01 junho 2023

Eugénio de Andrade e Fernando Lopes-Graça: "Aquela Nuvem e Outras"


Ilustração da autoria de Júlio Resende para o frontispício do livro "Aquela Nuvem e Outras" (Colecção ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986) [capa >> ao fundo]


À maneira de explicação, se tal for necessário

Por mais impessoal que seja a minha poesia, nunca o foi tanto como a que fui escrevendo à medida que o Miguel [Miguel Moura, n. 1980] ia crescendo diante dos meus olhos, e me ia pedindo uma história ou um poema. Provavelmente isto é coisa comum entre miúdos, mas este parecia-me especialmente atraído pelas coisas da imaginação, e foi para o ver sorrir ou lhe dar prazer que inventei estas puerilidades, algumas das quais me atrevo agora a publicar. O mais curioso é que a palavra, com todos os seus sortilégios, parecia fasciná-lo, mesmo quando a não entendia.
O que ele ignorava sabêmo-lo nós de sobra: a simples matéria sonora – rimas, aliterações, reiterações, estribilhos, consonâncias – é fonte de sedução e razão de encantamento desde que o homem se demorou, pela primeira vez, a escutar o vento entre os ramos.
Ao escrever estes versos, procurei abrir os ouvidos da alma às vozes que encheram os dias já distantes da minha infância. Por isso, não se deve estranhar que se encontrem aqui ecos de romances velhos ou velhos cantares, que também já ecoaram em Gil Vicente e Camões, se não é pretensioso juntar tão altos nomes ao nome tão humilde de minha mãe, que está na origem de todos os meus paraísos infantis, se me for consentido citar Baudelaire de maneira tão torpe. Tudo isto eu quis, consciente ou inconscientemente. Como quis também que o oiro e a púrpura das sílabas de certas palavras, cujo aroma espesso nos mergulha inteiros num sono com grandes e luminosas frestas para o sonho – Alexandria, Turquestão, Granada – pudessem aqui ser encontrados pela primeira vez. Eu seria outro poeta se, aos cinco ou seis anos, tivesse deparado com as cintilações dessas sílabas.
Só mais uma palavra. A uma retórica de fogo-de-artifício procurei opor, uma vez mais, e agora com redobradas razões, uma poética da luz, articulando a nudez e a transparência com a simplicidade de quem fala para que outros o escutem – daí o uso frequente das sete sílabas contadas que é o ritmo natural e português da nossa fala, se não for também o dos nossos próprios passos. Quis misturar a minha voz às vozes anónimas da infância – oxalá ela venha a tornar-se anónima também.

Eugénio de Andrade
Setembro de 1986


O ano de 1986 é marcante na vida de Fernando Lopes-Graça. É nesse ano que é condecorado com o título de Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada, a par da Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, e é-lhe concedido o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Aveiro. É também em 1986 que Eugénio de Andrade publica Aquela Nuvem e Outras e que Lopes-Graça se ocupa de criar um ciclo homónimo a partir desses 22 poemas, «as cançõezinhas do Miguel», como viria a apelidar [na carta dirigida ao poeta, de 12 Fev. 1987], inspirado pelo espírito de Eugénio que escrevera os poemas para crianças imbuído pelo imenso afecto que nutria pelo seu afilhado Miguel. A iniciativa de musicar os poemas parte do próprio compositor e é tal como acontecera com Mar de Setembro, comunicada já em fase de finalização da obra, em 1987: «"Aquela Nuvem e Outras" que delícia, que ternura! E eu já pus em música, para crianças e adultos, boa parte dos poemazinhos. Espero acabar dentro em breve, mas receio que as minhas canções não estejam à altura da simplicidade admirável dos seus versos. Perdoará, mas eu não pude resistir.» [carta a E.A., 2 Jan. 1986]
A resposta de Eugénio de Andrade a estas palavras acaba por nos dar uma boa imagem da relação de grande comunhão artística entre os dois, assumindo o poeta uma postura de grande generosidade em relação à complementaridade da obra de arte: «Fiquei encantado com as suas notícias. Ao enviar-lhe os poemazinhos, qualquer coisa dizia em mim que v. [você] iria gostar deles e talvez pôr-lhes a música que lhes faltava» [carta a F.L.G., 6 Jan. 1986]. Teríamos, no entanto, de esperar até ao ano de 1993 para a estreia deste terceiro ciclo. Nesse mesmo ano, na Casa das Artes do Porto, deu-se um concerto com um programa que contemplou os três ciclos que o diálogo artístico entre Fernando Lopes-Graça e Eugénio de Andrade nos legou.

Tiago Manuel da Hora (in "Fernando Lopes-Graça e Eugénio de Andrade: O Diálogo entre a Música e a Poesia [Correspondência]", Lisboa: Chiado Editora, 2018)


Neste ano do centenário do nascimento de Eugénio de Andrade, o Dia Mundial da Criança afigura-se da máxima oportunidade para celebramos a poesia que escreveu para a infância, inicialmente dedicada ao seu afilhado Miguel Moura, e que Fernando Lopes-Graça musicou. E fazêmo-lo socorrendo-nos das cativantes interpretações de alunos do 1.º ciclo do ensino básico (anos lectivos 2005/2006 e 2006/2007) da Academia de Música de Santa Cecília, acompanhados ao piano por Inês Mesquita, sob a direcção de Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – gravações publicadas no belíssimo CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças" (2013), em edição conjunta daquela honorável instituição de ensino e da chancela Althum.com, de Luís Nazaré Gomes. Um trabalho primoroso que se recomenda vivamente, quer a miúdos quer a graúdos, pois, como escreveu o insigne compositor, a música que apôs aos poemas d' "Aquela Nuvem e Outras" pode também ser ouvida (e com proveito) pelos adultos. Foi o nosso caso e esperamos que seja também o de todos os leitores/visitantes, qualquer que seja a idade, do blogue "A Nossa Rádio". Boa escuta e feliz Dia da Criança!

Acaso a Rádio ZigZag já deu a ouvir aos seus ouvintes algumas das canções para crianças, com música de Fernando Lopes-Graça? Suspeitamos que não, a avaliar pela profusão de (sub)produtos musicais que foram debitados durante as incursões que fizemos à respectiva emissão nos últimos dias. Praticamente só música pop, a maioria da qual anglo-americana ou dela tributária e com a agravante de ser da mais banal e medíocre. Uma pequena amostra: Ricky Gervais and Costantine, Macklemore (feat. Skylar Grey), Dua Lipa, Edward Sharp and The Magnetic Zeros, Ed Sheeran & Justin Bieber, BlackPink, Jack Johnson, KIDZ BOP Kids, TWICE, Miley Cyrus, Zlata Dziunka, Marshmello & Demi Lovato, Lukas Graham, Axwell Λ Ingrosso, Matoma, David Guetta & Bebe Rexha, The Sausage Factory Singers, Rihanna, Kids United (feat. Black M)...
E como se isso não bastasse, os pobres ouvidos dos petizes são incessantemente metralhados com 'jingles' horripilantes e anúncios promocionais fatelas, não sendo também poupados, em apontamentos pretensamente didácticos, a erros de palmatória como o de considerar «a Turquia o único país que, de facto, está em dois continentes»...
É caso para exclamar: coitadas das crianças que se sujeitam a escutar a Rádio ZigZag! E que desperdício do dinheiro cobrado aos adultos!



ADIVINHA



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (1.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


Não é galo nem galão,
nem padre nem sacristão:
é um animal esquisito,
entre peru e pavão,
tem barbas ruivas de milho,
tem olhos de crocodilo,
rabo de rato ou de cão,
    ão ão ão!


* Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (coro de alunos do 3.º ano 2005/2006)
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção



O GATO



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (2.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


Onde está o gato?
Dentro do sapato?
Anda atrás do pato
ou caiu do pote?
— Anda no jardim
à roda do pudim.
Dó si dó ré mi.


* Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (coro de alunos dos 1.º e 2.º anos 2005/2006)
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção



1, 2, 3



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (3.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


Um, dois, três,
lá vai outra vez
o gato maltês
a correr atrás
da franga pedrês,
talvez a mordesse
apenas no pé,
o sítio ao certo
não sei bem qual é
(quatro, cinco, seis),
ou só lhe arranhasse
a ponta da crista,
e talvez nem isso,
seria só susto,
ou nem sequer mesmo
foi susto nenhum;
sete, oito, nove,
para dez falta um.


* Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (coro de câmara 2005/2006)
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção



VERÃO



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (4.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


Caracol, caracol,
onde vais com tanto sol?
Vou à loja do senhor Adão
comprar um girassol;
com tanto sol
ninguém aguenta o verão.
Adeus, adeus, caracol,
tens razão,
sem guarda-sol
ninguém aguenta este sol.


* Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (coro de alunos dos 2.º e 4.º anos 2005/2006)
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção



O BURRO DE LOULÉ



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (5.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


Era um burro muito burro,
ou melhor, era pateta,
pois viera de Loulé,
sem ser coxo nem perneta,
sempre, sempre sobre um pé.


* Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (coro de alunos do 2.º ano 2005/2006)
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção



O PASTOR



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (6.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


Pastor, pastorinho,
onde vais sozinho?

Vou àquela serra
buscar uma ovelha.

Porque vais sozinho,
pastor, pastorinho?

Não tenho ninguém
que me queira bem.

Não tens um amigo?
Deixa-me ir contigo.


* Joana Marques Vidal – voz
Miguel de Melo Sobral – voz
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção



O LAGARTO



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (7.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


Vejam que janota
o lagarto vem!
Parece um ministro.
Irá a Belém?

Vem do costureiro?
Vem de trabalhar?
Que pergunta tola:
vem só de almoçar.

E que bem comeu
o nosso janota!
Quem seria o parvo
que pagou a conta?


* Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (coro de alunos do 1.º ano 2005/2006)
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção



CANÇÃO DE LEONORETA



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (8.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


Borboleta, borboleta,
flor do ar,
onde vais, que me não levas?
Onde vais tu, Leonoreta?

Vou ao rio, e tenho pressa,
não te ponhas no caminho.
Vou ver o jacarandá,
que já deve estar florido.

Leonoreta, Leonoreta,
que me não levas contigo.


* Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (coro de alunos do 4.º ano 2005/2006)
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção



GATOS



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (9.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


Gato dos quintais
gato dos portões,
gato dos quartéis
gato das pensões.

Vêm da Índia, da Pérsia,
de Ninive, Alexandria.
Vêm do lado da noite,
do oiro e rosa do dia.

Gato das duquesas,
gato das meninas,
gato das viúvas,
gato das ruínas.

Gatos e gatos e gatos.
Arre, que já estamos fartos!


* Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (coro de câmara 2005/2006)
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção



CANÇÃO DA JOANINHA



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (10.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


A Lisboa, vamos a Lisboa.
Joaninha voa, voa.

Num cavalo baio
ou num alazão, vamos a Lisboa.
Joaninha voa, voa.

Num cavalo de Alter
ou do Turquestão, vamos a Lisboa.
Joaninha voa, voa.

Num cavalo de pau
ou num garanhão, vamos a Lisboa.
Joaninha voa, voa.

Ah, que bom, que bom, que bom;
voa, voa, vamos a Lisboa.


* Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (coro de câmara 2006/2007)
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção



O INVERNO



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (11.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


Velho, velho, velho.
Chegou o inverno.

Vem de sobretudo,
vem de cachecol,
o chão onde passa
parece um lençol.

Esqueceu as luvas
perto do fogão:
quando as procurou,
roubara-as um cão.

Com medo do frio,
encosta-se a nós:
dai-lhe café quente
senão perde a voz.

Velho, velho, velho.
Chegou o inverno.


* Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (coro de alunos do 3.º ano 2005/2006)
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção



A FORMIGA



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (12.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


Sete palmos, sete metros,
anda a formiga por dia
(sete palmos a correr,
sete metros devagar),
só para lamber o mel
que lentamente escorria
quer da boca quer do pão,
quer dos dedos do Miguel.


* Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (coro de alunos dos 3.º e 4.º anos 2005/2006)
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção



ANDORINHA



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (13.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


Era uma andorinha branca
que me batia à janela
e contente anunciava
que chegara a primavera,
ou era eu que sonhava?


* Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (coro de câmara 2006/2007)
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção



FAZ DE CONTA



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (14.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


— Faz de conta que sou abelha.
— Eu serei a flor mais bela.

— Faz de conta que sou cardo.
— Eu serei somente orvalho.

— Faz de conta que sou potro.
— Eu serei sombra em agosto.

— Faz de conta que sou choupo.
— Eu serei pássaro louco,

    pássaro voando e voando
    sobre ti vezes sem conta.

— Faz de conta, faz de conta.


* Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (coro de alunos dos 2.º, 3.º e 4.º anos 2005/2006)
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção



A ROSA E O MAR



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (15.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


Eu gostaria ainda de falar
da rosa brava e do mar.
A rosa é tão delicada,
o mar tão impetuoso,
que não sei como os juntar
e convidar para um chá
na casa breve do poema.
O melhor é não falar:
sorrir-lhes só da janela.


* Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (coro de câmara 2005/2006)
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção



ANDANÇAS DO POETA



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (16.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


Pelo céu cor de violeta,
que lindo,
que lindo vai o poeta.

Pôs uma camisa branca
e sapatos amarelos,
as calças agarradinhas
são da feira de Barcelos.

Pelo céu vai o poeta.
Sobe, sobe de bicicleta.


* Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (coro de alunos dos 3.º e 4.º anos 2005/2006)
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção



AQUELA NUVEM



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (17.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


— É tão bom ser nuvem,
ter um corpo leve,
e passar, passar.

— Leva-me contigo.
Quero ver Granada.
Quero ver o mar.

— Granada é longe,
o mar é distante,
não podes voar.

— Para que te serve
ser nuvem, se não
me podes levar?

— Serve para te ver.
E passar, passar.


* Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (coro de alunos do 2.º ano 2005/2006)
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção



FRUTOS



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (18.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


Pêssegos, pêras, laranjas,
morangos, cerejas, figos,
maçãs, melão, melancia,
ó música de meus sentidos,
pura delícia da língua;
deixai-me agora falar
do fruto que me fascina,
pelo sabor, pela cor,
pelo aroma das sílabas:
tangerina, tangerina.


* Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (coro de câmara 2006/2007)
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção



ROSA



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (19.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


É uma rosa amarela.
Uma rosa de verão.
Sempre uma rosa em botão
estava posta à janela.
Quem mora naquela casa
certamente que sabia
quanto essa rosa em botão,
seja branca ou amarela,
perfuma todo o verão.


* Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (coro de câmara 2005/2006)
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção



ROMANCE DE D. JOÃO



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (20.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


Foi-se D. João,
foi à sua vida,
sem dificuldade
saltou pelo muro,
não voltou senão
quando ao outro dia
já fazia escuro.
Vinha enfarruscado,
partida a viola,
o boné ao lado,
rasgado o calção
e a camisola.
Fiz-lhe uma carícia,
não me respondeu,
foi-se encafuar
perto do borralho
arrastando o pé.
Percebi então
que não vinha bem.
Que desgosto teve?
Com quem se bateu?
Disputas de gatos
em pleno janeiro?
Ou foi antes cão
que o filou primeiro?
Nada perguntei
por delicadeza,
mas que fora coça,
da rija, da boa,
da que deixa mossa
para a vida toda,
isso bem se via.
Queria ajudá-lo,
não só por carinho:
custa tanto vê-lo
metido na fossa
da melancolia!
E para acabar
quase me atrevia
a pedir que guardem
muito bem guardado
tudo isto em segredo.
E muito obrigado.


* Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (coro de câmara 2006/2007)
Ana Rita Valente – voz falada
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção



NÃO QUERO, NÃO



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (21.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


Não quero, não quero, não,
ser soldado nem capitão.

Quero um cavalo só meu,
seja baio ou alazão,
sentir o vento na cara,
sentir a rédea na mão.

Não quero, não quero, não,
ser soldado nem capitão.

Não quero muito do mundo:
quero saber-lhe a razão,
sentir-me dono de mim,
ao resto dizer que não.

Não quero, não quero, não,
ser soldado nem capitão.


* Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (coro de câmara 2006/2007)
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção



CAVALOS



Poema: Eugénio de Andrade (in "Aquela Nuvem e Outras", ilustrações de Júlio Resende, col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Música: Fernando Lopes-Graça (22.ª peça do ciclo "Aquela Nuvem e Outras", Op. 238, LG 241, 1987)
Intérprete: Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília* (in CD com livro "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)


Uma canção de cavalos
me pede o Miguel que escreva:
cavalos de sol sedentos,
mansos cavalos de seda.
Cavalos bebendo a sombra
verde e rosa das palmeiras
ou bailando nas areias
com as luzes derradeiras.
Cavalos de romanceiro
disparados como setas
em terras da minha terra
ou só na minha cabeça.
Cavalos de sol sedentos,
mansos cavalos de seda:
uma canção de cavalos
me pede o Miguel que escreva.


* Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (coro de câmara 2006/2007)
Inês Mesquita – piano
Ana Paula Rodrigues, António Gonçalves e Artur Carneiro – direcção

Produção – Althum.com, Edições Especiais, Lda. / Luís Nazaré Gomes
Produção executiva – Rui Paiva / Academia de Música de Santa Cecília
Gravado nos Estúdios Namouche, Lisboa, de 2005 a 2007
Captação de som, edição e masterização – João Pedro Castro
URL: https://www.am-santacecilia.pt/



Capa da 1.ª edição do livro "Aquela Nuvem e Outras" (Col. ASA Juvenil, vol. 32, Porto: Edições ASA, 1986)
Ilustrações de Júlio Resende



Capa de outra edição do livro "Aquela Nuvem e Outras" (Lisboa: Círculo de Leitores, 1989)
Desenhos de Jorge Colombo



Capa de outra edição do livro "Aquela Nuvem e Outras" (Col. Palmo e Meio, vol. 7, Porto: Campo das Letras, 1999)
Ilustrações de Alfredo Martins



Capa de outra edição do livro "Aquela Nuvem e Outras" (Col. Tempo dos Mais Novos, vol. 2, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2005)
Ilustrações de Joana Quental



Capa de outra edição do livro "Aquela Nuvem e Outras" (Lisboa: Assírio & Alvim, 2014)
Ilustrações de Cristina Valadas



Capa de outra edição do livro "Aquela Nuvem e Outras" (Col. Educação Literária, Porto: Porto Editora, 2016)
Ilustrações de Aurélie de Sousa



Capa da edição espanhola do livro "Aquela Nuvem e Outras", versão em castelhano de Jesús Munárriz (Col. Ajonjolí, Madrid: Hiperión, 1996)
Ilustrações de Beatriz Atheide



Capa do livro com CD "Fernando Lopes-Graça: Canções para Crianças", do Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília (Academia de Música de Santa Cecília / Althum.com, 2013)
Design gráfico – Luís Henriques sobre desenhos dos alunos do 1.º ciclo do ensino básico da AMSC
Edição de imagem – João Pedro Cochofel
Nota: Além de "Aquela Nuvem e Outras", o CD inclui os ciclos "As Cançõezinhas da Tila" e "Presente de Natal para as Crianças". Pode ser encomendado no site https://www.althum.com/.

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Artigos relacionados:
A infância e a música portuguesa
Júlio Pereira com Sara Tavares: "Os Ponteirinhos"
Diabo a Sete: "Cantiga de Vir ao Mundo"
O Baú: "Cala-te, Menino, Cala!"
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Taleguinho: "Pele de Piolho"
Vitorino: "O Capitão dos Tanques"

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Outros artigos com poesia de Eugénio de Andrade:
Eugénio de Andrade por Eugénio de Andrade
Celebrando Eugénio de Andrade
Eugénio de Andrade por João Perry

01 maio 2023

Luís Cília: "O Cavador" (Guerra Junqueiro)


"O Cavador", escultura de pedra concebida por António Augusto da Costa Mota (tio, 1862-1930), inaugurada em 1913 no Jardim Guerra Junqueiro (Jardim da Estrela), em Lisboa. Foi a primeira escultura a ser colocada naquele jardim após a implantação da República.
© Ana Alvim, 22 Jun. 2022 (https://www.flickr.com/photos/167399054@N07/52166099320/)


Enxada – instrumento primordial para o trabalho manual da terra, difundido e conhecido largamente em todos os continentes pelos agricultores dos mais diversos níveis, e utilizado nas múltiplas e diversificadas operações que a preparação da terra implica, conforme a sua natureza e tipo de culturas, designadamente cavar, plantar, sachar e até roçar mato. A enxada consta de uma lâmina de ferro ou aço, cheia ou fendida – a , aba (Cinfães), ou pata (Barcelos) –, ligada ao olho em que entra o cabo [de madeira], e disposta obliquamente em relação a este, fazendo com ele um ângulo mais ou menos fechado [cf. verbete do livro "Alfaia Agrícola Portuguesa", de Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando Galhano e Benjamim Pereira, Lisboa: Instituto de Alta Cultura/Centro de Estudos de Etnologia, 1976].

Ainda hoje indispensável a quem cultiva a sua horta, a enxada perdeu, em consequência da mecanização da lavoura, muita da importância que teve outrora e a tornou o símbolo por excelência da agricultura, representado em emblemas de partidos políticos [por exemplo, no da extinta UDP (União Democrática Popular)] e na bandeira nacional de Moçambique. A cultura da vinha – e Portugal sempre foi um país acentuadamente vitivinícola – era das que mais requeria a mão-de-obra de cavadores, a começar pela cava da manta para o plantio do bacelo, que se realizava ao ritmo da voz de um mandador, também ele cavador. Esse trabalho árduo e extenuante, a troco de magra jorna, já é, felizmente, só memória nos ainda vivos que o executaram e naqueles que o presenciaram. Para conhecimento da posteridade ficaram registos áudio e audiovisuais, sendo de menção obrigatória os feitos por iniciativa do etnógrafo Michel Giacometti, em finais dos anos 1960 e inícios de 1970: a faixa "Bacelada" que abre o alinhamento do disco LP "Beira Alta, Beira Baixa, Beira Litoral", publicado em 1971 no âmbito da série "Música Regional Portuguesa", e que cerca de três décadas mais tarde os Gaiteiros de Lisboa recriaram no "Canto de Trabalhos", pertencente ao álbum "Macaréu", de 2002 [>> YouTube], e o episódio da série documental televisiva "Povo Que Canta", emitido a 24 de Janeiro de 1972, quase todo filmado algures na freguesia de Tavarede, concelho da Figueira da Foz [>> YouTube / RTP-Arquivos]. Também obra de muitos ranchos de cavadores são os socalcos do Alto Douro vinhateiro, onde se produzem (sobretudo desde 1756, ano em que o ministro Sebastião José de Carvalho e Mello, futuro Marquês de Pombal, fundou a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro e demarcou a região de cultivo) as uvas que dão um dos néctares mais apreciados em todo mundo, o vinho do Porto. Poucas das pessoas que o bebem e nem todas as que ficam extasiadas na contemplação daquela beleza paisagística, muito apropriadamente classificada pela UNESCO como Património da Humanidade, têm real noção de que no princípio de tudo esteve o esforço e o suor de milhares de anónimos cavadores. Homens que mal ganhavam para comer e para matar a fome às mulheres e aos filhos (que, por regra, não eram poucos), e que, como é fácil de depreender, não morriam velhos. Vários escritores e poetas, ainda antes de Alves Redol, de Joaquim Namorado e de outros autores neo-realistas, foram sensíveis à penosa, miserável e efémera existência dos cavadores durienses. Um deles foi Antero de Figueiredo que nos deixou este vívido e tocante testemunho:

