23 julho 2024

Schubert por Maria João Pires




O viajante magnífico

Era um homem que esperava tudo, não esperava nada, atirado de vaga em vaga, perdido no espaço, no tempo, sem objectivo, como um pára-quedista aterrado no mundo por acaso, e que envidava todos os seus esforços para que essa opacidade que o envolvia e esse mistério de que ele era feito não se quedassem alheios um ao outro.
Sentia-se qual absurda peça de cartão ficada nas mãos do jogador, quando afinal o puzzle está formado, terminado: perfeito.

                                  *

O deserto não é a ausência.
É o estado anterior à presença, antes de os nómadas o atravessarem, antes de os aventureiros lá se deterem para em seguida tornarem a partir noutra direcção. Ele é. Sem precisarmos de lhe delimitar contornos, uma geografia, uma superfície, ele é o deserto. Esse lugar onde nos perdemos, onde o mundo é aniquilado, onde o tempo é desprovido de velocidade, onde o dia e a noite se sucedem sendo um qualquer dia e uma qualquer noite, com o mineral presente, de formas efémeras, a poeira, a pedra, os rochedos, a areia... E a toda a volta, o espaço e o céu... Ele é o lugar de nenhures onde por vezes uma palavra pode apoderar-se do seu infinito.

                                  *

De onde vem esta nostalgia que trazemos em nós e que nos dá por vezes o sentimento de termos perdido uma imensidade? Não uma saudade de paraíso desaparecido onde tudo teria sido belo, simples e duradouro. Antes um mal-estar, como em certos despertares, após uma noite em que o sonho nos deu o direito de voar acima das árvores e dos telhados dos prédios. Ter perdido um poder.
Os nossos olhares projectados na direcção do oceano ou das noites estreladas do Verão reconduzem-nos invariavelmente a esta perturbação que parece tão banal e partilhada que ninguém dela fala por receio do ridículo.
Haverá um espaço perdido que é capaz de ressurgir a cada um dos nossos confrontos com as imensidades que estão ao alcance da mão, o céu, os oceanos, os desertos, a noite... Encerrará porventura o código genético, além dos testamentos do pai e da mãe, a marca de uma viagem sem moderação através de cada recanto daquilo a que se chama o Universo?...
Há nestes impulsos misteriosos para espaços infinitos e na ideia que deles fazemos, a marca de uma tentativa que se esforça por reencontrar uma imensidade de que a determinado momento tivemos conhecimento mas que desapareceu. Cada criança que vem ao mundo ver-se-á acaso privada de uma imensidade de que teria disposto, antes de nascer, muito antes de possuir um cérebro e uma consciência, e com a qual brincava sem lugar, sem referência, aqui e em toda a parte, livre?
A vida seria então o fabrico de um invólucro que desprende do mundo uma parcela de infinito, para lhe outorgar um peso, um lugar, um início e um fim.

                  YVES SIMON (1987, Éditions Grasset &
                  Fasquelle)
                  (Tradução: G. Cascais Franco)


Impromptus

Schubert compõe como nos confiamos ao nosso melhor amigo, quando o temos. Sem fraseado, sem grande eloquência, e isso cria entre ele e nós um segredo partilhado. Mãos e bolsos vazios: a música nua, para além, muito para além de todo o impudor... É como a nudez de uma criança, que é porém a nossa. Cada um reconhece-se nele, reconhecendo-o a ele próprio. [...] A música de Schubert parece-se a Schubert e a todos nós, tal como a infância. A solidão. A morte. Dir-se-ia uma confissão, ou melhor (porque se dirige unicamente a nós, sem padre, sem sacramento nem remorso), uma longa e vã confidência pela simples emoção do dizer e do escutar, como uma plenitude da alma, um soluço ou um sorriso, e esse ardor de ser ou de amar, no instante que precede a morte, essa lentidão, esse langor, essa solidão infinita...

                  ANDRÉ COMTE-SPONVILLE
                  (Tradução: Ana Pires)


Na sua forma mais sublime, e dela faz parte a obra de Schubert, a música detém um poder universal — poder que lhe advém da forma prodigiosa como se insinua no mais profundo dos códigos misteriosos pelos quais o corpo transmite os seus sinais ao cérebro. Assim, o cérebro trata as mensagens musicais como se elas viessem do coração e não do ouvido. Esta música apropria-se da transmissão e chega ao cérebro não somente enquanto som, mas também como sentimento puro. E que sentimento é este para um organismo vivo senão a enunciação dos estados graças aos quais a Natureza compõe as emoções mais diversas, desde o desejo ardente do inatingível ou da angústia da partida, à resignação da viagem de inverno, à febre da aventura, à visita sempre adiada a um lugar desprendido deste mundo?... Quando esta apropriação acontece, o espírito do ouvinte privilegiado tem a sensação de estar a escutar as portas da sua própria vida interior, de estar ligado à fonte da existência, longe, bem longe do quadro mundano da experiência.

                  ANTÓNIO R. DAMÁSIO, neurocientista
                  (Tradução: Margarida Luz)

[Textos insertos no caderno do álbum "Le Voyage Magnifique: Schubert Impromptus", de Maria João Pires, Deutsche Grammophon, 1997 – p. 18-22]


Tendo Maria João Pires uma discografia vasta e recheada de gravações de absoluta referência, não se afigurava fácil, à partida, escolher uma peça ou conjunto de peças para aqui lhe darmos destaque e, desse modo, exprimirmos as nossas felicitações à grande (enorme) pianista portuguesa pelo seu 80.º aniversário e, simultaneamente, manifestarmos-lhe a nossa gratidão por tanta e boa música que já gravou e por ser a maior embaixatriz de Portugal no campo da música erudita pelo mundo fora. A nossa escolha teria de incidir obrigatoriamente num dos seguintes compositores: Bach, Mozart, Beethoven, Schubert ou Chopin. Depois de algumas voltas e reviravoltas, decidimo-nos por Schubert, mais concretamente pelos maravilhosos quatro Improvisos D. 899 e pelo belíssimo Allegretto D. 915, que preenchem o primeiro disco do duplo CD "Le Voyage Magnifique: Schubert Impromptus" (Deutsche Grammophon, 1997). Estas cinco peças contam-se entre as mais encantadoras que o génio de Schubert concebeu e a abordagem de Maria João Pires faz-lhes a máxima justiça testemunhando a superlativa mestria da notabilíssima pianista e a sua fina sensibilidade interpretativa, mostrando ter entendido na perfeição o pensamento do compositor, a tal ponto que ele, lá no assento etéreo onde descansa, deve ter esboçado um sorriso aquando da gravação, sorriso esse que lhe sobrevém sempre que alguém a cada audição se enleva e emociona. Esperamos que seja precisamente esse o sortilégio espiritual que se apodere daqueles que aqui vierem fruir tão sublimes momentos musicais. Boa escuta e mui prazenteiras experiências auditivas!
E votos de vida longa para a Senhora D. Maria João Pires, preeminente artista e digníssima servidora de muita da melhor música para tecla!


Na estação pública de rádio, de que modo tem sido celebrado o 80.º aniversário de Maria João Pires?
Em primeiro lugar, cumpre-nos enaltecer o realizador Germano Campos pelo louvável cuidado que teve ao resgatar do arquivo histórico da RDP para a edição de domingo do seu "Café Plaza" a interessante entrevista que a artista concedeu a Ana Sofia Carvalhêda, em 2001, poucos dias após o lançamento do CD "Moonlight | Beethoven Sonatas 'Quasi Una Fantasia'" [>> RTP-Play]. Hoje, designadamente nos espaços da manhã e do fim da tarde, respectivamente pela mão de Paulo Alves Guerra, de André Pinto e de João Rodrigues Pedro, também foi feita menção ao aniversário redondo da ilustre pianista e transmitidas algumas das suas gravações. Registamos isso com agrado, mas fica-nos a saber a pouco. O canal público mais vocacionado para a música erudita tinha (tem) a obrigação de fazer muito mais por Maria João Pires. E esse 'mais' seria, sem prejuízo de outras iniciativas, uma temporada de transmissões, idealmente à cadência diária, abarcando a discografia e as gravações de recitais/concertos que existem no arquivo da RDP. Fica a sugestão porque ainda se está a tempo. Seria bom que quem ocupa a direcção de programas da Antena 2 tivesse presente esta coisa elementaríssima: o reconhecimento aos nossos valores maiores da Cultura, por parte das entidades públicas, deve fazer-se primeiramente quando eles estão entre nós...
Não nos demos ao cuidado de escrutinar a emissão da Antena 1 e, por isso, não sabemos se algo foi feito em prol de Maria João Pires. Se acaso nada se fez, o canal generalista (e frisamos bem a palavra generalista) da rádio do Estado procedeu muito mal, por um lado, porque não se trata de uma artista qualquer, e, por outro lado, porque não é admissível que a Antena 1 se limite a ser uma espécie de rádio temática de música pop, como hoje praticamente é...



