16 outubro 2025

Rão Kyao: "Balada do Pão"


Evgeniya Hristova, "...preso un pane, lo spezzò e...", 2025, Aguarela e tinta sobre papel, 100 x 150 cm.
Esta pintura da artista búlgara (radicada em Itália) Evgeniya Hristova, aqui em fotografia tirada por Martim Baleiras, integra a exposição "O Pão como Desenho", hoje inaugurada no Museu do Pão, em Seia.


Mundo Pão

«O pão constitui um dos mais antigos alimentos manipulados e um dos principais alimentos da Humanidade. Farinha, água, fermento e sal são os ingredientes, que, depois de amassados e levedados, são levados ao forno. A farinha é obtida através da moagem de cereais, como o trigo, o milho, o centeio, a aveia e a cevada. Quando o cereal é aproveitado na totalidade, o pão tem a designação de pão integral e é um pão mais rico em nutrientes. A farinha, ao ser peneirada, fica privada do farelo. Quanto mais fina for a peneira, mais branco será o pão. Ao pão que resulta da cozedura da massa antes de levedar, chama-se pão ázimo. No caso do pão levedado, a massa fermenta antes da cozedura, aumenta de volume e resulta num pão mais leve e macio, com alvéolos no interior, como sucede com os pães de padaria mais comuns.
Heinrich Eduard Jacob escreve sobre a importância do pão, ao longo da História da Humanidade. Em Histoire du pain depuis 6000 ans, o autor considera que o pão tem origem no Antigo Egipto, por volta de 4000 a. C., a partir do uso de fornos de barro e da descoberta da fermentação do trigo. Os agricultores começaram a cultivar o trigo regularmente nas margens do Nilo e a dominar, a pouco e pouco, a técnica de fabrico do pão. Os egípcios aperceberam-se da necessidade de deixar a massa "descansar", antes da cozedura, permitindo assim que crescesse. Verificaram também que se acrescentassem uma parte da massa a outra massa, esta cresceria mais. A partir daí, o pão passou a incorporar frutos, como figos e tâmaras; mais tarde, por influência dos gregos, acrescentaram novos ingredientes, sobretudo azeite e azeitonas. Jacob refere que não foi preciso esperar muito para que houvesse cinquenta variedades de pão.
Através dos comerciantes fenícios, os egípcios conseguiram fazer chegar os excedentes de produção aos outros povos do Mediterrâneo. O livro de H. E. Jacob descreve a importância do pão nas civilizações do Ocidente, principalmente o pão de trigo, "alimento calórico e essencial para a subsistência e o progresso das sociedades". O autor destaca alguns eventos históricos relevantes, nomeadamente: a Revolução Francesa, a fome e o "pão da igualdade"; a Guerra Civil Americana e o pão como alimento principal de cada soldado; as campanhas napoleónicas e as tropas alimentadas com pão de trigo e centeio, enquanto a população civil comia farelo de trigo.
O sentido do pão não se esgota na definição do alimento que tem sido fonte essencial de nutrientes para a vida. O valor simbólico do pão contempla a partilha, a solidariedade, a dignidade, o conhecimento – o pão que nos liberta da ignorância – o Pão da Sabedoria.
"Desde que me conheço sei o pão / E o corto em companhia" é o ponto de partida do poema O Pão e a Culpa, de Vitorino Nemésio. Em 1959, na primeira versão (em 1964, na versão remontada), Manoel de Oliveira realiza um filme sobre o "ciclo do pão", comparando o pão à "corrente de um rio que passa por vários lugares, passa por diferentes mãos, por diferentes hábitos ou fardas (é melhor chamar-lhes fardas para facilitar)".
O ciclo do pão é o ciclo da semente que, numa primeira fase, compreende a fecundação, nascimento, recolha e transporte do grão, moagem industrial, panificação moderna; posteriormente, distribuição e consumo do pão; finalmente, regresso da semente à terra e início de um novo ciclo.»
[...]

                  ANTÓNIO PEDRO MARQUES
                  [Texto integrante do catálogo da
                  exposição "O Pão como Desenho",
                  Seia: Museu do Pão, Out. 2025 – p. 9-10]



Capa do catálogo acima referenciado [>> versão em PDF]
Pormenor da obra "Mains sur" (Colagem e serigrafia com gesso acrílico sobre papel, 100 x 140 cm), da autoria do artista português Paulo Lourenço, 2025.


Não sabemos se a exposição "O Pão como Desenho", patente a partir de hoje no Museu do Pão, tem banda sonora... Se quisermos imaginá-la, um registo musical que nela terá obrigatoriamente de estar incluído é a bela e aconchegante "Balada do Pão", composta por Rão Kyao e executada pelo próprio (em flauta de bambu) e por António Pinto (em guitarra acústica). Aqui vo-la deixamos, à laia de ilustração musical do presente Dia Mundial do Pão e da Alimentação. Boa escuta!

Vem a talhe de foice voltarmos a apontar o dedo acusador à direcção de programas da Antena 1 pelo soez boicote à vasta discografia de Rão Kyao, músico e compositor de altíssimo gabarito a quem Portugal muito deve em razão do relevante contributo que deu (e continua a dar) para o enriquecimento do nosso património musical/fonográfico. Uma 'playlist' de uma rádio generalista, ademais pública, que não inclua, pelo menos, um registo tocado por Rão Kyao (somente instrumental ou com a participação de um intérprete vocal), peca flagrantemente por omissão, e isso dá aos ouvintes/contribuintes mais conscientes inteira legitimidade para se insurgirem contra tão aberrante anormalidade...



Balada do Pão



Música: Rão Kyao
Intérprete: Rão Kyao* (in CD "Porto Alto", Farol Música, 2004)




(instrumental)


* Rão Kyao – flauta de bambu
António Pinto – guitarra acústica

Produção musical – Luís Pedro Fonseca
Produção executiva – António Cunha (Uguru) & Luís Pedro Fonseca
Gravado por Pedro Rego e Jorge Barata, nos Estúdios Xangrilá, Lisboa, em Dezembro de 2003 e Janeiro de 2004
Misturado e masterizado por Jorge Barata, nos Estúdios Xangrilá, Lisboa
URL: https://www.facebook.com/officialraokyao/
https://music.youtube.com/channel/UCBmfzPfU1WrOCjmXI8KxGHQ



Capa do CD "Porto Alto", de Rão Kyao (Farol Música, 2004)
Design gráfico – Susana Chasse.

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Outros artigos com repertório alusivo à alimentação:
A infância e a música portuguesa
A vitória do azeite
Afonso Dias: "Dieta Algarvia"
Pablo Neruda: "Ode ao Pão", por Mário Viegas

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Outros artigos com repertório interpretado por Rão Kyao:
A infância e a música portuguesa
A vitória do azeite
"Quando os Lobos Uivam"
Em memória de Fernando Alvim (1934-2015)
Rão Kyao & Lu Yanan: Primavera

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