
(in https://www.facebook.com/fcgulbenkian)
Eça de Queiroz e as suas personagens representadas como bonifrates. Em primeiro plano, Eça manipula Amélia e o Padre Amaro.
'Cartoon' da autoria de João Abel Manta, pertencente ao acervo do Museu de Lisboa (ex-Museu da Cidade).
«[...]
Que resta pois? Resta, como esperança, o sabermos que as nações têm a vida dura, e que o nosso Portugal tem a vida duríssima. E se os que estão no poder porfiarem sempre em cometer a menor soma humanamente possível de erros e realizar a maior soma humanamente possível de acertos, muitos perigos podem ser conjurados e a hora má adiada. O interesse de quem tem o poder (como dizia ultimamente, nestas mesmas páginas, tratando do Brasil, o Sr. Frederico de S [Eduardo Prado]) está todo e unicamente em acertar. Senão já por dever de consciência e de patriotismo, ao menos por egoísmo, por vantagem própria e individual, por ambição mesmo do poder, o esforço constante de um governo deve ser acertar. Entre nós têm-se visto governos que parecem absurdamente apostados em errar, errar de propósito, errar sempre, errar em tudo, errar por frio sistema. Há períodos em que um erro mais ou um erro menos realmente pouco conta. No momento histórico a que chegamos, porém, cada erro, por mais pequeno, é um novo golpe de camartelo friamente atirado ao edifício das instituições; mas ao mesmo tempo tal é a inquietação que todos temos do futuro e do desconhecido, que cada acerto, cada bom acerto, é uma estaca mais, sólida e duradoura, para esteiar as instituições. Toda a dúvida está em saber se ainda há, ou se já não há, em Portugal, um governo capaz de sinceramente se compenetrar desta grande, desta irrecusável verdade.
Um espectador.»
EÇA DE QUEIROZ (parágrafo final do artigo "Novos Factores da Política Portuguesa", in "Revista de Portugal" N.º 10, Director: Eça de Queiroz, Porto: Typographia de A. J. da Silva Teixeira, Abr. 1890; "Revista de Portugal" (edição encadernada), Volume II (Jan. a Jun. 1890), Director: Eça de Queiroz, Porto: Editores Lugan & Genelioux, 1890 – p. 540-541; "Textos de Imprensa VI (da 'Revista de Portugal')", Edição crítica das Obras de Eça de Queiroz, Coordenador: Carlos Reis, Edição de Maria Emília Santana, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1995 – p. 94-95; "Novos Factores da Política Portuguesa", Lisboa: Editorial Nova Ática, 2007) [texto integral em https://www.arqnet.pt/]

Capa do frontispício do Volume II da "Revista de Portugal" (edição encadernada), Director: Eça de Queiroz, Porto: Editores Lugan & Genelioux, 1890)

Capa do volume "Textos de Imprensa VI (da 'Revista de Portugal')", Edição crítica das Obras de Eça de Queiroz, Coordenador: Carlos Reis, Edição de Maria Emília Santana (Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Ago. 1995)
Concepção – Rêgo + Associados, a partir de um excerto de 'gouache' sobre papel de Eduardo Nery ("Modulação Luminosa", 1966, 27 x 60 cm, Colecção do artista)
Concepção tipográfica – Vasco Medeiros Rosa