4 Impromptus, Op. 90, D. 899 - N.º 1 em dó menor: Allegro molto moderato



Música: Franz Schubert (1827)
Intérprete: Maria João Pires* (in 2CD "Le Voyage Magnifique: Schubert Impromptus": CD 1, Deutsche Grammophon, 1997)




(instrumental)


* Maria João Pires – piano



4 Impromptus, Op. 90, D. 899 - N.º 2 em mi bemol maior: Allegro



Música: Franz Schubert (1827)
Intérprete: Maria João Pires* (in 2CD "Le Voyage Magnifique: Schubert Impromptus": CD 1, Deutsche Grammophon, 1997)




(instrumental)


* Maria João Pires – piano



4 Impromptus, Op. 90, D. 899 - N.º 3 em sol bemol maior: Andante



Música: Franz Schubert (1827)
Intérprete: Maria João Pires* (in 2CD "Le Voyage Magnifique: Schubert Impromptus": CD 1, Deutsche Grammophon, 1997)




(instrumental)


* Maria João Pires – piano



4 Impromptus, Op. 90, D. 899 - N.º 4 em lá bemol maior: Allegretto - Trio



Música: Franz Schubert (1827)
Intérprete: Maria João Pires* (in 2CD "Le Voyage Magnifique: Schubert Impromptus": CD 1, Deutsche Grammophon, 1997)




(instrumental)


* Maria João Pires – piano



Allegretto em dó menor, D. 915



Música: Franz Schubert (1827)
Intérprete: Maria João Pires* (in 2CD "Le Voyage Magnifique: Schubert Impromptus": CD 1, Deutsche Grammophon, 1997)




(instrumental)


* Maria João Pires – piano

Produtor executivo – Christopher Alder
Produtor de gravação – Helmut Burk
Gravado no Concertgebouw, Haarlem (Holanda), em Julho de 1996 (D. 899), e no Palácio Nacional de Queluz (Portugal), em Setembro e Outubro de 1997
Engenheiros de som – Hans-Ulrich Bastin (D. 899) e Helmut Burk
Engenheiros de gravação – Jürgen Bulgrin (D. 899) e Wolf-Dieter Karwatky
Montagem – Mark Buecker
URL: https://www.mariajoaopires.com/
https://www.facebook.com/mariajoaopires/
https://music.youtube.com/channel/UCjiWhXDKT-ZwhK-OhRrUxHA



Capa do duplo CD "Le Voyage Magnifique: Schubert Impromptus", de Maria João Pires (Deutsche Grammophon, 1997)
Fotografia – Jerôme Latteur
Direcção de arte – Fred Münzmaier

___________________________________________

Outros artigos com repertório interpretado por Maria João Pires:
Em memória de Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013)
Em memória de Vasco Graça Moura (1942-2014)
Em memória de Júlio Pomar (1926-2018)

___________________________________________

Outro artigo com música de Franz Schubert:
Franz Schubert: "An die Musik" (Franz von Schober)

[Reeditado em 24 Jul. 2024]

"Em Memória de uma Camponesa Assassinada"


O icónico retrato fotográfico de Catarina Eufémia (1928-1954) reproduzido na capa do livro de José Miguel Tarquini "A Morte no Monte: Catarina Eufémia" (Lisboa: Emp. Tip. Casa Portuguesa, 1974).


«Anteontem, numa questão entre trabalhadores rurais, ocorrida numa propriedade agrícola próxima de Baleizão, e para a qual foi pedida a intervenção da G.N.R. de Beja, foi atingida a tiro Catarina Efigénia Sabino, de 28 anos, casada com António do Carmo, cantoneiro em Quintos. Conduzida ao hospital de Beja, chegou ali já cadáver. A morte foi provocada pela pistola-metralhadora do sr. Tenente Carrajola, que comandava a força da G.N.R.. No momento em que foi atingida, a infeliz mulher tinha ao colo um filhinho, que ficou ferido, em resultado da queda. Catarina Efigénia tinha mais dois filhos de tenra idade e estava em vésperas de ser novamente mãe. O funeral realizou-se ontem, saindo do hospital de Beja para o cemitério de Quintos. Centenas de pessoas vieram de Baleizão para acompanharem o préstito, verificando-se impressionantes cenas de dor e de desespero. Segundo nos constou, o oficial causador da tragédia foi mandado apresentar-se em Évora.»

                      (in "Diário do Alentejo", 21 Mai. 1954)


"Em Memória de uma Camponesa Assassinada": assim Carlos Paredes intitulou uma das suas mais magistrais composições, em homenagem à trabalhadora rural Catarina Eufémia, covardemente alvejada, pelas costas, com três tiros, quase à queima-roupa, por um infame tenente da Guarda Nacional Republicana, no dia 19 de Maio de 1954, numa herdade das imediações da aldeia de Baleizão (concelho de Beja), só por ousar reivindicar por «trabalho e pão». O genial guitarrista gravou-a em Abril de 1973, mas a primeira aparição em disco só aconteceria – pasme-se! – 23 anos mais tarde, em 1996, no CD "Na Corrente", juntamente com outros registos inéditos [entretanto haviam saído duas versões ao vivo: uma intitulada "Zur Erinnerung an eine Bäuerin" ("Em Memória de uma Camponesa"), integrante do LP "Das Gold und das Getreide" ("O Ouro e o Trigo"), publicado em 1977, pela editora Amiga, da RDA, e outra no álbum "Concerto em Frankfurt", de 1983, sob o título "In Memoriam"]. Essa circunstância, aliada ao vil boicote que a obra de Carlos Paredes tem sofrido da parte dos gestores das 'playlists' das rádios nacionais (a pública incluída), ajuda a explicar que a admirável peça seja uma das menos conhecidas de todo o corpus parediano. Razão bastante para lhe darmos destaque, nesta data em que se assinala o vintenário da morte do exímio instrumentista e inspirado compositor, que acontece, por curiosa coincidência, no ano em que se completam sete décadas sobre o hediondo crime perpetrado na campina alentejana por um fiel servidor do repressivo e torcionário Estado Novo de Oliveira Salazar. E uma vez que essa efeméride foi, muito apropriada e justamente, assinalada por Pedro Tadeu, em Maio passado, no seu apontamento "Panfletos" (Antena 1, 2.ª a 6.ª-feira, 22h:52), com um ciclo de canções, peças instrumentais e poemas evocativos de Catarina Eufémia, fazemos-lhe a justiça de aqui incluir os links de acesso directo aos cinco episódios disponíveis na plataforma RTP-Play. À guisa de proémio meditativo/reflexivo, em palavras ditas, deixamos, já a seguir, o lapidar poema "Catarina Eufémia", da autoria de Sophia, recitado pelo actor José Manuel Mendes (outra gravação, na voz da autora, de 1978, pode ser ouvida no segundo dos episódios de "Panfletos" abaixo listados ou na plataforma RTP-Arquivos). Boa escuta!



CATARINA EUFÉMIA



Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen (in "Dual": VI – "Em Memória", Col. Círculo de Poesia, Vol. 51, Lisboa: Moraes Editores, 1972 – p. 75, 5.ª edição, Lisboa: Assírio & Alvim, 2014 – p. 86; "Obra Poética III", Lisboa: Editorial Caminho, 1991 – p. 164; "Obra Poética", org. Carlos Mendes de Sousa, Alfragide: Editorial Caminho, 2010 – p. 594, 3.ª edição, Lisboa: Assírio & Alvim, 2015 – p. 644)
Recitado por José Manuel Mendes* (in livro/2CD "Ao Longe os Barcos de Flores: Poesia Portuguesa do Século XX": CD 1, col. Sons, Assírio & Alvim, 2004)


O primeiro tema da reflexão grega é a justiça
E eu penso nesse instante em que ficaste exposta
Estavas grávida porém não recuaste
Porque a tua lição é esta: fazer frente

Pois não deste homem por ti
E não ficaste em casa a cozinhar intrigas
Segundo o antiquíssimo método oblíquo das mulheres
Nem usaste de manobra ou de calúnia
E não serviste apenas para chorar os mortos

Tinha chegado o tempo
Em que era preciso que alguém não recuasse
E a terra bebeu um sangue duas vezes puro

Porque eras a mulher e não somente a fêmea
Eras a inocência frontal que não recua
Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante em que morreste
E a busca da justiça continua


* José Manuel Mendes – voz
Selecção de poemas e direcção de actores – Gastão Cruz
Coordenação editorial – Teresa Belo
Gravado e masterizado por Artur David e João Gomes, no Estúdio Praça das Flores, Lisboa, em Outubro de 2004
Supervisão de gravação – Vasco Pimentel
URL: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Manuel_Mendes



Em Memória de uma Camponesa Assassinada



Música: Carlos Paredes
Intérprete: Carlos Paredes* (grav. 1973, in CD "Na Corrente", EMI-VC, 1996, Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2007; livro/8CD "O Mundo Segundo Carlos Paredes: Integral 1958-1993": CD 3 – "Danças", EMI-VC, 2003)