Do Corgo para cima é Alto-Douro: – chão de xisto esfarelado pelo ar, pelo calor, pelo trabalho mortal da enxada, bidente e sarrada, do cavador-escravo, que, de sol a sol, debaixo da torreira calcinante, curvo, fincado no alvião, com a pele a escaldar e a luzir de suor, o corta, o espedaça, o pulveriza, convertendo a pedra em terra – em humo aspérrimo de que as raízes das cepas se alimentam com voracidade infernal, como plantas do diabo que exigissem, para seu sustento, o fogo da terra e o suor dos homens. A terra escalda; o ar queima. Secam as fontes, ardem os montes. Não há uma sombra de arbusto, nem um pingo de água. Há sessenta graus de calor do inferno, sede, sezões, dor, morte. Uma gota de vinho custa todo o suor de um homem! (in "Jornadas em Portugal", Lisboa: Livrarias Aillaud & Bertrand, 1918, p. 128-129).

Outro foi Guerra Junqueiro, natural do concelho de Freixo de Espada à Cinta (freguesia de Ligares), que no seu livro "Os Simples" (1892) lhes dedicou um poema, precisamente o quem por título "O Cavador". Texto esse que o cantautor Luís Cília, no final da década de 1960, musicou e cantou para o segundo volume da sua trilogia "La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours", publicada em França por Moshé-Naïm. Em Portugal, a profissão de cavador/jornaleiro está extinta (e ainda bem!), mas ainda há muitos trabalhadores de outros ofícios socialmente desconsiderados (mas necessários), principalmente na indústria e no sector terciário, que não recebem o mínimo necessário para prover às necessidades básicas deles próprios e dos familiares. Trabalham mas vivem pobremente, de saúde frágil e com uma esperança de vida abaixo da média. Nessa ordem de ideias, não será exagerado considerá-los os cavadores da actualidade. A eles e aos de antanho, como penhor de gratidão pelo seu relevante legado, patente no Alto Douro vinhateiro e noutras partes de Portugal, rendemos homenagem neste Dia do Trabalhador dando destaque à canção "O Cavador", magnificamente interpretada por Luís Cília.

Apesar de alguns álbuns de Luís Cília estarem disponíveis em edição digital, no iTunes e na Amazon, pelo menos, há mais de dois anos, e de, muito provavelmente, existir na discoteca da RDP o CD "La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours" (1996), nada do repertório do artista foi ainda incluído na 'playlist' da Antena 1, onde por direito devia estar representado. Não cremos que se trate de esquecimento fortuito, nem da falta de uns míseros euros para a compra 'online' de algumas faixas áudio, mas de exclusão intencional. Ora tal atitude é absolutamente intolerável, atendendo às particulares obrigações, consignadas na lei, que a rádio pública tem no domínio da música portuguesa, quer a publicada nos últimos doze meses, quer a anterior que seja culturalmente relevante, como é o caso da obra discográfica de Luís Cília. A Antena 1 não existe para funcionar como uma espécie de gueixa privativa de Nuno Galopim de Carvalho, mas para prestar verdadeiro serviço público aos cidadãos que a pagam!



O Cavador



Poema: Guerra Junqueiro (excerto ligeiramente adaptado) [texto integral >> abaixo]
Música: Luís Cília
Intérprete: Luís Cília* (in LP "La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours – 2", Moshé-Naïm, 1969; CD "La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours", EMEN, 1996)




[instrumental / assobio]

Dezembro, noite, canta o galo...
Rouco na treva canta o galo...
Aldeão não durmas!... Vai chamá-lo,
Miséria negra, vai chamá-lo!...
    — Oh, dor! oh, dor! oh, dor! —
Bate-lhe à porta, é teu vassalo,
Que traga a enxada, é teu vassalo,
Fantasma negro, o cavador!

Vem roxa a estrela d'alvorada...
Vem morta a estrela d'alvorada —
Montanhas nuas sob a geada!...
Hirtas, de bronze, sob a geada!...
    — Oh, dor! oh, dor! oh, dor! —
Torvo, inclinado sobre a enxada,
Rasga as montanhas com a enxada,
Fantasma negro, o cavador!

[instrumental / assobio]

Cavou, cavou desde que é dia...
Cavou, cavou... Bateu meio-dia...
De pé na encosta erma e bravia,
Triste na encosta erma e bravia,
    — Oh, dor! oh, dor! oh, dor! —
Largando a enxada, «Ave-Maria!...»
Reza em silêncio... «Ave-Maria!...»
Fantasma negro, o cavador!

Cavou cem montes... que é do trigo?
Gerou seis bocas... que é do trigo?
Bateu a Fome ao seu postigo...
Bateu a Morte ao seu postigo...
    — Oh, dor! oh, dor! oh, dor! —
«Que a paz de Deus seja comigo!...
Que a paz de Deus seja comigo!...»
Disse, expirando, o cavador!


* Luís Cília – voz, guitarra, berimbau e assobio
François Rabbath – contrabaixo

Produção – Moshé Naïm
Engenheiro de som – Jean-Pierre Dupuy
Masterização (antologia de 1996) – A.D.L.
URL: http://www.luiscilia.com/
https://www.youtube.com/user/LeoMOV/videos
https://music.youtube.com/channel/UCqL_T8TPQ2ffVAKn-v4kN_A



O CAVADOR

(Guerra Junqueiro, in "Os Simples", Porto: Typographia Occidental, 1892 – p. 95-98; "Os Simples: Poesias Líricas", Porto: Lello & Irmão – Editores, 1978 – p. 95-98)


Dezembro, noite, canta o galo...
Rouco na treva canta o galo...
       — Oh, dor! oh, dor! —
Aldeão não durmas!... Vai chamá-lo,
Miséria negra, vai chamá-lo!...
       — Oh, dor! oh, dor! —
Bate-lhe à porta, é teu vassalo,
Que traga a enxada, é teu vassalo,
Fantasma negro, o cavador!

O vento ulula... Tremem ninhos...
Na noite aziaga tremem ninhos...
       — Oh, dor! oh, dor! —
A neve cai, fria d'arminhos...
Na escuridão, fria d'arminhos...
       — Oh, dor! oh, dor! —
Passa maldito nos caminhos,
D'enxada ao ombro nos caminhos,
Fantasma negro, o cavador!

Vem roxa a estrela d'alvorada...
Vem morta a estrela d'alvorada —
       — Oh, dor! oh, dor! —
Montanhas nuas sob a geada!...
Hirtas, de bronze, sob a geada!...
       — Oh, dor! oh, dor! —
Torvo, inclinado sobre a enxada,
Rasga as montanhas com a enxada,
Fantasma negro, o cavador!