Capa de uma edição autónoma do artigo "Novos Factores da Política Portuguesa", de Eça de Queiroz (Lisboa: Editorial Nova Ática, Abr. 2007)
Reprodução da caricatura de Eça de Queiroz criada por Rafael Bordalo Pinheiro para o "Álbum das Glórias" (Lisboa, 1880)
Quem lesse, nos dias de hoje, o texto queirosiano acima transcrito, desconhecendo o seu autor, poderia muito bem supor que tivesse sido escrito na actualidade. Sinal de que não desapareceram e teimam em perdurar as pechas e os vícios do Portugal do tempo de Eça de Queiroz (segunda metade do século XIX), que ele de maneira tão lúcida e arguta apontou nos artigos publicados na imprensa e retratou, a letras de ouro, na sua genial obra romanesca. «O país do Eça de Queiroz / ainda é... o país de todos nós!...», como muito clarividentemente grafou Ary dos Santos num belo poema em que evoca algumas das mais conhecidas e arquetípicas personagens criadas pelo imortal escritor. É, pois, tomando como pretexto as duas efemérides queirosianas que no presente ano se assinalaram/assinalam – os 125 anos da morte (a 16 de Agosto) e o 180.º aniversário do nascimento (a 25 de Novembro) – que damos destaque a esse poema, cujo título é justamente "O País (do Eça de Queiroz)", na primorosa interpretação de Simone de Oliveira, com música de Nuno Nazareth Fernandes. Fazemo-lo neste dia em que se comemora a Restauração da Independência de Portugal, porque é uma boa ocasião para reflectirmos sobre o país que temos e sobre as razões de não proporcionar à maioria dos Portugueses que trabalham ou trabalharam aquém-fronteiras a qualidade de vida que eles legitimamente desejam e merecem – e assim, mentalmente robustecidos por esse exercício, podermos cogitar as acções mais acertadas a encetar para (tentar) alcançar tal desiderato. Boa escuta!
E o que tem feito, no ano em curso, a rádio pública em memória do escritor que mais magistralmente retratou o Portugal contemporâneo? Demo-nos conta de uma breve evocação, com a participação do Prof. Carlos Reis, da Universidade de Coimbra, na segunda hora da edição do programa "Destacável" (Antena 1) do passado dia 22 de Novembro, precisamente a pretexto o 180.º aniversário do nascimento do escritor [>> RTP-Play]. O apresentador do programa, Aurélio Gomes, deixou a promessa de convidar o referido académico para uma conversa mais alargada, como se impõe, acerca de Eça de Queiroz. Ficamos na expectativa.
Na Antena 2, o canal da rádio pública que hodiernamente mais sintonizamos (embora muito menos do que nos tempos que antecederam a saída de João Pereira Bastos da direcção de programas), é que ainda não lográmos apanhar qualquer iniciativa visando evocar Eça de Queiroz e celebrar o seu preciosíssimo legado literário. Tratando-se da antena do serviço público de radiodifusão mais vocacionada para a Cultura afigura-se especialmente grave tal omissão. Será que Nuno Reis e o seu coadjuvante, Nuno Galopim de Carvalho, vão deixar findar este ano queirosiano sem mexerem uma palha no que concerne a homenagear, com a necessária dignidade, o autor d' "A Relíquia"? Se persistirem nessa imperdoável inércia, estão, embora muito provavelmente sem disso terem consciência, a contribuir para a vergonha de manter actual a afirmação «o país é uma choldra» que Eça pôs na boca de várias das suas personagens (por exemplo, na de João da Ega, em "Os Maias")...
O País (do Eça de Queiroz)
Poema: José Carlos Ary dos Santos (in "As Palavras das Cantigas", Lisboa: Edições Avante!, 1989 – p. 143-144, 6.ª edição, Lisboa: Edições Avante!, 2018)
Música: Nuno Nazareth Fernandes
Intérprete: Simone de Oliveira* (in 2CD "Simone me Confesso": CD 2 – Originais, Estúdio Noites Longas, 1997)
A relíquia que eu trago no meu peito
herdada de uma tia Patrocínio
É o país-paris onde me deito
sem culpa mas também sem raciocínio.
O conselheiro Acácio bem me disse
nos tempos em que eu era pequenina:
— «O Padre Amaro é mau. Ah, mas que chatice!
Não pode um padre amar uma menina?...»
E o meu primo Basílio brasileiro
que foi o pai das minhas sensações!...
E o Mandarim morrendo a tempo inteiro
num país de rabichos e aldrabões?...
[bis]
Carlos da Maia meu primeiro amor
primeiro livro meu primeiro beijo.
Os Maias da cidade não dão flor
E as Maias é no campo que eu as vejo.
Ramires d'uma casa ilustre e vasta
pindéricos raminhos da nobreza
a terra portuguesa ainda não basta
para as courelas todas da avareza!
E o conde de Abranhos parlamento?
E a Vera Gouvarinho a baronesa?
Mudam-se os tempos mas não muda o vento
é sempre rococó à portuguesa!
[bis]
Há cem anos que eu canto esta canção
sem cabeça porém com coração.
Porque o País do Eça de Queiroz
ainda é... o País de todos nós!...
* [Créditos gerais do disco:]
Simone de Oliveira – voz
Miguel Braga – teclados
Luís Fernando – guitarras
José Marino de Freitas – baixo
André Sousa Machado – bateria
Dalu – percussões
Coros – Adelaide Ferreira, Lara Li, Glória, Dalu, Miguel Braga
Arranjos – Luís Fernando, Miguel Braga, Claus Nymark
Produção – Luís Fernando
Gravado nos estúdios "Noites Longas", em Setembro e Outubro de 1996, por Maria João Castanheira e António Pinheiro da Silva
Misturado por Maria João Castanheira e Luís Fernando
Masterizado por Vítor Mingates, nos estúdios Índigo
URL: https://pt.wikipedia.org/wiki/Simone_de_Oliveira
https://www.facebook.com/simonedeoliveira.oficial/
https://simonefaclube.blogspot.com/
https://music.youtube.com/channel/UC8_4OqfgRzWxv-dbOZTqWlg

Capa da 1.ª edição do livro "As Palavras das Cantigas", de José Carlos Ary dos Santos; Organização, coordenação e notas: Ruben de Carvalho (Lisboa: Edições Avante!, 1989)
Concepção – Luís Silva

Capa da 6.ª edição do livro "As Palavras das Cantigas", de José Carlos Ary dos Santos; Organização, coordenação e notas: Ruben de Carvalho (Lisboa: Edições Avante!, Jul. 2018)

Capa do duplo CD "Simone me Confesso", de Simone de Oliveira (Estúdio Noites Longas, 1997)
Fotografia – Glória Nabais
Design gráfico – Pedro Gonçalves, Pedro Góis
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Pedro Barroso: "Barca em Chão de Lama"
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Outros artigos com repertório interpretado por Simone de Oliveira:
Celebrando Eugénio de Andrade
Camões recitado e cantado (VII)
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Outros artigos com poesia da autoria ou na voz de Ary dos Santos:
Amália: dez anos de saudade
Camões recitado e cantado (II)
Celebrando Carlos Paredes
Elisa Lisboa: "Mulher-Mágoa" (Ary dos Santos)
Poesia trovadoresca adaptada por Natália Correia
Carlos do Carmo: "Fado Varina" (Ary dos Santos)
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