(instrumental)


* Carlos Paredes – guitarra portuguesa
Fernando Alvim – viola
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, em Abril de 1973
Engenheiro de som – Hugo Ribeiro
Montagem digital e masterização – Hugo Ribeiro e Fernando Paulo
URL: https://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Paredes
https://www.museudofado.pt/fado/personalidade/carlos-paredes
https://viriatoteles.com/dispersos/colaboracoes/153-o-mundo-segundo-carlos-paredes.html
https://www.youtube.com/channel/UCh5tYA07B0Uur5Mo1gbPmYQ/videos?query=carlos+paredes
https://music.youtube.com/channel/UCj1y__qVlbJZwynbWv22eoQ



PANFLETOS | 20 Mai. 2024 [>> RTP-Play]
Antónia da Graça Leandro, colega de Catarina Eufémia (excerto da entrevista concedida ao jornalista Miguel Patrício, in "Diário do Alentejo", 26 Mai. 2000); Carlos Paredes ("Em Memória de uma Camponesa Assassinada", grav. 1973, in CD "Na Corrente", EMI-VC, 1996)

PANFLETOS | 21 Mai. 2024 [>> RTP-Play]
Sophia de Mello Breyner Andresen ("Catarina Eufémia", in programa "Perfil", de Alexandre O'Neill e Rui de Brito, RTP-1, 24 Out. 1978); Coro da Academia dos Amadores de Música, dir. Fernando Lopes-Graça ("Canção de Catarina", poema de Papiniano Carlos e música de Fernando Lopes-Graça, in LP "Canções Heróicas / Canções Regionais Portuguesas", Vol. 2, A Voz do Dono/Valentim de Carvalho, 1976)

PANFLETOS | 22 Mai. 2024 [>> RTP-Play]
Ary dos Santos ("Retrato de Catarina Eufémia", in EP "Homenagem ao Povo do Chile", Guilda da Música/Sassetti, 1974); Luísa Basto ("Catarina", poema de Papiniano Carlos e música de Manuel Teixeira Ruela, in LP "Canções Portuguesas", Melodiya, 1967)

PANFLETOS | 23 Mai. 2024 [>> RTP-Play]
José Afonso e a canção sobre Catarina Eufémia ("Cantar Alentejano", in LP "Cantigas do Maio", Orfeu, 1971)

PANFLETOS | 24 Mai. 2024 [>> RTP-Play]
José Afonso (excerto da carta dirigida aos pais, datada de 23 Mai. 1964, a respeito de Carlos Paredes que o deixou fortemente impressionado aquando de um concerto realizado na Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense "Música Velha"); Mariana Abrunheiro com o Grupo Coral "Estrelas do Sul" de Portel ("Em Memória de uma Camponesa Assassinada / Cantar Alentejano", in CD "Cantar Paredes", Mariana Abrunheiro/Boca, 2015)



Capa do CD "Na Corrente" (EMI-VC, 1996)
Fotografia – Augusto Cabrita



Capa da edição "O Mundo Segundo Carlos Paredes: Integral 1958-1993" (livro/8CD, EMI-VC, 2003)



Capa da 1.ª edição do livro "Dual", de Sophia de Mello Breyner Andresen (Col. Círculo de Poesia, Vol. 51, Lisboa: Moraes Editores, 1972)



Capa da 5.ª edição do livro "Dual", de Sophia de Mello Breyner Andresen (Lisboa: Assírio & Alvim, Out. 2014)
Xilogravura por Ilda David (2013)



Sobrecapa da 1.ª edição do livro "Obra Poética" (poesia reunida), de Sophia de Mello Breyner Andresen, org. Carlos Mendes de Sousa (Alfragide: Editorial Caminho, Out. 2010)
Concepção – Rui Garrido
Retrato de Sophia de Mello Breyner Andresen por Arpad Szenes



Capa da 3.ª edição do livro "Obra Poética" (poesia reunida), de Sophia de Mello Breyner Andresen, org. Carlos Mendes de Sousa (Lisboa: Assírio & Alvim, Abr. 2015)
Xilogravura por Ilda David (2015)



Capa do livro/2CD "Ao Longe os Barcos de Flores: Poesia Portuguesa do Século XX", col. Sons (Assírio & Alvim, 2004)

___________________________________________

Outros artigos com música composta e/ou interpretada por Carlos Paredes:
Galeria da Música Portuguesa: Carlos Paredes
Em memória de Vasco Graça Moura (1942-2014)
Celebrando Carlos Paredes
Poesia trovadoresca adaptada por Natália Correia

___________________________________________

Outros artigos com poesia, ou narrativa para crianças, da autoria de Sophia:
Celebrando Sophia de Mello Breyner Andresen
Em memória de Tereza Tarouca (1942-1919)
Sophia de Mello Breyner Andresen: "A Fada Oriana" (em versão radiofónica)
Camões evocado por Sophia

10 julho 2024

Em memória de Armando Carvalhêda (1950-2024)



Fazer rádio, para mim, é dar corpo a uma paixão que me acompanha...
                                    ARMANDO CARVALHÊDA


Morreu, aos 73 anos de idade, Armando Carvalhêda. Um dos nomes maiores da rádio portuguesa, apresentou entre 1996 e 2020 o "Viva a Música": um dos programas de maior duração na Antena 1, dedicado em exclusivo à música cantada em português (e, por vezes, em mirandês ou em crioulo cabo-verdiano) e instrumental, ao vivo e em directo, com produção de Ana Sofia Carvalhêda.
Nascido em Lisboa, a 30 de Dezembro de 1950, frequentou a escola primária e o liceu em Setúbal, onde viveu até aos dezoito anos. Fez as suas primeiras experiências radiofónicas em 1967, tendo ajudado a fundar a primeira estação pirata em Portugal (Rádio Clube de Alcácer do Sal). Conforme recorda o historiador de rádio Rogério Santos, esta rádio de onda média começou com a construção de um emissor rudimentar – a que se juntavam apenas antena, um gravador, dois gira-discos e um microfone – e terminou devido a uma entrevista a José Afonso, que "incomodou o poder".
Dizia que fazer rádio não era profissão, era paixão: era a sua vida desde 1972, ano em que principia a sua carreira, ainda durante o serviço militar obrigatório na Guiné-Bissau. Lá fez testes e foi convocado para um programa das Forças Armadas, iniciando assim um frutuoso percurso profissional.
De regresso a Portugal, fez de novo testes para a Emissora Nacional. Começou a trabalhar na delegação regional de Coimbra da rádio do Estado, em Outubro de 1973; já na década de 1980, assume a realização de vários programas na Antena 1, além de integrar a equipa de reportagem da estação no Rali de Portugal até aos anos 90. De todos os projectos que teve em mãos, incluindo a rubrica de música tradicional "Cantos da Casa", o "Viva a Música" foi o programa de uma vida – de missão. Era o palco da rádio, como o designava. Quando o programa começou em 1996, a música portuguesa passava por um período difícil, de pouca aceitação e divulgação escassa. Em temporadas de concertos de periodicidade semanal, à quinta-feira, de tarde, ao vivo e em directo, foram quase 25 anos de um dos mais históricos programas da rádio pública, onde como divulgador quis ajudar à afirmação da música nacional e dar voz aos seus compositores, autores e intérpretes.
A rádio e a guerra cruzaram-se de novo na sua vida em 1995, quando produziu e apresentou o concerto/emissão "Juntos na Distância", que a Antena 1 transmitiu desde a Bósnia-Herzegovina, durante a guerra da ex-Jugoslávia, com o objectivo de dar ânimo aos soldados portugueses destacados na gestão do conflito.
Na década de 1980, esteve também ligado à criação e ao lançamento do projecto de solidariedade "Pirilampo Mágico", que a Antena 1, desde 1987, tem desenvolvido em parceria com a FENACERCI (Federação Nacional de Cooperativas de Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas).
Deu voz a Cassete Amaral, a Deusébio, a Luís Fígado e a outras personagens da série de marionetas "Contra-Informação" (RTP1), que caricaturava figuras públicas da sociedade portuguesa. [texto ligeiramente adaptado / fonte: https://antena1.rtp.pt/obituarios/armando-carvalheda-1950-2024/]