Cavou, cavou desde que é dia...
Cavou, cavou... Bateu meio-dia...
       — Oh, dor! oh, dor! —
De pé na encosta erma e bravia,
Triste na encosta erma e bravia,
       — Oh, dor! oh, dor! —
Largando a enxada, «Ave-Maria!...»
Reza em silêncio... «Ave-Maria!...»
Fantasma negro, o cavador!

Cavou, cavou na serra agreste,
D'alva à noitinha, em serra agreste...
       — Oh, dor! oh, dor! —
E um caldo em prémio tu lhe deste,
Meu Deus!... seis filhos tu lhe deste...
       — Oh, dor! oh, dor! —
Batem trindades... «Pai Celeste!...
Bendito sejas, Pai Celeste!...»
Reza, fantasma, o cavador!

Cavou cem montes... que é do trigo?
Gerou seis bocas... que é do trigo?
       — Oh, dor! oh, dor! —
Bateu a Fome ao seu postigo...
Bateu a Morte ao seu postigo...
       — Oh, dor! oh, dor! —
«Que a paz de Deus seja comigo!...
Que a paz de Deus seja comigo!...»
Disse, expirando, o cavador!

                                               Junho — 91.



Capa da 1.ª edição do livro "Os Simples", de Guerra Junqueiro (Porto: Typographia Occidental, 1892)



Capa do LP "La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours – 2", de Luís Cília (Moshé-Naïm, 1969)
Fotografia – Alain Appéré



Capa da antologia em CD "La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours", de Luís Cília (EMEN, 1996)
Pintura (à esquerda) – Maria Helena Vieira da Silva
Fotografia (à direita) – Alain Appéré

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Artigos relacionados:
Sérgio Godinho: "Que Força É Essa?"
Dialecto: "Instrumentos de Trabalho" (Maria Teresa Horta)
Fausto Bordalo Dias: "Uma Cantiga de Desemprego"
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Outros artigos com repertório interpretado por Luís Cília ou da sua autoria:
Em memória de Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013)
Celebrando Eugénio de Andrade
Camões recitado e cantado (V)
José Saramago: "Dia Não"
Adriano Correia de Oliveira: "Exílio" (Manuel Alegre)
Luís Cília: "Tango Poluído"

25 abril 2023

Teresa Salgueiro: "Liberdade"



É próprio dos ditadores e dos déspotas fazerem passar por verdade o que não é, de modo a perpetuarem-se no poder. Em democracia, quando um político mente ou incorre em conduta reprovável (de corrupção, nepotismo, clientelismo, etc.) e não recebe a devida punição, é inevitavelmente gerada descrença face ao regime nos cidadãos/eleitores, levando-os a voltarem-se para movimentos políticos que se apresentam como impolutos e moralmente superiores mas que mais não são do que a reencarnação hodierna, convenientemente 'travestida', de pretéritas forças políticas de feição totalitária, por natureza avessas à Liberdade e aos direitos humanos. E de pouco adianta diabolizar tais partidos/movimentos e propalar aos sete ventos que a democracia é o melhor (ou o menos mau) de todos os regimes conhecidos se o povo a rejeitar, precisamente porque nela deixou de acreditar. Se quiser sobreviver, a democracia não pode perder a capacidade de se auto-reformar e, por essa via, reconquistar a confiança dos cidadãos, coisa que não se faz com discursos mas com acções concretas que tenham efectiva repercussão na vida das pessoas e promovam a justiça social. Acções que sejam iluminadas pela insubmissa chama da Verdade e possibilitem que a Dignidade do Povo se cumpra imaculada, se nos é permitido tomar de empréstimo palavras que Teresa Salgueiro escreveu para a sua canção "Liberdade", que escolhemos para aqui dar destaque neste 25 de Abril, o quadragésimo nono a contar da Revolução dos Cravos.

A voz de Teresa Salgueiro, quer em nome individual, quer no seio dos Madredeus, quer como convidada em trabalhos alheios, há uns bons anos que não soa na Antena 1 durante o larguíssimo tempo de emissão em que reina a 'playlist'. E é apenas um dos muitos casos de artistas portugueses que vêm sendo vítimas de vil e criminosa marginalização por parte da rádio pública. Em contrapartida, a música pop anglo-americana dos anos 80 tem posição dominante, obscenamente dominante. Impõe-se a pergunta: valerá a pena os cidadãos continuarem a financiar uma estação que despreza o nosso património musical mais valioso e se empenha em mimetizar a M80? O indecoroso silenciamento a que estão a ser votados tantos intérpretes nacionais de reconhecido mérito (desde os consagrados aos novos talentos), por arbitrária e pessoalíssima vontade de Nuno Galopim de Carvalho, além de se traduzir num flagrante desvio às obrigações de serviço público que compete à Antena 1 cumprir, é claramente atentatório da liberdade – seja a dos artistas de darem a conhecer aos rádio-ouvintes a sua produção, seja a dos segundos de poderem escutar no éter nacional o que de melhor se faz/fez no seu país em matéria de música.



Liberdade



Letra: Teresa Salgueiro
Música: Teresa Salgueiro, Rui Lobato, Óscar Torres, Marlon Valente e Graciano Caldeira
Intérprete: Teresa Salgueiro* (in CD "O Horizonte", Teresa Salgueiro/Lemon, 2016)




Sempre tão constante
o pulsar da Liberdade
ameaçada a cada instante,
perseguida pela vaidade
em que a mentira
gera ambiguidade.

Hoje, tão desperta
como nunca, a Humanidade
é confrontada com a severa,
insidiosa impunidade...
e a indiferença
esmaga a vontade.

[instrumental]

Ferozmente silenciadas
as Palavras necessárias
às mudanças, tão contrárias
às ideias instaladas...

Brilha,
por entre as sombras
rompe a Claridade
insubmissa,
a chama da Verdade.

[instrumental]

Luta
por encontrar um rumo,
para cumprir-se
imaculada a Dignidade,
a insubmissa
chama da Verdade.

[instrumental / vocalizos]


* Teresa Salgueiro – voz
Rui Lobato – bateria, percussão e guitarra
Óscar Torres – contrabaixo
Marlon Valente – acordeão
Graciano Caldeira – guitarra

Produzido por Teresa Salgueiro e Rui Lobato
Gravado por Rui Lobato, em Lisboa, nos meses de Julho e Agosto de 2016
Misturado e masterizado por António Pinheiro da Silva, com Rui Lobato e Teresa Salgueiro
URL: https://teresasalgueiro.pt/
https://www.facebook.com/teresa.salgueiro/
https://www.youtube.com/user/teresasalgueiro
https://music.youtube.com/channel/UCmibt046t9JFHtdDqmQX74A



Capa do CD "O Horizonte", de Teresa Salgueiro (Teresa Salgueiro/Lemon, 2016)
Fotografia por Susana Pereira.

