04 janeiro 2021

Carlos do Carmo: "A Voz Que Eu Tenho"


Carlos do Carmo num concerto realizado na Figueira da Foz, a 9 de Junho de 1982


Neste dia em que Portugal se despede de Carlos do Carmo, o blogue "A Nossa Rádio" associa-se à homenagem nacional destacando (em jeito de preâmbulo a um artigo mais completo a publicar em sua memória) um dos mais belos espécimes do seu repertório e, incompreensivelmente, um dos menos divulgados e conhecidos. Intitula-se, muito apropriadamente, "A Voz Que Eu Tenho", e foi escrito pelo poeta Vasco de Lima Couto (1924-1980), sendo a melodia – um fado tradicional conhecido como Fado Esmeraldinha – da autoria do fadista Júlio Proença (1901-1970). A primeira edição aconteceu em finais de 1969, no primeiro álbum de Carlos do Carmo, com chancela Tecla, etiqueta do maestro Jorge Costa Pinto, que foi também o responsável pelos arranjos e a direcção de orquestra de metade do alinhamento do LP (lado A). O fado "A Voz Que Eu Tenho" corresponde à penúltima faixa (n.º 5) do lado B, e nele Carlos do Carmo fez-se acompanhar por Francisco Carvalhinho (1.ª guitarra portuguesa), António Chainho (2.ª guitarra portuguesa), José Maria Nóbrega (viola) e Raul Silva (viola baixo).
Uma pérola de altíssimo quilate!

A Antena 1 vem passando, ao longo do dia, a seguir aos noticiários, um tema interpretado por Carlos do Carmo, o que é de saudar. Não podemos, contudo, esquecer a parca e rarefeita presença que o artista tem tido na 'playlist' desde que esta foi adoptada no canal generalista da rádio pública, em 2003. Uma situação vergonhosa que revolta muita boa gente, mas que não será alterada enquanto a actual direcção de programas se mantiver em funções e tiver o beneplácito de quem está acima.
O legado fonográfico de Carlos do Carmo, atendendo à sua superlativa e rara qualidade, não pode (não deve) ser menosprezado pela rádio a quem compete, por imperativo legal, acarinhar e divulgar os intérpretes mais categorizados da música portuguesa. Fazer o contrário, remetendo-os ao silêncio ou não os divulgando cabalmente, é, por um lado, gozar com a cara de quem a sustenta financeiramente (os pagantes da contribuição do audiovisual), e, por outro, um crime inominável contra a nossa Língua e Cultura.



A Voz Que Eu Tenho



Poema: Vasco de Lima Couto
Música: Júlio Proença (Fado Esmeraldinha)
Intérprete: Carlos do Carmo* (in LP "Carlos do Carmo", Tecla, 1969, reed. Edisom, 1984, Movieplay, 2003, Série "Carlos do Carmo 50 Anos", Vol. 01, Universal Music, 2013)




[instrumental]

A voz que eu tenho, como pensamento,
Veio de longe, devagar e triste;
Veio rasando os areais do vento      | bis
Onde a palavra amor ainda existe.  |

Respirou com o povo as madrugadas,
Soube do mar e foi beber o mar;
E gritou no silêncio das estradas      | bis
A solidão que eu tenho p'ra vos dar. |

Cresce-me a voz nesta prisão do encanto,
Com a amizade que me faz viver;
E sem saber se me entendeis, eu canto  | bis
A presença do amor e a dor de o ter.      |


* Carlos do Carmo – voz
Francisco Carvalhinho – 1.ª guitarra portuguesa
António Chainho – 2.ª guitarra portuguesa
José Maria Nóbrega – viola
Raul Silva – viola baixo

Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos
Técnico de som – Hugo Ribeiro
Remasterização – Fernando Nunes (edição de 2013)



Capa do LP "Carlos do Carmo" (Tecla, 1969)
Fotografia – Augusto Cabrita



Capa da mais recente reedição em CD do álbum "Carlos do Carmo", Vol. 01 da Série "Carlos do Carmo: 50 Anos" (Universal Music, 2013)
Design – adaptação por Bloodymary, Braun & Caeser da capa do EP "An Evening at Faia (A Rua do Desencanto)" (Philips 430.822 PE, 1969)

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Outros artigos com repertório de Carlos do Carmo:
Em memória de Bernardo Sassetti (1970-2012)
Ser Poeta
Em memória de Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013)
Celebrando Lucília do Carmo
Em memória de Vasco Graça Moura (1942-2014)
Celebrando Carlos Paredes
Em memória de Fernando Alvim (1934-2015)
Em memória de Júlio Pomar (1926-2018)
António Botto: "Homem que vens de humanas desventuras"
Carlos do Carmo: "O Madrugar de um Sonho"

01 janeiro 2021

Miguel Pimentel com Maria José Victória: "Bons Anos"


© Vecteezy (https://www.vecteezy.com/)


Fatídico ano velho falecido, esperançoso ano nascido...
Damos vivas ao recém-nado 2021 com o cantar (que é também um apelo à fraternidade) "Bons Anos", concebido e interpretado por açorianos: Maria Angelina de Arruda Medeiros Ponte (letra), autor anónimo da freguesia micaelense da Maia (melodia), Miguel Pimentel (arranjo e violas da terra), Emanuel Medeiros (violão), Maria José Victória e António Pragana (vozes). A cantiga abre o alinhamento do álbum de Mestre Miguel Pimentel "A Roda do Ano", o qual, como o título sugere, é constituído por repertório, tradicional e criado de raiz, referente às sucessivas etapas do ciclo anual.
O espécime que aqui e agora pomos em destaque é, decerto, conhecido de uns quantos amantes de música tradicional açoriana, mas nunca terá chegado aos ouvidos da generalidade dos cidadãos portugueses, mormente dos continentais. Música dos Açores é coisa que não entra nas 'playlists' das rádios nacionais, inclusive na da pública Antena 1, pese embora as especiais obrigações, estipuladas na lei, que o canal estatal tem no capítulo da divulgação do património musical/fonográfico português.
Para o blogue "A Nossa Rádio" é motivo de imenso orgulho estar a acender uma luz na escuridão!



Bons Anos



Letra: Maria Angelina de Arruda Medeiros Ponte
Música: Tradicional (Maia, Ribeira Grande, Ilha de São Miguel, Açores)
Arranjo: Miguel Pimentel
Intérpretes: Miguel Pimentel* com Maria José Victória (in CD "A Roda do Ano", Miguel Pimentel, 2002, reed. Açor/Emiliano Toste, 2019)




[instrumental]

O ano novo vem vindo  | bis
Sorridente e a cantar;   |
O velho que vai saindo   | bis
Vai triste por acabar.      |

Eu já vejo a luz acesa;         | bis
Sei que não estás dormindo. |
A mulher vai pondo a mesa;   | bis
Tua porta vai abrindo.            |

Está um frio que corta,  | bis
Aqui não posso ficar.     |
Se tu não abres a porta,  | bis
Noutro lugar vou cantar.  |

[instrumental]


* Miguel Pimentel – violas de arame (violas da terra) [construídas pelo próprio]
Emanuel Medeiros – violão
Maria José Victória – voz
António Pragana – 2.ª voz
Gravação efectuada no ano de 2002



Capa da 1.ª edição do CD "A Roda do Ano", de Miguel Pimentel (2002)
Concepção gráfica – Miguel Pimentel
Arranjo gráfico – Carlos Sousa
Fotografia – José Fernando

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