Uma das funções mais nobres – e indispensáveis – de qualquer serviço público de radiodifusão é a divulgação (conveniente e consistente) da melhor produção musical do respectivo país, mormente a mais bem enquadrada na matriz cultural desse mesmo Estado. Armando Carvalhêda foi, no canal generalista da rádio pública portuguesa, a RDP-Antena 1, um dos que melhor entendeu tal paradigma e que, de forma apaixonada e empenhada, o pôs em prática ao longo do seu percurso profissional, sobretudo no programa "Viva a Música" (iniciado em 1996) [>> RTP-Palco], na rubrica "Cantos da Casa" (a partir de Setembro de 2006) [>> RTP-Play], e no programa alargado homónimo dominical (de Outubro de 2015 em diante) [>> RTP-Play]. Todos terminaram em finais de Dezembro de 2020, quando o distinto realizador foi empurrado para a reforma, a pretexto de ter atingido a idade de 70 anos, porque Rui Pêgo, o então director de programas da Antena 1, Gonçalo Reis, presidente do conselho de administração da R.T.P., e Hugo Figueiredo, vogal do mesmo conselho com o pelouro dos conteúdos, julgando (erroneamente) que Armando Carvalhêda não representava uma verdadeira mais-valia para o serviço público de rádio, prescindiram da sua colaboração, mesmo a título gracioso, conforme o emérito radialista teve o ensejo de afirmar, com justificada mágoa, a 29 de Abril de 2022, na entrevista que concedeu ao seu colega Paulo Rocha [>> RTP-Play]. Aliás, a falta de consideração e o desrespeito pelo notável profissional já se haviam manifestado anteriormente, e com especial acuidade no Verão de 2015 quando Rui Pêgo quis acabar com a rubrica "Cantos da Casa", intento que só não levou a cabo porque se gerou um amplo movimento de contestação, no qual o escrevente destas linhas teve a honra de se incluir lançando a Petição a favor da reposição da rubrica "Cantos da Casa" (Antena 1). A rubrica regressou à antena no mês de Outubro mas com uma única transmissão por volta das 05h:55 da madrugada, o que denota bem a má-vontade de Rui Pêgo e a inqualificável desconsideração que nutria pelo trabalho que Armando Carvalhêda tão briosa e dedicadamente realizava...
As larguíssimas dezenas de artistas e grupos dos mais variados géneros e estilos que, ao longo de quase um quarto de século, actuaram no palco da rádio [primeiro no Estúdio A do n.º 2 da Rua do Quelhas, escassos anos mais tarde no auditório do novo edifício da RDP às Amoreiras (antigas instalações da Philips), depois no pequeno Teatro Dom Luiz Filipe/Teatro da Luz (ao Colégio Militar) e, finalmente, no Estúdio 3 da sede da Rádio e Televisão de Portugal (em Cabo Ruivo)], e aqueles mais arreigados à tradição oral a quem foi dada a oportunidade de entrarem nos "Cantos da Casa", assim como os numerosos e fiéis rádio-ouvintes, esses tiveram razões de sobejo para se queixarem da enorme perda que constituiu a saída (forçada) do Sr. Armando da estação pública e, agora, que a Funesta Segadeira o subtraiu ao número dos vivos, bem podem lamentar-se por jamais ser possível contarem com o seu afável e proveitoso convívio. Possível ainda é – valha-nos isso – revisitar parte do acervo dos seus programas, na plataforma RTP-Play [links acima indicados]. E grafamos 'parte' porque faltam os anteriores a Outubro de 2011, pelo que importa que sejam disponibilizados. A fruição do valioso legado de Armando Carvalhêda é, doravante, a melhor maneira de se lhe prestar homenagem e de se lhe manifestar gratidão pelo muito (tanto) que fez em prol da boa música portuguesa, a começar pelos seus criadores e intérpretes, e a terminar no público fruidor. Outra forma – nada despicienda – de honrar a sua memória é existir na grelha da Antena 1 um programa de música ao vivo, de figurino similar ao do "Viva a Música", e a programação musical ('playlist' incluída) estar verdadeiramente ao serviço da melhor música portuguesa (cantada na língua de Camões e instrumental), coisa que actualmente não se verifica.
Este preito de homenagem a Armando Carvalhêda, apesar de não ter pretensões de exaustividade, pecaria por omissão (imperdoável) se não contemplasse dois espécimes musicais que tiveram o bendito condão de ficar associados ao saudoso realizador da nossa rádio: "Quadrilha (e vivá música)", integrante do álbum "Terreiro das Bruxas" (1990), do grupo Vai de Roda, da qual um trecho serviu de indicativo aos "Cantos da Casa" (rubrica e programa alargado), e "Avejão", canção concebida por Carlos Guerreiro para os seus Gaiteiros de Lisboa (álbum "Avis Rara", publicado em 2012), em cuja secção final surge Armando Carvalhêda a fazer de repórter da parada das aves rapaces.
Até sempre, Sr. Armando, e muito obrigado pelo imenso e intenso amor que sempre devotou à boa música portuguesa!



Quadrilha (e vivá música)



Música: Tradicional (Pias, Cinfães, Douro Litoral – Recolha: Vai de Roda)
Adaptação: Manuel António Tentúgal
Intérprete: Vai de Roda* (in LP/CD "Terreiro das Bruxas", UPAV, 1990, reed. Mundo da Canção, 2005)




(instrumental / voz do mandador)


* Instrumentos: banjo, violino, cavaquinho, harmónica, voz e sintetizadores

Vai de Roda:
Manuel António Tentúgal – sanfona, braguesa, tin-whistles, gaita-de-foles, ponteira, bodhran, ferrinhos, voz, flautas de pã, kissange, assobios, talheres, vassouras, chocalhos, cinzeiro, sintetizadores, programação;
Bilão (Abílio Santos) – braguesa, banjolim, cuatro, voz [em "Quadrilha (e vivá música)"], bodhran, harmónica, roca;
Tinó – acordeão, espanta diabos, voz;
Cristina – sintetizadores;
Emanuel (Mané) – violino, concertina, voz, espanta diabos;
Miguel Teixeira – viola clássica, braguesa, viola folk, cavaquinho, caixa, espanta diabos, ferrinhos, vassouras, voz.

Arranjos e direcção musical – Manuel António Tentúgal
Produção – Manuel António Tentúgal
Gravado e misturado no Angel Studio I, Lisboa, de 17 a 23 de Outubro, e de 27 de Outubro a 2 de Novembro de 1990
Engenheiros de som – Rui Novais, Paulo Jorge e Fernando Abrantes
Misturas – Rui Novais e Manuel António Tentúgal
URL: http://www.sinfonias.org/mais/musica-portuguesa-anos-80/directorio/959-vai-de-roda
https://www.youtube.com/user/DoTempoDosSonhos/videos?query=vai+de+roda



Avejão



Letra e música: Carlos Guerreiro
Arranjo e direcção musical: Carlos Guerreiro
Intérprete: Gaiteiros de Lisboa* com Sérgio Godinho & Armando Carvalhêda (in CD "Avis Rara", d'Eurídice/d'Orfeu Associação Cultural, 2012)




[instrumental]

No Império das aves raras
Quem não tem penas é Rei;
Entre pêgas e araras
Os Patos-Bravos são Lei.

A terra dos Patos-Bravos
Parece mais um vespeiro:
Andam todos à bicada
Para chegar ao poleiro.

Por sobre a terra, por sobre o mar
O Grande Irmão zela por nós:
A sua sombra é protectora,
Já vem dos egrégios avós.

Na terra dos papagaios
Quem não tem poleiro é pato;
Andam todos à bicada
Só p'ra ficar no retrato.

No reino das trepadoras
O papagaio é Senhor:
Mesmo até sem saber ler
Qualquer papagaio é Doutor.

Por sobre a terra, por sobre o mar
O Grande Irmão zela por nós:
A sua sombra é protectora,
Já vem dos egrégios avós.

Voar mais alto que os outros,
Esse era o sonho do galo:
Roubar as asas ao Pégaso
E voar como um cavalo.

Mas o galo de ser galo
É ter o chão junto à barriga;
Para alcançar o poleiro
Tem que usar de muita intriga.

Por sobre a terra, por sobre o mar
O Grande Irmão zela por nós:
A sua sombra é protectora,
Já vem dos egrégios avós.
[bis]

No reino dos voadores
Impera a grande anarquia;
E a barata voadora
Já tem lugar de chefia.

A passarada oprimida
Só deseja que isto mude,
Mas as aves de rapina
Cada vez têm mais saúde.

Por sobre a terra, por sobre o mar
O Grande Irmão zela por nós:
A sua sombra é protectora,
Já vem dos egrégios avós.

Por sobre a terra, por sobre o mar
O Grande Irmão zela por nós...

As forças em parada desfilam junto à tribuna de honra que é composta por cinquenta poleiros, onde estão pousados os representantes das principais espécies ornitológicas democraticamente nomeados pelo marechal Avejão. Desfilam, neste momento, o esquadrão Falcão e o esquadrão Abutre, garantes da paz, da ordem, da segurança e da liberdade. À sua passagem, o marechal Avejão ergue-se do seu poleiro e, estendendo a asa direita, saúda as tropas em sinal de respeito e gratidão.