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Outros artigos com canções ou poemas alusivos à Revolução dos Cravos ou à Liberdade:
Contrabando: "Verdade ou Mentira?"
Grupo Coral "Os Ganhões de Castro Verde": "Grândola, Vila Morena"
Miguel Torga: "Flor da Liberdade"
Natália Correia: "Rascunho de uma Epístola", por Ilda Feteira
Carlos do Carmo: "O Madrugar de um Sonho"
Amália Rodrigues: "Abril" (Manuel Alegre)
Manuel Alegre: "País de Abril", por Mário Viegas
Manuel Freire: "Livre" (Carlos de Oliveira)

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Outros artigos com repertório interpretado por Teresa Salgueiro:
Teresa Salgueiro marginalizada pelas rádios nacionais
Revisitando "Os Dias da MadreDeus"
Celebrando Carlos Paredes
Em memória de Manoel de Oliveira (1908-2015)

27 março 2023

Dia Mundial do Teatro: mensagem de Arthur Miller (1963)


© Associated Press, 1959


INSTITUTO INTERNACIONAL DO TEATRO
DIA MUNDIAL DO TEATRO – 27 DE MARÇO DE 1963
MENSAGEM INTERNACIONAL DE ARTHUR MILLER

Ao contrário de outras tentativas de celebrar, à escala internacional, uma determinada instituição, este reconhecimento do teatro em tantos países, no mesmo dia, corresponde a uma realidade precisa. É certo, com efeito, que o teatro tem sido quase sempre internacional. Por isso, numa ocasião como esta, regista-se uma verdade já existente, e não apenas uma simples aspiração. O único factor novo, a meu ver, reside no seguinte: enquanto noutros tempos uma peça russa, representada (por exemplo) nos Estados Unidos, pouca repercussão teria para além das portas do respectivo teatro, hoje, como em quase tudo o que fazemos, a questão da sobrevivência ou da destruição do Homem está de certo modo posta em causa. Num tempo em que a diplomacia e a política dispõem de braços tragicamente tão curtos e tão fracos, o alcance subtil (mas por vezes longo) da arte terá de suportar a responsabilidade de manter unida toda a comunidade humana. Tudo o que possa mostrar-nos que pertencemos ainda à mesma espécie é uma coisa humanamente preciosa. É precioso que, neste momento, dezenas de milhares de pessoas, talvez milhões, interrompam a sua procura de entretenimento, ou, como seria para desejar, de uma experiência mais profunda, e reconheçam que neste imenso palco planetário o maior elenco da História precisa de encontrar uma verdadeira catarse, uma libertação do medo que nos oprime através de uma redentora tomada de consciência — pois de contrário a catástrofe desabará sobre nós. O dramaturgo anónimo que nos distribuiu os papéis que desempenhamos, esse grande ironista, esse extraordinário humorista, fez do palco o nosso Mundo. O incremento da ciência transformou-nos a todos em actores: já não há público para o grande silêncio que ameaça envolver-nos a todos no seu manto fúnebre.
Falo, evidentemente, do problema da guerra; mas implícito em todas as peças de algum significado está, e sempre esteve, o destino do Homem. A única diferença que agora existe, mas que é fundamental, é que somos nós, e não já um herói isolado, que teremos de encontrar a solução — ou perecer. A suprema ironia é que, enquanto nos sentirmos dominados por impiedosas forças destrutivas, não poderemos alcançar o que sempre exigimos aos nossos heróis trágicos: um lugar de reconciliação, um momento de aceitação, se é que não de resignação, um estilhaço de segundo em que reconheçamos que o nosso destino não está inscrito nos astros, mas em nós próprios. Quantos de entre nós, no decurso destes anos, ainda que por vezes encarando o temor real de destruição, terão sido capazes de repetir, com Shakespeare, que a falta não está nos astros, mas sim em nós próprios?
É por isso que precisamos do teatro; pois, acima de tudo, o teatro coloca o homem no centro do Mundo. Necessitamos de um lugar de quietude precária, de onde seja possível presenciar a tempestade e testemunhar a eterna luta do Homem que desafia Deus na edificação do seu próprio destino.
O teatro vivo é singularmente apto para esse efeito. Um homem e uma lâmpada bastam para fazer uma peça. É hoje evidente que o cinema e a televisão têm de esforçar-se por atingir a nudez e a simplicidade que, desde sempre, são apanágio da arte dramática. Como todas as máquinas, como a própria ciência, a visão do Homem que esses meios oferecem amplifica a sua natureza material, o seu meio ambiente, os poros da sua pele, mas na medida em que engrandecem e sublinham os seus elementos perecíveis afastam-se da sua essência, que é invisível. Na verdade, é precisamente a revelação gradual do que não se vê e do que não se pode ver que constitui a matriz oculta da própria arte dramática. O valor de uma peça não está no que ela mostra, mas nas suas revelações, subjacentes, e as peças que perduram ao longo dos tempos são exactamente aquelas que revelam o que há de universal no Homem, os elementos da sua natureza que são, de facto, comuns a todos os homens, seja qual for o lugar onde vivem.
É um facto curioso que hoje, enquanto o Mundo se nos apresenta politicamente dividido, a Arte — e muito em especial o teatro — demonstra com toda a clareza que a sua vocação mais profunda é universal. As peças que obtêm sucesso num país (e isto é cada vez mais evidente) depressa se tornam conhecidas nos outros. Sempre as culturas dos vários países estiveram interligadas, mas hoje desenvolvem-se conjuntamente com maior evidência. E, no entanto, no que respeita às questões vitais defrontamo-nos uns aos outros como criaturas de planetas diferentes. Involuntariamente, e decerto sem intenção consciente, o teatro deu-nos a prova de que a espécie humana, apesar da enorme variedade de tradições e culturas, é profundamente una. Julgo que em nenhuma outra época as peças contemporâneas foram tão rapidamente compreendidas em todas as partes do Mundo. Uma estreia importante em Nova York repete-se logo a seguir em Berlim, Tóquio, Londres, ou Atenas. E se a minha experiência pessoal pode servir de exemplo, o acolhimento não difere muito de uns países para os outros. Também neste sentido a metáfora se tornou real — o Mundo inteiro é hoje um palco. O Mundo inteiro, e ao mesmo tempo.
E é bom que o teatro, porventura mais do que as outras formas de comunicação através da arte, seja o instrumento escolhido. Pois, sobre as tábuas do palco o homem deve agir ante um pano de fundo de valores humanos. Nestes tempos em que a futilidade afogou o espírito, em que uma inacção mortal o ameaça, é bom dispormos de uma forma artística de cuja própria existência é inseparável a acção. E se, nos últimos anos, o chamado antiteatro, bem como o teatro do absurdo, parecem contradizer o papel fundamental da arte dramática, não devemos ver aí uma contradição, mas apenas um paradoxo. A dramaturgia que recusa uma acção significante reflecte o impasse internacional, a descrença generalizada no poder do Homem sobre o seu próprio destino, a rejeição de todo e qualquer sentido além da ironia. É uma dramaturgia que encara o Homem à beira do seu túmulo, inevitavelmente derrotado por si próprio; que nos oferece a imagem do Homem desorientado, aturdido pela derrocada dos vários sistemas em que, uns após outros, acreditara. São peças que nos convencem inteiramente se forem representadas na véspera de o Mundo acabar. E ainda mais no dia seguinte. Mas as longas carreiras que têm alcançado significam que o público encontra prazer nelas — talvez o prazer de indirectamente confirmarem a suspeita generalizada de que nada do que sabemos é, na verdade, absolutamente real.
E assim, também através destas peças o teatro denuncia a inacção, a ausência de sentido — pois se elas recusam a acção, essa mesma recusa constitui um desafio, para alguns de nós pelo menos; um desafio para descobrirmos uma ordem interior que reflicta, não apenas a morte que há na vida e a ironia de toda a acção, mas a presença da vida até na morte: uma ordem, ou antes, um novo tipo de teatro capaz de oferecer ao Homem uma esperança de identidade e liberdade que não seja inferior à que a física contemporânea concede à matéria. Os cientistas sabem hoje que já não há observadores; que ao observar um fenómeno estão já a transformá-lo. Semelhantemente, o dramaturgo que observa o desespero transforma-o — que mais não seja ao fazer-nos tomar consciência dele. E se a contemplação do desespero nem sempre transforma o dramaturgo, o público é que não pode deixar de ser transformado por via dela. Ao contemplarmos o desespero no palco, através das formas dramáticas que ele assumiu no nosso tempo, temos o direito (direito, aliás, cientificamente legítimo) de exclamar: «Muito bem; mas eu, que sou um dos átomos que o dramaturgo observou, mediu e pesou, devo dizer, agora que a cortina dos seus olhos desceu, que sou já um pouco diferente do que era quando o dramaturgo me viu pela última vez. Como os outros átomos, eu sou, ainda que tenuemente, um ser livre».
O que significa não estar porventura longe o tempo de um teatro da vontade, cuja raiz é essa ténue, precária liberdade que, apesar de tudo, realiza na terra os sonhos do Homem, lhe permite assenhorear-se dos astros e fazer com que nos reunamos hoje, nesta e em tantas outras cidades, compartilhando uma esperança comum no Homem.

