04 dezembro 2023

Afonso Dias: "Dieta Algarvia"


Roda dos Alimentos, baseada na dieta mediterrânica.
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A Dieta Mediterrânica teve a sua origem nos países banhados pelo Mar Mediterrâneo ou que por ele são influenciados.
Este padrão alimentar começou a ser descrito nos anos 50 e 60 do século XX, sobretudo à luz do que se praticava em Creta, noutras regiões da Grécia e no sul de Itália.
A palavra "dieta" deriva do termo grego "diaita" que significa estilo de vida equilibrado. A Dieta Mediterrânica é precisamente isso: um estilo de vida marcado pela diversidade e conjugado com as características seguintes:
  • consumo elevado de alimentos de origem vegetal (cereais pouco refinados, produtos hortícolas, fruta, leguminosas secas e frescas, e frutos secos e oleoginosos);
  • consumo de produtos frescos, pouco ou nada processados e locais, respeitando a sua sazonalidade;
  • utilização do azeite como principal gordura para cozinhar ou temperar alimentos;
  • consumo baixo a moderado de lacticínios;
  • consumo frequente de pescado e baixo e pouco frequente de carnes vermelhas;
  • consumo de água como a bebida de eleição e baixo e moderado consumo de vinho a acompanhar as refeições principais;
  • realização de confecções culinárias simples e com os ingredientes nas proporções certas;
  • fazer as refeições em família ou entre amigos, promovendo a convivência entre as pessoas à mesa;
  • prática de actividade física diária.
(in "Dieta Mediterrânica: um padrão de alimentação saudável", Associação Portuguesa dos Nutricionistas, Maio de 2014)


Desde que fisiologista norte-americano Ancel Keys notou que na orla do Mar Mediterrâneo o índice de enfartes do miocárdio era consideravelmente inferior ao de outras regiões do mundo, onde em vez do azeite se consumia gordura animal, e que a insuspeita revista "Time", na sua edição de 13 de Janeiro de 1961, deu a conhecer ao grande público, mais estudos científicos e evidências empíricas comprovaram os grandes benefícios da dieta mediterrânica para a saúde humana e – coisa nada despicienda – para a sustentabilidade do planeta (imagine-se, por exemplo, o quanto a Terra ganharia com a redução generalizada, à escala mundial, do consumo de carne, sobretudo vermelha, conhecidos que são os efeitos altamente nefastos, para o meio ambiente, da produção pecuária intensiva, especialmente de gado ruminante). Cientes da importância e da necessidade de se promover a tradicional e salutar gastronomia mediterrânica, com um distintivo mundialmente reconhecido, sete países com culturas mediterrânicas milenares – Portugal (Tavira), Espanha (Soria), Itália (Cilento), Croácia (Hvar e Brac), Grécia (Koroni), Chipre (Agros) e Marrocos (Chefchaouen) – acordaram em apresentar uma candidatura conjunta à UNESCO. E a declaração oficial da dieta mediterrânica como Património Cultural Imaterial da Humanidade aconteceu a 4 de Dezembro de 2013, em Baku, capital do Azerbaijão, onde se reuniu o Comité Intergovernamental daquela agência da ONU.
Dez anos exactos passaram e para assinalar a efeméride, sob a forma de canção, a escolha mais óbvia e apropriada é precisamente a "Dieta Algarvia", 'confeccionada' e apresentada pelo cantautor Afonso Dias, no seu álbum "Olhar de Pássaro", editado em 2000, e reexposta, quinze anos mais tarde, no álbum "O Mar ao Fundo". Depois de se degustar este saboroso naco poético-musical mais desejosos ficamos de nos saciarmos com as deliciosas e nutritivas iguarias mediterrânicas e de fugir a sete pés do lixo alimentar que por aí se apregoa. Bom apetite e melhor proveito!

Artista multifacetado nas áreas da música, da poesia e do teatro, Afonso Dias iniciou-se profissionalmente, na arte da musa Euterpe, antes de 1974, a trabalhar com José Afonso, Fausto, Francisco Fanhais, Manuel Freire, Pedro Barroso e outros do chamado canto de intervenção. Na mesma senda, Afonso Dias foi um dos fundadores do Grupo de Acção Cultural (GAC), no seio do qual participou, como autor e intérprete, nos LPs "A Cantiga É uma Arma" (1975), "...E Vira Bom" (1977) e "Ronda de Alegria!!" (1978), além de vários discos de pequeno formato (singles e EPs). "O Que Vale a Pena" (Diapasão/Sassetti, 1979) foi o primeiro dos seus álbuns de canções em nome próprio, que até à data se cifram em onze (o número de discos de poesia recitada é ainda superior). Um deles, justamente o "Olhar de Pássaro" (2000), onde saiu a canção "Dieta Algarvia", hoje em destaque, contou-se entre os nomeados para o então bastante prestigiado Prémio José Afonso, instituído pela Câmara Municipal da Amadora. E os trabalhos discográficos que publicou posteriormente dão também bom testemunho do talento do cantautor e, nessa medida, digno de estar representado na 'playlist' da Antena 1. Não é isso, porém, que acontece. E porquê? Quem decide o que entra e o que não entra nessa lista de difusão musical tem real noção da tremenda injustiça que está a fazer ao meritório artista e do que esse injustificado e leviano acto significa de sonegação cultural aos ouvintes da rádio pública?