* Gaiteiros de Lisboa:
Carlos Guerreiro – voz solo, chamarizes, caixa de rufo, coros
João Valido Vaz – oboés
José Manuel David – trompas, trompa atubada digitalmente, coros
Pedro Calado – bombo, caixa de rufo, pratos
Pedro Casaes – coros
Rui Vaz – coros
Convidados:
Sérgio Godinho – voz solo
Armando Carvalhêda – voz de locução

Direcção artística – Carlos Guerreiro e José Manuel David
Produção executiva – Nelson Gomes
Gravado no Estúdio da Escola Superior de Comunicação Social, Lisboa, em Maio de 2009
Captação de som – Nuno Oliveira
Mistura e masterização – João Magalhães
URL: https://www.facebook.com/gaiteirosdelisboa
https://www.dorfeu.pt/gaiteirosdelisboa
https://www.uguru.net/artista/gaiteiros-de-lisboa/
https://music.youtube.com/channel/UCETAvlzPNPdP0x5sLNEfWNg/videos
https://www.youtube.com/user/DoTempoDosSonhos/videos?query=gaiteiros+de+lisboa
https://www.youtube.com/user/dOrfeuAC/videos?query=gaiteiros+de+lisboa



Capa do LP "Terreiro das Bruxas", do grupo Vai de Roda (UPAV, 1990)
Desenho (bruxinha) – Maria João (4 anos de idade)
Design gráfico – Manuel António Tentúgal e Miguel Teixeira



Capa do CD "Avis Rara", dos Gaiteiros de Lisboa (d'Eurídice/d'Orfeu Associação Cultural, 2012)
Ilustração – Carlos Guerreiro
Desenho gráfico – Léa López

___________________________________________

Outros artigos (os principais) respeitantes a Armando Carvalhêda:
"Viva a Música": lugar à música portuguesa
Evocando as grandes figuras da rádio portuguesa
"Cantos da Casa": o cantinho da música tradicional
"Viva a Música": lugar à música portuguesa (II)
Não ao fim da rubrica "Cantos da Casa"!
Petição a favor da reposição da rubrica "Cantos da Casa" (Antena 1)
Vai de Roda: "Minha Roda 'stá Parada; Quadrilha Mandada"

02 julho 2024

Camões evocado por Sophia


Luís de Camões, Príncipe dos Poetas, fac-símile do retrato à pena por Manuel de Faria e Sousa (1639).


LUÍS DE CAMÕES: ENSOMBRAMENTO E DESCOBRIMENTO

Por: Sophia de Mello Breyner Andresen



A poesia é, por sua natureza, o contrário de uma instituição.
No entanto, às vezes, acontece que um poeta se torna célebre, e a sua obra e o seu nome passam a ser tratados como instituições.
E a Camões aconteceu mesmo não só ter sido transformado em instituição, mas também — e para vergonha de todos nós — ser uma instituição usada e manipulada ao longo dos tempos pelas diversas estratégias do poder.
Na sociedade em que estamos, o que é real nunca é oficial, e a poesia quando, às vezes, por milagre, está na rua é rapidamente empurrada para dentro de casa.
E seria grave esquecermos que Camões teve uma aguda e precisa e veemente consciência da sua condição de poeta maldito. Uma trágica e amarga consciência da sua solidão.
De um extremo ao outro da sua obra, ele afirma e grita essa consciência. Por isso, em frente de qualquer centenário ou homenagem que lhe sejam dedicados, deveremos recordar um poema que — talvez pensando em Camões, talvez pensando em Fernando Pessoa, talvez pensando em si próprio — Carlos Queiroz escreveu:

              Do poeta já morto, o claro nome
              Ergueram como estandarte
              E a sua obra desfraldaram.

              Oh, deixem-no incompreendido
              Sozinho como na vida,
              Como na vida esquecido...

Sabemos pouco da vida de Camões, e as interpretações pouco nos ajudam. Será melhor entendermos a sua poesia literalmente:

              O dia em que nasci moura e pereça,
              não o queira jamais o tempo dar;
              não torne mais ao mundo e, se tornar,
              eclipse nesse passo o Sol padeça.

              A luz lhe falte, o Sol se lhe escureça,
              mostre o mundo sinais de se acabar,
              nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
              a mãe ao próprio filho não conheça.

              As pessoas pasmadas, de ignorantes,
              as lágrimas no rosto, a cor perdida,
              cuidem que o mundo já se destruiu.

              Ó gente temerosa, não te espantes,
              que este dia deitou ao mundo a vida
              mais desgraçada que jamais se viu!

Mas se não aceito que Camões seja tratado como instituição, que seja tratado abstractamente como poeta oficial, é porque nele amo e busco o poeta real.
E desse poeta real poderemos dizer, parafraseando Fernando Pessoa, que ele foi

              «não português mas Portugal»

Pois Camões assume a Pátria sua e nossa, duplamente. Assume-a como História.
Carlos de Oliveira disse um dia que Camões é a aleluia da língua portuguesa. Ele não vem apenas, como diria Mallarmé, dar um sentido mais puro às palavras da tribo, ele vem dar uma forma mais rigorosa e uma maior aptidão às palavras da tribo. Camões encontra e constrói a objectividade da língua portuguesa. E cria a ressonância e o eco, encontra o justo peso das sílabas, o espaço do silêncio, a articulação justa.

              Ó Ninfa, a mais formosa do Oceano,
              Já que a minha presença não te agrada,
              Que te custava ter-me neste engano,
              Ou fosses monte, nuvem, sonho, ou nada?

                                      (Os Lusíadas, canto V, 57)

Mas não sou um professor de Literatura nem de Linguística. A análise e a discussão e a teoria não são a minha especialidade, e, por isso, não irei falar sobre a dicção camoniana, sobre o acerto das suas vogais, sobre a musicalidade e a ressonância dos seus versos. Antes procurarei mostrar o meu entendimento dessa musicalidade e dessa ressonância, lendo alguns dos seus poemas. Até porque acredito que a inteireza da palavra é oral e não escrita.
A respiração da musicalidade de Camões — musicalidade fundada em ressonâncias como a voz de um búzio — está presente nos seus sonetos («Aquela triste e leda madrugada...»), e atravessa Os Lusíadas:

              Descobre o fundo nunca descoberto
              As areias ali de prata fina;
              Torres altas se vêem, no campo aberto,
              Da transparente massa cristalina;
              Quando se chegam mais os olhos perto
              Tanto menos a vista determina
              Se é cristal o que vê, se diamante,
              Que assim se mostra claro e radiante.

                                      (Os Lusíadas, canto VI, 9)

A nitidez da dicção camoniana é particularmente evidente nas redondilhas («Descalça vai para a fonte...»).
Camões assume Portugal no plano da História. Não apenas porque escreve Os Lusíadas, mas porque vive tão exemplarmente a sua condição de português, e nele Portugal se vive.
Como Portugal, ele é simultaneamente realização e frustração, encontro e desencontro, ensombramento e descobrimento.
Como Portugal, ele volta de África estropiado, vencedor e vencido, e da Índia regressa deslumbrado e naufragado. Como Portugal, ele conhece a livre respiração dos longos mares e a asfixia entre provincianas intrigas.
Como Portugal, de todas as riquezas volta pobre.
São muito poucos os documentos que temos sobre a vida de Camões, e os seus biógrafos são discutidos. Mas para além de factos imaginários, supostos ou presumíveis, a sua obra diz-nos literalmente aquela muito especial amargura à portuguesa que, então como agora, Portugal tece em redor daqueles que o assumem.
Em todos os países, como diria Fernando Pessoa, «os deuses vendem o que dão». Mas em Portugal vendem mais caro. A amargura que encontramos nos poemas camonianos não precisa de ser documentada por velhos papéis e antigos biógrafos, pois ela continua a ser documentada pela vida quotidiana.

No seu livro Novas Andanças do Demónio, Jorge de Sena publicou um conto que tem como tema o final da vida de Camões, e se intitula «Super Flumina Babylonis». Este texto é uma das mais puras obras-primas da língua portuguesa e é também o pano da Verónica da poesia portuguesa.
Pode-se discutir se os factos narrados por alguns biógrafos do poeta, nos quais Jorge de Sena, no seu conto, se inspira, são verdadeiros ou fantasiosos. Mas há neles, como num conto, o tom da verdade, e essa verdade o próprio Camões a documenta:

              Não mais, Musa, não mais, que a Lira tenho
              Destemperada e a voz enrouquecida,
              E não do canto, mas de ver que venho
              Cantar a gente surda e endurecida.
              O favor com que mais se acende o engenho
              Não no dá a pátria, não, que está metida
              No gosto da cobiça e na rudeza
              Duma austera, apagada e vil tristeza.

Devemos meditar na expressão «gente surda»: nestas duas palavras, Camões identifica aquela muito especial desatenção que a sociedade portuguesa dispensa àqueles que ousam uma atitude de liberdade e de criação. Pois a surdez não é dedicada apenas ao poeta, mas igualmente ao músico, ao pintor, ao arquitecto, ao sábio. O poeta é mesmo aquele que resiste melhor, pois pode criar quase sem apoio social. É por isso que, entre nós, a poesia é a mais rica das tradições culturais.
Camões resiste e, porque resiste, sofre, vê e denuncia essa desatenção, essa surdez asfixiante.
Ele vê e denuncia uma atitude que é simultaneamente moral e cultural e que, através dos séculos e das variações políticas, continua. A sua crítica ao seu tempo aplica-se ao nosso:

              Vede, Ninfas, que engenhos de senhores
              O vosso Tejo cria valerosos,
              Que assim sabem prezar, com tais favores,
              A quem os faz, cantando, gloriosos!
              Que exemplos a futuros escritores,
              Para espertar engenhos curiosos,
              Para porem as cousas em memória
              Que merecerem ter eterna glória!