               ARTHUR MILLER (trad. Luiz Francisco Rebello,
                               dramaturgo, tradutor, ensaísta, crítico
                               e historiador de teatro)


Escrito pouco tempo (algumas semanas ou escassos meses) após a crise dos mísseis de Cuba, quando a Guerra Fria atingiu o seu auge e o confronto entre as duas superpotências atómicas de então, os Estados Unidos da América e a União Soviética, esteve iminente, este primoroso texto do insigne dramaturgo nova-iorquino Arthur Miller parece ter sido redigido de propósito para o Dia Mundial do Teatro de 2023. Sinal de que, volvidas seis décadas, os impulsos mais instintivos e animalescos do homo sapiens se têm sobreposto (estão a sobrepor) ao pensamento mais lúcido e ponderado, como o do ilustre autor de "As Bruxas de Salem", que preconizava (preconiza) a concórdia e a fraternidade entre todos os povos da Terra, possível de se alcançar pela fruição das artes, e muito especialmente do teatro. Seria bom que os poderosos senhores da guerra e da política de hoje, cuja visão parece toldada pelo insano desejo de vãs vitórias, dispensassem alguns minutos a ler, com a máxima atenção, a avisada mensagem de Arthur Miller, pois ajudá-los-ia a ver claro e longe. Mas não somente eles o deviam ler (e isto é muito importante!): também os cidadãos dos países beligerantes e, bem assim, os de todos os outros cujos governos apoiam algum dos beligerantes – porque a intervenção cívica dos povos a favor da paz é essencial e fundamental para se evitar que a Humanidade caia no precipício...

A empresa Rádio e Televisão de Portugal tem à sua guarda o mais substancial e importante acervo de teatro radiofónico e televisivo de produção nacional e, muito provavelmente, de todo o mundo de língua portuguesa. Mas é confrangedor constatar que não tem sido suficientemente valorizado e explorado (no bom sentido do termo, bem entendido). Na RTP-Memória é bastante raro aparecer uma peça (nem sequer no Dia Mundial do Teatro – pasme-se! – isso tem acontecido nos últimos anos). Quanto à rádio, só no programa "Ecos da Ribalta", da Antena 2, graças ao mui louvável cuidado de João Pereira Bastos, os amantes da arte de Talma têm a possibilidade de ouvir, de vez em quando, uma das muitas e boas produções dos tempos áureos do teatro do imaginário. Importa, portanto, que nas grelhas da RTP-Memória e da Antena 2 (pelos menos) passe a existir um espaço regular, de periodicidade semanal, reservado à divulgação dos valiosíssimos arquivos de teatro televisivo e radiofónico, respectivamente. Escusado será acrescentar que a existência de tais espaços não deve obstar à disponibilização online dos acervos completos daquelas duas modalidades de teatro. No caso do radiofónico, verificamos que na plataforma RTP-Arquivos muitas peças ainda não constam. Damos apenas três exemplos, de que guardamos gratíssima memória auditiva: "Deus lhe Pague", de Joracy Camargo; "Yerma", de Federico García Lorca; e "A Cotovia", de Jean Anouilh.

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21 março 2023

Natália Correia: "A Casa do Poeta", por Afonso Dias


Natália Correia, "Auto-Retrato", 1956, Óleo sobre tela, 92,5 x 72,5 cm, Museu Carlos Machado, Ponta Delgada [MCM 6930]
Fotografia – António Ferreira Pacheco


Natália Correia viveu quase toda a sua vida em Lisboa, cidade angular de toda a sua existência.
Na capital escolheu a sua residência numa zona de confluência de várias camadas sociais. À distância ficava-lhe o Rato (espaço aristocrático), ao cimo o Marquês de Pombal (área burguesa) e, defronte, a Avenida da Liberdade (zona cosmopolita).
Corriam os anos 50, quando a escritora, então em início da sua fulgurante carreira, descobriu, casualmente, um 5.º andar na Rua Rodrigues Sampaio. «Um dia vim aqui visitar uns amigos e a atmosfera da casa atraiu-me logo. Eles mudaram-se e este apartamento esteve muito tempo devoluto, como que à espera que eu casasse e o alugasse».
Situava-se num edifício sólido e elegante, discreto e requintado com, no rés-do-chão, uma das melhores pastelarias-restaurantes da cidade. Natália Correia passou a habitar o último piso após o seu casamento, em 1953, com Alfredo Lage Machado. «Ele foi o grande amor da sua vida», confidencia-nos Helena Cantos (protagonista feminina do filme "Santo Antero"), e amiga íntima durante décadas.
Com invulgar bom gosto, a poetisa decorou-o. Na entrada, dispôs sobre numa credência um busto seu da autoria de Martins Correia. No salão principal instalou a biblioteca composta por milhares de volumes, um auto-retrato [>> imagem supra], um óleo de Cesariny, uma escultura de Júlio de Sousa e uma máscara de Eça de Queiroz. Em posição de destaque, uma gigantesca mesa-secretária, estilo império, com tampo de mármore escuro e pés dourados, cadeiras Luís XVI, porcelanas chinesas (herdadas da mãe), peças de artesanato e um tabuleiro de xadrez; numa sala anexa, vários quadros contemporâneos, um canapé, um par de 'bergeres' e um bar de estilo renascença.
Durante duas décadas a casa tornou-se um dos mais pujantes salões literários de Lisboa, onde se reuniam, pelas noites fora, escritores, pintores e políticos.
«Natália Correia e o seu marido cederam a sua elegante residência», descreve um jornal da época, «para a representação da peça de Jean-Paul Sartre, "Huis Clos", inédita entre nós. Foi interpretada por Natália Correia, Maria Ferreira, Castro Freire e Manuel Lima».
O espectáculo, encenado por Carlos Wallenstein (açoriano), teve entre a assistência Isabel da Nóbrega, Urbano Tavares Rodrigues, Sophia de Mello Breyner, Francisco Sousa Tavares, João Gaspar Simões, Fernando Amado e Almada Negreiros.
Numa noite, em 1960, Henry Miller bate à porta de Natália que fica espantada. Ele entra, senta-se e discute com os presentes, entre os quais David Mourão-Ferreira e Delfim Santos, o tema do amor. Ao sair, o romancista norte-americano exclamará: «Aqui sentimo-nos ou no século XVIII ou no ano 2000. Foi preciso vir a Portugal para encontrar uma verdadeira pitonisa».
Entre outros vultos universais que a frequentaram, destacam-se Ionesco, Claude Roi e Michaux.

ANTÓNIO BRÁS (in https://www.modaemoda.pt/)


A casa de Natália Correia (à rua Rodrigues Sampaio) e, muito especialmente, a sala de estar onde trabalhava depois do almoço e recebia os amigos à noite, também foi, ela mesma, objecto do seu labor poético, designadamente no poema, em oito estrofes (quadras), intitulado precisamente "A Casa do Poeta". Metaforicamente, a casa do poeta é a sua poesia e, nessa medida, podem frequentá-la sempre todos os que precisam dela para o seu sustento espiritual. Neste Dia Mundial da Poesia, que acontece no ano do centenário do nascimento da autora d' "A Mosca Iluminada", acolhemo-nos em sua casa, guiados por Afonso Dias, e tornamo-nos convivas e comensais do lauto banquete que a generosa anfitriã pôs à disposição de quem quis dar-lhe a honra de visitá-la. Porque a poesia é para comer e em sua casa não há lugar para subalimentados do sonho! Bom apetite e melhor proveito!

