na Antena 2
Porquê o fim da reposição do "Teatro Imaginário"?
Aquilino Ribeiro: cinquentenário da morte
Teatro radiofónico: criminosamente ausente do serviço público
Teatro radiofónico: criminosamente ausente do serviço público (II)
É preciso resgatar o teatro radiofónico
"Ecos da Ribalta": homenagem a Carmen Dolores
Dia Mundial do Teatro: mensagem de João de Freitas Branco (1981)
Dia Mundial do Teatro: mensagem de Edward Albee (1993)
Bernardo Santareno: centenário do nascimento
Dia Mundial do Teatro: mensagem de Carlos Celdrán (2019)
Luiza Todi por Carmen Dolores segundo Margarida Lisboa
Dia Mundial do Teatro: mensagem de Jean Cocteau (1962)
Dia Mundial do Teatro: mensagem de Arthur Miller (1963)
"Ecos da Ribalta": homenagem a Eunice Muñoz
Teatro camoniano em versão radiofónica

28 julho 2025

Florência: "De Mãos Vazias" (José Guimarães)


Florência nos inícios da década de 1970 – fotografia publicada na capa do EP "Poema do Meu Anseio" (Orfeu ATEP 6449, 1972) e na capa da compilação em LP "Florência" (Orfeu SB-1061, 1973).


Não é raro intérpretes da canção ligeira competentes e dotados de bela e expressiva voz granjearem popularidade através de espécimes que, embora não sendo de deitar fora, não se incluem propriamente no melhor dos respectivos repertórios. Florência, que muitos apenas associam a duas joviais e despretensiosas cantigas parafolclóricas que alcançaram grande êxito – "Moda da Amora Negra" e "De Rosa ao Peito" –, é um desses casos paradigmáticos.
João Carlos Callixto, na edição ontem emitida do seu programa "Gramofone" [>> RTP-Play], que consagrou por inteiro a Florência, falecida no passado 18 de Julho, teve a mui louvável preocupação de dar a ouvir alguns registos de conteúdo mais profundo e de padrão estético mais elaborado que ficaram na penumbra. E o blogue "A Nossa Rádio" preza em associar-se à homenagem a Florência, dona de uma voz de timbre muito belo e harmonioso, condizente com a sua bonita fisionomia, resgatando outro trecho poético-musical de verdadeira antologia que poucos dos visitantes deste sítio terão alguma vez ouvido: o primoroso fado "De Mãos Vazias", com letra e música, respectivamente, de José Guimarães e de Resende Dias, a parelha de autores que concebeu a maioria do repertório original de Florência (a artista também gravou, além de cantigas da tradição popular, um número apreciável de canções e de fados criados por colegas de ofício, com Amália em primeiro lugar). O mencionado fado foi primeiramente publicado no álbum "Florência Canta Fado" (Orfeu/Arnaldo Trindade, 1980) e incluído, vinte anos mais tarde, na compilação em CD dedicada à intérprete que integra a colecção Clássicos da Renascença editada pela Movieplay.
As palavras de José Guimarães, como é fácil de perceber, continuam bem actuais no presente mundo onde a maldade recrudesceu de modo despudorado e, ante ela, se impõe às pessoas de bem como absolutamente imperiosa a denúncia e – ainda mais importante! – a acção vigorosa e denodada para lhe pôr cobro. Porque ficar-se passivo, acomodado na indiferença ou tolhido pelo desânimo, é abrir mão da liberdade e renunciar à dignidade, condições essenciais ao ser humano. Boa escuta!



De Mãos Vazias



Letra: José Guimarães
Música: Resende Dias
Intérprete: Florência* (in LP "Florência Canta Fado", Orfeu/Arnaldo Trindade, 1980; CD "Florência", Col. Clássicos da Renascença, vol. 49, Movieplay, 2000)


De mãos vazias, sem nada de nada,
Um pouco de céu pretendo alcançar;
São os meus dias janela fechada
Onde não há madrugada,
Onde a luz não quer entrar;
Ai dos meus dias que são tudo e não são nada:
São liberdade amarrada,
São silêncios a falar.

Olhos fechados... para a maldade não ver;
Braços cruzados..., deixar a vida correr;
Lábios cerrados... e não dizer a verdade,
Mas ter voz e estar calada é perder a liberdade.

Meu grito aberto, meu grito calado
Eu atiro ao vento sem ninguém ouvir;
Longe e tão perto, princípio acabado
Onde o meu olhar cansado
Anda a sonhar sem dormir:
Tudo é deserto no meu sonho povoado,
Onde um povo amordaçado
Não sabe cantar nem rir.

