
Pela terceira ou quarta vez, num período de dois anos, o primeiro canal da televisão pública volta a dar grande destaque e promoção ao cantor Tony Carreira. Aconteceu no sábado passado, logo depois do programa do provedor do telespectador (em 'prime time', portanto), com a transmissão de um concerto gravado no Pavilhão Atlântico seguido de um documentário panegírico. Pergunta inevitável: como se explica o tratamento de privilégio que a RTP vem dando a este artista? Um artista que, apesar da popularidade que granjeou junto de certo público menos exigente e esclarecido, está bem longe de ser dos mais importantes do panorama musical português. Será que Tony Carreira (ou o seu agente de management) compra tempos de antena à RTP? Ou será que a sua presença reiterada na RTP-1 se deve a uma eventual predilecção musical, mais ou menos inconfessada, do director de programação, José Fragoso? Ou será que este, só pelo facto de Tony Carreira ser muito apreciado por emigrantes e por sopeiras (com o devido respeito por essas pessoas), entende que isso é mais do que suficiente para ser favorecido pelo serviço público? Qualquer que seja o motivo, a mim, enquanto telespectador e contribuinte, compete-me contestar tal opção. E por três razões principais que passo a enunciar. Primeira razão: Tony Carreira não é – como já referi – um artista que tenha qualidade bastante para merecer tal favorecimento (e já nem falo das cantigas plagiadas); segunda razão: a televisão pública, precisamente por ser pública e paga pelos contribuintes, não deve embarcar em estratégias de programação de gosto fácil e rasteiro, só porque à partida lhe pode garantir shares de audiência mais altos; pelo contrário, deve pautar-se por critérios rigorosos de qualidade e bom gosto, não defraudando as expectativas dos espectadores mais sensíveis, e desempenhando cumulativamente uma função pedagógica junto dos demais (os gostos também se educam); terceira razão: a televisão pública deve proporcionar igualdade de tratamento aos diversos artistas do nosso meio musical, desde que acima de um patamar mínimo de qualidade, e nunca votar ao ostracismo os que, independentemente do mérito que possuam, não têm máquinas de promoção e marketing nem andam com claques de apoio (contratadas) atrás deles para os aplaudir nos concertos. Eu até estaria disposto a dar de barato a presença de Tony Carreira na televisão pública, se me fosse dada a oportunidade de lá ver os artistas mais representativos e qualificados da música portuguesa, quer os mais consagrados quer os mais novos. A lista seria imensa, do fado à música popular portuguesa (já tive oportunidade de apontar alguns deles no texto publicado em Janeiro de 2007), pelo que não é por falta de oferta que eles não se vêem na pantalha televisiva. A verdade nua e crua é que não lhes é dada a oportunidade de aparecerem e isso jamais se poderá aceitar no serviço público.