                                      (Os Lusíadas, canto VII, 82)

E, mais adiante, ele retrata os oportunistas da sua época, que continuam a ser nossos contemporâneos. Ele diz-nos que não cantará

              Nenhum que use de seu poder bastante
              Para servir a seu desejo feio,
              E que, por comprazer ao vulgo errante,
              Se muda em mais figuras que Proteio.

A poesia de amor de Camões é escrita dentro de uma tradição de poesia do amor impossível, que vem quase até aos nossos dias.
Na maioria dos seus poemas líricos corre esse longo pranto do amor inacessível. Num mundo de madrugadas e névoas, de separações, de ausências e de naufrágios, passam os rostos das amadas mortas, distantes, negadas, inatingíveis, afogadas no Índico.
No entanto, nos poemas líricos não encontramos a mesma amargura radicalmente sombria que encontrámos nos poemas de acusação social. Encontramos dor, sofrimento, mágoa, mas ainda nimbados pelo maravilhamento do encontro. E o rosto das amadas não foi apenas negação e morte, ou engano, ou distância, mas também enlevo, encantamento, amor vivido.
Como vemos no soneto que diz a botticelliana beleza de não sei que amada:

              Ondados fios d'ouro reluzente,
              que agora da mão bela recolhidos,
              agora sobre as rosas estendidos,
              fazeis que sua beleza s'acrescente.

Pois a poesia de amor camoniana é também a expressão de uma intensa vitalidade que, como o próprio poeta diz, «em várias flamas variamente ardia».
E em muitas das redondilhas, o poema de amor é poema do jogo do amor:

              Dama d'estranho primor
              se vos for
              pesada minha firmeza,
              olhai, não me deis tristeza,
              porque a converto em amor.
              Se cuidais
              de me matar quando usais
              de esquivança,
              irei tomar por vingança
              amar-vos cada vez mais.

E nalguns poemas como a maravilhosa obra-prima que são as Endechas a Bárbara, escrava, encontramos aquele misto de abandono e de felicidade que é o encontro do aventureiro com a sua própria vida.

Os Lusíadas, poema do descobrimento, poema da possibilidade humana, são a antítese do ensombramento. Para além da asfixia que começa a crescer, para além do gosto da cobiça e da vileza, Camões canta os portugueses que navegaram para a frente, para ver o que havia. Logo no Canto I diz:

              Os portugueses somos do Ocidente
              Imos buscando as terras do Oriente...

Nestes dois versos, o poeta nos identifica: pertencemos à cultura da terra do Ocidente, e, dentro da lógica dessa cultura, a nossa tarefa específica é ir para além das próprias fronteiras, e indagar tudo, ver tudo. Somos a gente do estar duplo. Gente que tem uma pátria, mas vai a caminho.
Camões celebra o surgir, o aparecer, aquilo a que os gregos chamaram «aletheia». Celebra os homens que buscam a desocultação, o emergir do fenómeno, a escrita da terra.
Celebra sem mentir, em pura verdade, a coragem e a perícia do povo a que pertence: uma coragem prática que ele viu. Canta uma arte de enfrentar o abismo:

              Alija, disse o mestre rijamente,
              Alija tudo ao mar, não falte acordo!
              Vão outros dar à bomba, não cessando;
              À bomba, que nos imos alagando!

              Correm logo os soldados animosos
              A dar à bomba; e, tanto que chegaram,
              Os balanços que os mares temerosos
              Deram à nau, num bordo os derribaram.
              Três marinheiros, duros e forçosos,
              A manear o leme não bastaram:
              Talhas lhe punham, duma e doutra parte,
              Sem aproveitar dos homens força e arte.

Os Descobrimentos não são apenas uma obra cultural, mas um acto cultural. Camões sabe, por isso, que traz uma poética nova, que a fonte da sua inspiração não está no mito nem no oculto, nem num outro mundo, mas sim no exposto e no actual e no mundo em que estamos. N'Os Lusíadas, o lugar do poema é o vivido. Os Lusíadas são uma epopeia contada por um homem que aventurosamente a viveu.

Heródoto diz-nos que Homero e Hesíodo foram os educadores da Grécia. Será Camões um educador dos portugueses?
Quando vemos que a maioria dos portugueses mesmo letrados, comem as sílabas, é evidente que não os podemos considerar discípulos da dicção camoniana. A forma como a língua portuguesa é normalmente falada leva-nos a pensar que os leitores de Camões são poucos.
Essa lição de falar camoniano é nos poetas que a vamos encontrar. Na nitidez de Cesário Verde ou na subtileza chinesa de Camilo Pessanha:

              Passou o Outono já, já torna o frio...
              — Outono de seu riso magoado...
              Álgido inverno! Oblíquo o sol, gelado...
              — O sol, e as águas límpidas do rio.
             
              Águas claras do rio! Água do rio,
              Fugindo sob o meu olhar cansado,
              Para onde me levais meu vão cuidado?
              Aonde vais, meu coração vazio?
             
              Ficai, cabelos dela, flutuando,
              E debaixo das águas fugidias,
              Os seus olhos abertos e cismando...
             
              Onde ides a correr, melancolias?
              — E, refractadas, longamente ondeando,
              As suas mãos translúcidas e frias...

Em poemas escritos em diversas épocas, em diversos climas e por diversos poetas, algo de familiar e fundamental, aqui e além emerge: é o tom da voz camoniana que regressa. Como neste poema de Cecília Meireles:

              És precária e veloz, felicidade
              Custas a vir e quando vens não te demoras
              Foste tu que ensinaste aos homens
              Que havia tempo
              E para te medir
              Se inventaram as horas.
             
              Felicidade és coisa estranha e duvidosa
              Fizeste para sempre a vida ficar triste
              Pois um dia se vê que as horas todas passam
              E um tempo despovoado e profundo persiste.

E também em Torga encontramos o silabado silêncio camoniano:

              Chove uma grossa chuva inesperada,
              Que a tarde não pediu mas agradece.
              Chove na rua, já de si molhada
              Duma vida que é chuva e não parece.

O rigor, a densidade e a inteligência da arte poética de Camões brilham em Fernando Pessoa:

              Vossa formosa juventude leda,
              Vossa felicidade pensativa,
              Vosso modo de olhar a quem vos olha,
              Vosso não conhecer-vos.
             
              Tudo quanto vós sois, que vos semelha
              À vida universal que vos esquece
              Dá carinho de amor a quem vos ama
              Por serdes não lembrando
             
              Quanta igual mocidade a eterna praia
              De Cronos, pai injusto da justiça,
              Ondas, quebrou, deixando à só memória
              Um brando som de espuma.

E a nitidez da dicção camoniana, o entendimento da exacta possibilidade de cada palavra encontram a sua sequência na dicção sem falha de João Cabral de Melo:

              Está no caixão exposto
              Como uma mercadoria
              À mostra para vender
              Quem antes tudo vendia.

E a voz de Camões, com seu tumulto rouco, sua paixão e sua veemência ecoa neste poema de Jorge de Sena:

              Cendrada luz enegrecendo o dia,
              tão pálida nos longes dos telhados!
              Para escrever mal vejo, e todavia
              a dor libérrima que a mão me guia
              essa me vê, conforta meus cuidados.
             
              Ao fim terrível que me espera extenso,
              nenhum conforto poderei pedir.
              Da liberdade o desdobrado lenço
              meu rosto cobrirá. Nem sei se penso
              ou se pensarei quando de mim fugir.
             
              Perdem-se as letras. Noite, meu amor,
              ó minha vida, eu nunca disse nada.
              Por nós, por ti, por mim, falou a dor.
              E a dor é evidente — liberdade.

                                      (As Evidências XXI)

Creio profundamente que toda a arte é didáctica, creio que só a arte é didáctica.
Camões propõe-nos palavras ditas sílaba por sílaba. Propõe-nos a contínua acusação do gosto da cobiça e da vileza, a contínua acusação da surdez, da asfixia, do opaco. Ensina-nos a não aceitar o ensombramento que nos rói. Ensina-nos uma atitude de crítica constante. Ensina-nos a procurar a diversidade do mundo em que estamos. Propõe-nos uma imagem exigente de nós próprios que nunca mais nos deixará sossegar.