Olhos fechados... para a maldade não ver;
Braços cruzados..., deixar a vida correr;
Lábios cerrados... e não dizer a verdade,
Mas ter voz e estar calada é perder a liberdade.

[instrumental]

Lábios cerrados... e não dizer a verdade,
Mas ter voz e estar calada é perder a liberdade.


* Florência – voz
António Chainho e José Luís Nobre Costa – guitarras portuguesas
José Maria Nóbrega e Francisco Gonçalves – violas de fado
Raul Silva – viola baixo

Arranjos e direcção musical – António Chainho
Gravado nos Estúdios Arnaldo Trindade, Lisboa
Técnico de som – Moreno Pinto
URL: https://florenciarodrigues.tripod.com/
https://www.museudofado.pt/index.php/fado/personalidade/florencia
https://www.youtube.com/c/Am%C3%A9ricoPereira/videos?query=florencia



Capa do LP "Florência Canta Fado" (Orfeu/Arnaldo Trindade, 1980)



Capa da compilação em CD "Florência" (Col. Clássicos da Renascença, vol. 49, Movieplay, 2000)

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Outro artigo com repertório de Florência:
A infância e a música portuguesa

23 julho 2025

Amália Rodrigues: "Que Deus me Perdoe" (Silva Tavares)


Amália Rodrigues, 1952, fotografada em Nova Iorque por Bruno Bernard, mais conhecido por Bernard of Hollywood, Museu Nacional do Teatro e da Dança (MNTD 199519) [Raiz].


Considerando a data averbada no assento de nascimento de Amália, que é a que, mesmo carecendo de exactidão cronológica, conta para efeitos burocráticos, a preeminente artista completaria hoje 105 anos de idade. Assinalamos a efeméride dando destaque a um fado da nossa particular afeição e que ela também tinha entre os seus predilectos (prova-o tê-lo gravado várias vezes e incluído em múltiplas actuações ao vivo): "Que Deus me Perdoe". Escolhemos a versão presente no álbum "Amália no Olympia" que corresponde a uma gravação ao vivo feita na mítica sala parisiense em Abril de 1956. Não foi ela quem escreveu a letra [tem a assinatura do poeta Silva Tavares (1893-1964), que a concebeu expressamente para Amália cantar, em Outubro de 1946, na opereta "Mouraria", evocativa da fadista oitocentista Maria Cesária], mas era como se tivesse saído do seu punho, tão esplendidamente exprime a sua alma fadista e define a sua personalidade e idiossincrasia artística. Segundo o testemunho de um dos espectadores da opereta, Vítor Pavão dos Santos, expresso no seu livro "Amália e os Poetas" (Bertrand Editora, 2014, p. 155), a artista não deu sinais de se deixar entusiasmar com as letras originais dos fados que Adelina Fernandes interpretara, duas décadas antes, na mesma opereta, entre os quais o "Fado da Cesária" [texto e áudio >> YouTube], o que bate certo com aversão amaliana a cantar versos com os quais não se identificasse, atitude que só abona a favor da sua dignidade de artista grande e autêntica. A sua interpretação de "Que Deus me Perdoe", essa foi empolgante e percebe-se muito bem que o tenha sido, porque Silva Tavares escreveu a letra a pensar menos na fadista Cesária do séc. XIX e mais em Amália que, aos 26 anos de idade, já era considerada a maior intérprete de fado de que havia memória.
Note-se na maneira superiormente inteligente como Amália canta este seu fado biográfico, com música de Frederico Valério, ajustando a voz ao sentido das palavras, contendo-a e só a alteando nos momentos em que a letra o pede, como acontece no dístico "Cantando dou brado / E nada me dói". E ali o seu portentoso brado justifica-se com a máxima propriedade! Uma lição de magistral interpretação que devia ser aprendida por certas cantadeiras (pretensamente fadistas) que por aí andam, cujo aparelho vocal é muito inferior do de Amália, e se esganiçam todas por dá cá aquela palha.

A talhe de foice, uma interrogação: está Amália acaso representada na 'playlist' da Antena 1? Temos sérias dúvidas de que sim, uma vez que nada do seu vastíssimo repertório lográmos apanhar nas incursões que ultimamente fizemos à emissão do canal generalista da rádio do Estado. A confirmar-se, a situação demonstra clamorosa leviandade e inconsciência da parte de quem administra a programação musical, pela simples razão de que o país tem uma colossal dívida de gratidão para com Amália – justamente por ter sido a maior embaixatriz da cultura portuguesa além-fronteiras e por ter legado a Portugal (e ao mundo lusófono, e não só) uma obra fonográfica de descomunal dimensão, em quantidade e qualidade.