E como se tem comportado a estação pública de radiodifusão neste dia que a UNESCO instituiu para celebrar «a diversidade do diálogo, a livre criação de ideias através das palavras, a criatividade e a inovação»?
Na Antena 2, cumpre-nos mencionar João Chambers que, por antecipação, devotou a edição de domingo passado do seu programa "Musica Aeterna" à poesia de Goethe, em tradução do próprio João Chambers e do Prof. Paulo Quintela, dita por Carla Aranha [>> RTP-Play]. Hoje, logo de manhã, pela mão de Paulo Alves Guerra, houve poesia de Nuno Júdice, Ana Luísa Amaral, Fiama Hasse Pais Brandão e Luiza Neto Jorge. E Luís Caetano, assinalando o 10.º aniversário (parabéns!) da sua rubrica "A Vida Breve", presenteou-nos com a "Pedra Filosofal", de e por António Gedeão [>> RTP-Play]. Ao fim da tarde, a partir das 19h:00, foi transmitida a gravação do recital "O Poema Ensina a Cair", que se havia realizado a 1 de Março passado no auditório do Museu do Oriente, preenchido com poemas de um bom rol de autores contemporâneos de língua portuguesa (alguns bem pouco conhecidos) escolhidos e lidos por Raquel Marinho, com o acompanhamento e interligação musical do pianista João Paulo Esteves da Silva [>> RTP.PT/Antena2]. Desta vez, a Antena 2 esteve bem!
E o que fizeram as outras duas antenas nacionais? Apenas lográmos ouvir algo na Antena 1, no programa "Uma Noite em Forma de Assim", de Jorge Afonso, pela voz de dois jovens autores. Nada mais nos constou de poesia dita/recitada nas Antenas 1 e 3, visitando as 'homepages' e fazendo incursões periódicas às respectivas emissões! Perguntamos: será que Nuno Galopim e Nuno Reis, que aparentemente não gostam de poesia, julgam que os ouvintes dos canais que estão sob a sua direcção também não suportam as palavras dos poetas? Ou tratou-se de mera e simples inércia?



A CASA DO POETA



Poema de Natália Correia (in "A Mosca Iluminada", Colecção Poesia, vol. 3, Lisboa: Quadrante, 1972 – p. 26-28; "O Sol nas Noites e o Luar nos Dias I", Lisboa: Projornal/Círculo de Leitores, 1993 – p. 428-429; "Poesia Completa", Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999 – p. 319-320)
Recitado por Afonso Dias* (in CD "Poesia de Natália Correia", col. Selecta, Música XXI, 2007)


Pelo meu acto de inventar amigos
como quem lá de cima vê Lisboa
a acusar-se numa fotografia
tirada de um avião e lhe perdoa

minha propriedade vertical
levanto como quem na hora extrema
se salva a tempo como quem ao inimigo
oferece a face esquerda do poema.

Ó pedreiros do meu amor de sempre
fazendo a minha casa com a alegria
de quem se escolhe a morrer pelos outros
deita uma lágrima e merece o dia!

Casa que não se esconde atrás das portas
endereço de guerra redimida
roupa de amor a pingar sobre quem passa
renda que pago em sofrimento à vida

minha casa ingénua de armistício
assinado entre mim e os descrentes
casa de versos que escrevo na brancura
da cal que empalidece pelos ausentes.

No acalento da sala que é de estar
entre algodões porque é sala de ser
esperamos que o elefante solitário
da tarde se afaste para morrer

e a noite com alcoólicos gorjeios
de pássaros de gim dentro dos copos
mata a sede de sermos um infinito
animal em lacerados corpos.

Plural solidão de casa muita
espaçoso afago casa substância
de amigos que encontramos no futuro
dançando o que nos resta de crianças.


* Afonso Dias – voz
Organização, selecção e apresentação – Afonso Dias
Captação de som, mistura e masterização – Adriano St. Aubyn
URL: https://www.facebook.com/afonso.dias.31
https://pt.wikipedia.org/wiki/Afonso_Dias
https://www.youtube.com/@afonsodias4584/videos
https://music.youtube.com/channel/UCChoajupsYfGsG5uIGj8XMA



Capa da 1.ª edição do livro "A Mosca Iluminada", de Natália Correia (Colecção Poesia, vol. 3, Lisboa: Quadrante, 1972)
Concepção – Cidália de Brito Pressler



Sobrecapa do livro "O Sol nas Noites e o Luar nos Dias I", de Natália Correia (Lisboa: Círculo de Leitores, 1993)
Concepção – Clementina Cabral



Capa da 1.ª edição do livro "Poesia Completa", de Natália Correia (Col. Poesia do Século XX, Vol. 32, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999)



Capa do CD "Poesia de Natália Correia", de Afonso Dias, com a colaboração de Isabel Afonso Dias, Meguy, Rita Neves, Tânia Silva e Telma Veríssimo (col. Selecta, Música XXI, 2007)

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Outros artigos com poesia de Natália Correia:
Galeria da Música Portuguesa: José Afonso
Poesia na rádio (II)
Ser Poeta
Celebrando Natália Correia
Ana Moura: "Creio" (Natália Correia)
Natália Correia: "Rascunho de uma Epístola", por Ilda Feteira
A Natalidade de Natália

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Outros artigos com poesia dita/recitada:
Mário Viegas: 10 anos de saudade
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Arte e poesia
Jorge de Sena: "Carta a Meus Filhos sobre os Fuzilamentos de Goya", por Mário Viegas
Sebastião da Gama: "Poesia", por Carmen Dolores
João Villaret: centenário do nascimento
Camões recitado e cantado
Pedro Barroso: "Palavras Mal Ditas" ou "Palavras Malditas"?
Em memória de Guilherme de Melo (1931-2013)
Em memória de António Ramos Rosa (1924-2013)
Celebrando Vinicius de Moraes
Fernando Pessoa por João Villaret
Miguel Torga: "Ode à Poesia", por João Villaret
Celebrando Agostinho da Silva
Camões recitado e cantado (II)
Celebrando Sophia de Mello Breyner Andresen
Al-Mu'tamid: "Evocação de Silves"
Em memória de Herberto Helder (1930-2015)
Celebrando Eugénio de Andrade
Fernando Pessoa/Álvaro de Campos: "Dois Excertos de Odes", por Mário Viegas
Cesário Verde: "De Tarde"
Cesário Verde por Mário Viegas
António Gedeão: "Dia de Natal", por Afonso Dias
Camilo Pessanha: "Singra o navio", por Mário Viegas
Miguel Torga: "Flor da Liberdade"
Camões recitado e cantado (III)
Sebastião da Gama: "Louvor da Poesia", por José Nobre
"Ecos da Ribalta": homenagem a Carmen Dolores
Camões recitado e cantado (IV)
Fernando Pessoa/Álvaro de Campos: "Aniversário", por Luís Lima Barreto
Miguel Torga: "Natividade"
António Botto: "Homem que vens de humanas desventuras"
Fernando Namora: centenário do nascimento
Camões recitado e cantado (V)
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Mário Dionísio: "Solidariedade", por Carmen Dolores
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Camões recitado e cantado (VII)
Maria Teresa Horta: "Mulher-Poetisa"
Florbela Espanca: "À Morte", por Eunice Muñoz
Camões recitado e cantado (VIII)
Eugénio de Andrade por João Perry