                                                  Abril 1980

[in "Cadernos de Literatura", Numero 5, Coimbra: Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra / Instituto Nacional de Investigação Científica, dir. Andrée Crabbé Rocha, Abril de 1980 – p. 22-29; "Poemas Escolhidos", de Sophia de Mello Breyner Andresen, Lisboa: Círculo de Leitores, 1981 – p. 149-164]


Rematamos esta evocação camoniana, tendo Sophia como sujeito, com dois poemas escritos por ela própria, ambos alusivos ao Poeta-Maior da Língua Portuguesa: "Camões e a Tença" e "Soneto à Maneira de Camões". E tanto um como outro na forma dita/recitada e na forma cantada, num total de cinco registos: o primeiro poema recitado por Luís Gaspar e cantado por José Mário Branco, com música sua; e o segundo recitado pela autora e por Eunice Muñoz, e cantado por Patrícia Costa, sobre música, curiosamente, concebida pelo mesmo José Mário Branco (para o "Fado Penélope", presente no álbum "Ser Solidário", de 1982). Boa escuta!

Amélia Muge, Ana Laíns, Ana Moura, Brecha, Carlos Alberto Moniz, Cristina Branco, Cristina Maria, Francisco Fanhais, Janita Salomé, Joana Machado, João Braga, João Gil com Carminho, José Cid, José Mesquita, Katia Guerreiro, Mafalda Arnauth, Maria de Medeiros, Paula Oliveira, Pedro Barroso, Petrus Castrus, Raul Jorge, Sara Santiago e Tereza Tarouca contam-se entre os artistas fora da área mais erudita, por assim dizer, que também interpretaram e gravaram em disco poesia de Sophia [cf. Celebrando Sophia de Mello Breyner Andresen]. A pergunta que se impõe é óbvia e pertinente: algum desses espécimes poético-musicais consta na 'playlist' da Antena 1? Estamos em crer que nenhum, a avaliar pelo escrutínio que hoje andámos a fazer à emissão. A extrapolação é arriscada, mas se nada do repertório musical com versos de Sophia foi dado a ouvir a quem escuta a Antena 1 no dia de hoje, em que se completaram 20 anos sobre o desaparecimento da insigne autora, e tendo em conta a profusão de escória sonora na referida lista, as probabilidades de tal extrapolação estar errada são ínfimas. Se era da mais elementar justiça que algo da poesia de Sophia, sob a forma de canção, figurasse no cardápio musical da Antena 1 ao longo do ano, a falta de zelo em homenageá-la, ao menos desse modo, na presente efeméride denota bem o desleixo de Nuno Galopim de Carvalho e a sua inaptidão para as funções de director de programação do canal generalista da rádio pública portuguesa. Estivesse a Antena 1 sob o comando de alguém comprovadamente competente e ciente das obrigações de serviço público que cabe ao canal prestar e não seriam só canções com versos de Sophia que hoje os ouvintes poderiam escutar: seriam também poemas ditos/recitados, sem prejuízo, obviamente, da transmissão de um ou mais programas especiais sobre a poetisa e escritora, feitos de propósito ou resgatados do arquivo histórico da RDP. Nada fazer, ficando comodamente de braços cruzados é apoucar a memória da ilustre autora (a quem o Estado Português, por sinal, deu honras de Panteão Nacional) e é gozar com a cara dos pagantes da contribuição do audiovisual.
A crítica feita à direcção de programas da Antena 1 vale igualmente para a da Antena 2, na pessoa de João Almeida. Atendendo ao estatuto editorial do canal mais cultural da estação pública de rádio, não se pediria que fossem transmitidas gravações dos artistas supracitados (sem bem que, nalguns casos, tal não constituísse propriamente uma aberrante extravagância), mas havendo repertório de feição erudita composto por Fernando Lopes-Graça, Filipe Pires, António Victorino d'Almeida, Eurico Carrapatoso, Amílcar Vasques-Dias e João Madureira, e interpretado, respectivamente, por Dulce Cabrita, Coro Gulbenkian, Carmo de Almeida, Coro de Câmara Lisboa Cantat, Cláudia Pereira Pinto e Sete Lágrimas, não se pode aceitar que tenha sido totalmente ignorado. No caso da poesia dita/recitada, a omissão é tanto ou mais grave, dada a quantidade de registos a que se poderia deitar mão, quer do arquivo histórico da RDP, quer de edições discográficas. O canal da estação pública mais vocacionado para a Cultura passar completamente ao lado do vintenário da morte de Sophia é de todo inconcebível!



CAMÕES E A TENÇA



Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen (in "Dual": VI – "Em Memória", Col. Círculo de Poesia, Vol. 51, Lisboa: Moraes Editores, 1972 – p. 73, 5.ª edição, Lisboa: Assírio & Alvim, 2014 – p. 84; "Obra Poética III", Lisboa: Editorial Caminho, 1991 – p. 162; "Obra Poética", org. Carlos Mendes de Sousa, Alfragide: Editorial Caminho, 2010 – p. 592, 3.ª edição, Lisboa: Assírio & Alvim, 2015 – p. 642)
Recitado por Luís Gaspar* (in "Estúdio Raposa", 21.05.2014)


Irás ao Paço. Irás pedir que a tença
Seja paga na data combinada.
Este país te mata lentamente
País que tu chamaste e não responde
País que tu nomeias e não nasce

Em tua perdição se conjuraram
Calúnias desamor inveja ardente
E sempre os inimigos sobejaram
A quem ousou ser inteiramente

E aqueles que invocaste não te viram
Porque estavam curvados e dobrados
Pela paciência cuja mão de cinza
Tinha apagado os olhos no seu rosto

Irás ao Paço irás pacientemente
Pois não te pedem canto mas paciência

Este país te mata lentamente


Nota:
O último verso da segunda estrofe tinha originalmente a seguinte redacção:
A quem ousou mais ser que a outra gente

* Luís Gaspar – voz
Produção – Luís Gaspar
URL: https://www.estudioraposa.com/



Camões e a Tença



Poema: Sophia de Mello Breyner Andresen (in "Dual": VI – "Em Memória", Col. Círculo de Poesia, Vol. 51, Lisboa: Moraes Editores, 1972 – p. 73, 5.ª edição, Lisboa: Assírio & Alvim, 2014 – p. 84; "Obra Poética III", Lisboa: Editorial Caminho, 1991 – p. 162; "Obra Poética", org. Carlos Mendes de Sousa, Alfragide: Editorial Caminho, 2010 – p. 592, 3.ª edição, Lisboa: Assírio & Alvim, 2015 – p. 642)
Música: José Mário Branco
Intérprete: José Mário Branco* (in LP "A Noite", UPAV, 1985, reed. Schiu!/Transmédia, 1987, EMI-VC, 1996, Warner Music Portugal, 2017; CD "Poesia EnCantada", vol. 2, EMI-VC, 2004)




Irás ao Paço. Irás pedir que a tença
Seja paga na data combinada.
Este país te mata lentamente
País que tu chamaste e não responde
País que tu nomeias e não nasce

Em tua perdição se conjuraram
Calúnias desamor inveja ardente
E sempre os inimigos sobejaram
A quem ousou mais ser que a outra gente

E aqueles que invocaste não te viram
Porque estavam curvados e dobrados
Pela paciência cuja mão de cinza
Tinha apagado os olhos no seu rosto

Irás ao Paço irás pacientemente
Pois não te pedem canto mas paciência

Este país te mata lentamente


* Coro – Rui Vaz, Carlos Guerreiro, Gustavo Sequeira, Necas Moreira e José Mário Branco
Trompas – Adácio Pestana, Diamantino Rodrigues e Joaquim Correia
Piano – António Emiliano
Baixo – Paulo Jorge
Bateria – Henry Sousa
Roland JX-3P – José Mário Branco
Trompete – Tomás Pimentel
Coro final – Coro da Universidade Técnica de Lisboa, dirigido por Luís Pedro Faro e Isabel Biu
Tímbales – Carlos Salomé

Arranjos e direcção musical – José Mário Branco
Produção artística – Manuela de Freitas, José Manuel Fortes, Trindade Santos e José Mário Branco
Produção executiva – Carlos Batista
Gravado no Angel Studio II, Lisboa, de 8 a 22 de Abril de 1985
Captação de som – José Manuel Fortes
Misturas – José Manuel Fortes e José Mário Branco
Transferência e remasterização para CD (edição de 1996) – José Manuel Fortes
URL: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_M%C3%A1rio_Branco
https://arquivojosemariobranco.fcsh.unl.pt/
https://www.facebook.com/FascismoNuncaMais/posts/725849500857765/
https://www.buala.org/pt/cara-a-cara/jose-mario-branco-a-eterna-inquietacao
https://www.nit.pt/cultura/musica/morte-lenda-momentos-marcantes-vida-jose-mario-branco
https://expresso.pt/cultura/2019-11-19-O-momento-antes-de-disparar-a-seta-a-entrevista-de-Jose-Mario-Branco
https://www.esquerda.net/topics/dossier-303-jose-mario-branco-voz-da-inquietacao
https://www.publico.pt/jose-mario-branco
https://music.youtube.com/channel/UChQPBSV5W6kL-jw1Tp08g_w
https://www.youtube.com/user/DoTempoDosSonhos/videos?query=jose+mario+branco



SONETO À MANEIRA DE CAMÕES



Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen (in "Coral", Porto: Livraria Simões Lopes, 1950, 6.ª edição, Lisboa: Assírio & Alvim, 2013 – p. 48; "Obra Poética I", Lisboa: Editorial Caminho, 1990 – p. 185; "Obra Poética", org. Carlos Mendes de Sousa, Alfragide: Editorial Caminho, 2010 – p. 198, 3.ª edição, Lisboa: Assírio & Alvim, 2015 – p. 246)
Recitado pela autora* (in EP "Sophia de Mello Breyner Andresen diz Poemas da Sua Autoria", col. 'A Voz e o Texto', Decca/VC, 1959; CD "Sophia de Mello Breyner Andresen & Jorge de Sena", Col. "...Dizem os Poetas", Vol. 5, Edições Valentim de Carvalho, 2018)




Esperança e desespero de alimento
Me servem neste dia em que te espero
E já não sei se quero ou se não quero
Tão longe de razões é meu tormento.