Que Deus me Perdoe



Letra: Silva Tavares (para a opereta "Mouraria", 1946, Teatro Apollo, Lisboa)
Música: Frederico Valério
Intérprete: Amália Rodrigues* [in LP "Amalia à l'Olympia", Columbia/Les Industries Musicales et Electriques Pathé Marconi, 1957; LP "Amália no Olympia", Columbia/VC, 1970, reed. EMI-VC, 1988, Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2008; CD "Amália no Olympia" (Remastered), Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011; 5CD "Amália em Paris": CD 1, Edições Valentim de Carvalho, 2020]




[instrumental]

Se a minha alma fechada
Se pudesse mostrar,
E o que eu sofro calada
Se pudesse contar,
Toda a gente veria
Quanto sou desgraçada,
Quanto finjo alegria,
Quanto choro a cantar...

Que Deus me perdoe
Se é crime ou pecado,
Mas eu sou assim
E fugindo ao fado
Fugia de mim;
Cantando dou brado
E nada me dói;
Se é pois um pecado
Ter amor ao fado,
Que Deus me perdoe.

Quando canto não penso
No que a vida é de má,
Nem sequer me pertenço,
Nem o mal se me dá:
Chego a crer, na verdade,
E a sonhar – sonho imenso –
Que tudo é felicidade
E tristeza não há.

Que Deus me perdoe
Se é crime ou pecado,
Mas eu sou assim
E fugindo ao fado
Fugia de mim;
Cantando dou brado
E nada me dói;
Se é pois um pecado
Ter amor ao fado,
Que Deus me perdoe.

[instrumental]

Cantando dou brado
E nada me dói;
Se é pois um pecado
Ter amor ao fado,
Que Deus me perdoe.


* Amália Rodrigues – voz
Domingos Camarinha – guitarra portuguesa
Santos Moreira – viola

Gravado no Teatro Olympia, Paris, em Abril de 1956
Texto sobre o disco em: Grandes discos da música portuguesa: efemérides em 2007
URL: https://amaliarodrigues.pt/pt/amalia/
https://www.museudofado.pt/index.php/fado/personalidade/amalia-rodrigues
https://centenarioamaliarodrigues.pt/
https://www.youtube.com/c/amaliarodriguesofficial
https://music.youtube.com/channel/UCF_E888KGi1ko8nk9Pus_2g



Capa da 1.ª edição francesa do LP "Amalia à l'Olympia" (Columbia/Les Industries Musicales et Electriques Pathé Marconi, Jan. 1957)
Fotografia – Sabine Weiss



Capa da 1.ª edição britânica do LP "Amália at the Paris Olympia" (Columbia, 1957)



Capa da 2.ª edição francesa do LP "Amalia à l'Olympia" sob o título "Les succès d'Amalia Rodrigues" (Columbia/Les Industries Musicales et Electriques Pathé Marconi, 1965)



Capa da 3.ª edição francesa do LP "Amalia à l'Olympia" (Columbia/Les Industries Musicales et Electriques Pathé Marconi, 1967)



Capa da 1.ª edição portuguesa do LP "Amália no Olympia" (Columbia/VC, 1970)



Capa da nova edição portuguesa (remasterizada) em CD do álbum "Amália no Olympia" (Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2011)
Fotografia – Sabine Weiss



Capa da caixa (5CD + livro) "Amália em Paris" (Edições Valentim de Carvalho, 23 Jul. 2020)



Capa do livro "Amália at the Olympia", de Lila Ellen Gray (Col. 33 1/3 Europe, Nova Iorque: Bloomsbury, Ago. 2023)
Fotografia – Sabine Weiss

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Outros artigos com repertório interpretado por Amália ou da sua autoria:
Ser Poeta
Celebrando Vinicius de Moraes
Camões recitado e cantado (II)
Amália Rodrigues: "Primavera" (David Mourão-Ferreira)
Amália Rodrigues: "Abril" (Manuel Alegre)
Poesia trovadoresca adaptada por Natália Correia
Luís de Camões: "Perdigão perdeu a pena"
Amália Rodrigues: "Naufrágio" (Cecília Meireles)
Amélia Muge: "A Lua" (Amália Rodrigues)

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Artigos com canções de tributo a Amália:
Amália: dez anos de saudade
«Do João Braga para a Amália»