Dieta Algarvia



Letra e música: Afonso Dias
Intérprete: Afonso Dias* (in CD "Olhar de Pássaro", Concertante, 2000; CD "O Mar ao Fundo", Bons Ofícios - Associação Cultural, 2015)




(Esta é sobre a boa comidinha algarvia!)

[instrumental]

Ele é grão e mais feijão p'ra os intestinos,
porque a tripa tem preciso desta fibra;
peixe assado com tomates e pepinos,
salpicados com orégãos, equilibra
pouca carne, pouca banha e pouco sal;
da gordura só queremos do azeite,
um alhinho bem picado não faz mal
num charrinho alimado a preceite.

Entre o verde e a proteína,
a gula é que se consola;
se engorda, não contamina,
dá gosto e não "colesterola".

[instrumental]

E por falar nos cheirinhos principais,
falta picar os coentros na sertã
da amêijoa e da conquilha, e, nos finais,
não esquecer, dos guisados, a hortelã;
mas no peixe é que a fartura é por demais:
lulas, chocos com ferrado dão rijeza,
cavala, sargo, sardinha e outros tais,
e o rascasso que mantém a "vela acesa".

Entre o verde e a proteína,
a gula é que se consola;
se engorda, não contamina,
dá gosto e não "colesterola".

[instrumental]

A laranja, que é rainha, desenjoa,
o albricoque de damasco delicia;
vira um medronho, do bom, para a desmoa,
mas se os doces forem muitos, desconfia!
E com tantos comeres tão "bestiais",
ainda há gostos p'rá papinha mastigada
dessas coisas, "fast-foods", "hamburgais"
e que para mim não sabem mesmo a nada!

Entre o verde e a proteína,
a gula é que se consola;
se engorda, não contamina,
dá gosto e não "colesterola".

(Mas não esquecer quem não tem!...)

[instrumental]

Tantas modas, modernices nas dietas,
estrangeirices que vemos todos os dias...
Vê se fazes como eu: não vás em tretas,
que as dietas, para mim, são algarvias!
Sejam secos ou molhados, com azeite,
peixe ou carne com salada, o que vier...
Que alguém de prato vazio não se aceite,
porque triste, mesmo, é não ter que comer.

Entre o verde e a proteína,
a gula é que se consola;
se engorda, não contamina,
dá gosto e não "colesterola".

[instrumental]


* [Créditos gerais do disco:]
Afonso Dias – voz, e guitarra (em "Dieta Algarvia")
Pedro Louzeiro – guitarra, percussões e xilofone
Paulo Ribeiro – teclados, acordeão
Pedro Glória – bateria e percussões
Pedro Guerreiro – baixo eléctrico e acústico, contrabaixo
Zé Alegre – guitarras clássica e de 12 cordas, bandolim, harmónica, baixo acústico e caixa de rufos
Fernando Guerreiro – bandolim (em "Dieta Algarvia")
Francisco Brazão – flauta

Arranjos e direcção musical – Zé Alegre, Banda Zawaia e Afonso Dias
Produção – Afonso Dias e Luís de Abreu
Gravado e misturado no Estúdio InforArte, Chinicato, Lagos
Técnicos de som – Fernando Guerreiro e Joaquim Guerreiro
URL: https://www.algarvios.pt/members/afonso-dias/info/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Afonso_Dias
https://www.tsf.pt/programa/onde-nos-levam-os-caminhos/afonso-dias-fundador-do-gac-poeta-deputado-honorario-nao-vos-esquecais-da-constituicao-16109037.html
https://www.facebook.com/afonso.dias.31
https://www.youtube.com/@afonsodias4584/videos
https://music.youtube.com/channel/UCChoajupsYfGsG5uIGj8XMA



Capa do CD "Olhar de Pássaro", de Afonso Dias (Concertante, 2000)



Capa do CD "O Mar ao Fundo", de Afonso Dias (Bons Ofícios - Associação Cultural, 2015)
Design – Daniel Domingues Dias
Fotografia – Telma Veríssimo

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Outro artigo relacionado com a dieta mediterrânica:
A vitória do azeite

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Outros artigos com repertório de Afonso Dias:
Galeria da Música Portuguesa: José Afonso
Amália: dez anos de saudade
A infância e a música portuguesa
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Em memória de António Ramos Rosa (1924-2013)
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