Mas como usar amor de entendimento?
Daquilo que te peço desespero
Ainda que mo dês — pois o que eu quero
Ninguém o dá senão por um momento.

Mas como és belo, amor, de não durares,
De ser tão breve e fundo o teu engano,
E de eu te possuir sem tu te dares.

Amor perfeito dado a um ser humano:
Também morre o florir de mil pomares
E se quebram as ondas no oceano.


* Sophia de Mello Breyner Andresen – voz
URL: https://www.instituto-camoes.pt/activity/centro-virtual/bases-tematicas/figuras-da-cultura-portuguesa/sofia-de-mello-breyner-andresen
https://purl.pt/19841/1/
https://music.youtube.com/channel/UCUAM-tYb4owUCZFY6jA4nGQ



SONETO À MANEIRA DE CAMÕES



Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen (in "Coral", Porto: Livraria Simões Lopes, 1950, 6.ª edição, Lisboa: Assírio & Alvim, 2013 – p. 48; "Obra Poética I", Lisboa: Editorial Caminho, 1990 – p. 185; "Obra Poética", org. Carlos Mendes de Sousa, Alfragide: Editorial Caminho, 2010 – p. 198, 3.ª edição, Lisboa: Assírio & Alvim, 2015 – p. 246)
Recitado por Eunice Muñoz* (in LP "Antologia da Mulher Poeta Portuguesa", Orfeu, 1981, reed. Movieplay, 2011)


Esperança e desespero de alimento
Me servem neste dia em que te espero
E já não sei se quero ou se não quero
Tão longe de razões é meu tormento.

Mas como usar amor de entendimento?
Daquilo que te peço desespero
Ainda que mo dês — pois o que eu quero
Ninguém o dá senão por um momento.

Mas como és belo, amor, de não durares,
De ser tão breve e fundo o teu engano,
E de eu te possuir sem tu te dares.

Amor perfeito dado a um ser humano:
Também morre o florir de mil pomares
E se quebram as ondas no oceano.


* Eunice Muñoz – voz
José António Amaral e Paula Sousa – piano
Alberto Lopes – contrabaixo
Filipe José – violão
Filipe José e José António Amaral – percussão

Selecção de textos – António Barahona da Fonseca
Gravação e sons adicionais – Moreno Pinto
Masterização – José António Regada, nos Estúdios Namouche, Lisboa, em Fevereiro de 2010
URL: https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$eunice-munoz
https://pt.wikipedia.org/wiki/Eunice_Mu%C3%B1oz
https://music.youtube.com/channel/UC7uG4hR-w1tdBR42jDpkFpg



Soneto à Maneira de Camões



Poema: Sophia de Mello Breyner Andresen (in "Coral", Porto: Livraria Simões Lopes, 1950, 6.ª edição, Lisboa: Assírio & Alvim, 2013 – p. 48; "Obra Poética I", Lisboa: Editorial Caminho, 1990 – p. 185; "Obra Poética", org. Carlos Mendes de Sousa, Alfragide: Editorial Caminho, 2010 – p. 198, 3.ª edição, Lisboa: Assírio & Alvim, 2015 – p. 246)
Música: José Mário Branco (Fado Penélope)
Intérprete: Patrícia Costa* (in CD "Um Cantar Velado e Lento", Patrícia Costa, 2010)




Esperança e desespero de alimento
Me servem neste dia em que te espero
E já não sei se quero ou se não quero
Tão longe de razões é meu tormento.

Mas como usar amor de entendimento?
Daquilo que te peço desespero
Ainda que mo dês — pois o que eu quero
Ninguém o dá senão por um momento.

Mas como és belo, amor, de não durares,
De ser tão breve e fundo o teu engano,
E de eu te possuir sem tu te dares.

Amor perfeito dado a um ser humano:
Também morre o florir de mil pomares
E se quebram as ondas no oceano.


* Patrícia Costa – voz
Miguel Amaral – guitarra portuguesa
André Teixeira – viola de fado
João Penedo – contrabaixo

Gravado e misturado por Francisco Maldonado, no Porto, em Maio de 2010
Masterizado por Francisco Maldonado, em Londres
URL: https://ofado.com/patricia-costa/
https://www.facebook.com/patriciacostafado/
https://www.youtube.com/@patriciacosta613/videos
https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_m04oE3aNNgH-29Rdc0Q-U0nd7D0ToWLlc



Capa do N.º 5 dos "Cadernos de Literatura", dir. Andrée Crabbé Rocha (Coimbra: Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra / Instituto Nacional de Investigação Científica, Abril de 1980)
Concepção – Vasco Grácio



Capa do livro "Poemas Escolhidos", de Sophia de Mello Breyner Andresen (Lisboa: Círculo de Leitores, 1981)
Concepção – Novotipo



Capa da 1.ª edição do livro "Coral", de Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto: Livraria Simões Lopes, 1950)



Capa da 6.ª edição do livro "Coral", de Sophia de Mello Breyner Andresen (Lisboa: Assírio & Alvim, Set. 2013)
Xilogravura por Ilda David (2013)



Capa da 1.ª edição do livro "Dual", de Sophia de Mello Breyner Andresen (Col. Círculo de Poesia, Vol. 51, Lisboa: Moraes Editores, 1972)



Capa da 5.ª edição do livro "Dual", de Sophia de Mello Breyner Andresen (Lisboa: Assírio & Alvim, Out. 2014)
Xilogravura por Ilda David (2013)



Sobrecapa da 1.ª edição do livro "Obra Poética" (poesia reunida), de Sophia de Mello Breyner Andresen, org. Carlos Mendes de Sousa (Alfragide: Editorial Caminho, Out. 2010)
Concepção – Rui Garrido
Retrato de Sophia de Mello Breyner Andresen por Arpad Szenes



Capa da 3.ª edição do livro "Obra Poética" (poesia reunida), de Sophia de Mello Breyner Andresen, org. Carlos Mendes de Sousa (Lisboa: Assírio & Alvim, Abr. 2015)
Xilogravura por Ilda David (2015)



Capa do LP "A Noite", de José Mário Branco (UPAV, 1985)
Concepção – Artur Henriques
Fotografia – Luiz Carvalho



Capa do EP "Sophia de Mello Breyner Andresen diz Poemas da Sua Autoria" (Col. A Voz e o Texto, Decca/VC, 1959)



Capa do CD "Sophia de Mello Breyner Andresen & Jorge de Sena", Col. "...Dizem os Poetas", Vol. 5 (Edições Valentim de Carvalho, 2018)
Concepção – Maria Mónica



Capa do LP "Antologia da Mulher Poeta Portuguesa", de Eunice Muñoz (Orfeu, 1981)



Capa do CD "Antologia da Mulher Poeta Portuguesa", de Eunice Muñoz (Movieplay, 2011)



Capa do CD "Um Cantar Velado e Lento", de Patrícia Costa (2010).
Fotografia – Rita Burmester
Design gráfico – Sérgio Miranda (screentype.net)

___________________________________________

Outros artigos com poesia, ou narrativa para crianças, da autoria de Sophia:
Celebrando Sophia de Mello Breyner Andresen
Em memória de Tereza Tarouca (1942-1919)
Sophia de Mello Breyner Andresen: "A Fada Oriana" (em versão radiofónica)

___________________________________________

Outros artigos com poesia e/ou teatro de Luís de Camões:
Camões recitado e cantado
Camões recitado e cantado (II)
Em memória de Manoel de Oliveira (1908-2015)
Camões recitado e cantado (III)
Camões recitado e cantado (IV)
Camões recitado e cantado (V)
Camões recitado e cantado (VI)
Camões recitado e cantado (VII)
Camões recitado e cantado (VIII)
Camões recitado e cantado (IX)
Luís de Camões: "Os Lusíadas" (dois excertos), por Carlos Wallenstein
Luís Cília: "Se me Levam Águas" (Luís de Camões)
Teatro camoniano em versão radiofónica
Camões por Carmen Dolores
José Mário Branco: "Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades"
Camões recitado e cantado (X)