11 junho 2021

Vitorino: "Marcha Ingénua"



Os soldados portugueses que, quando se deu o derrube do Estado Novo, a 25 de Abril de 1974, estavam mobilizados nas colónias africanas, então eufemisticamente denominadas províncias ultramarinas, a passar "tormentas com fartura d'incertezas" (à parte o sofrimento psíquico que as guerras sempre provocam nos que nelas intervêm directamente, os danos físicos e a morte podiam ocorrer a qualquer momento), embora tendo deixado de haver razões para continuarem a combater os chamados 'turras', pois uma das linhas programáticas do triunfante Movimento das Forças Armadas (MFA) era precisamente acabar com a guerra colonial, não lograram regressar de imediato às suas terras na Metrópole, como então se designava este rectângulo ocidental da Península Ibérica. Por razões de logística e outras, muitos viram-se na contingência de lá permanecer durante vários meses. E entre eles não eram poucos os que haviam cá deixado namorada ou noiva cujas cartas, como é fácil de entender, eram sempre muito esperadas e desejadas. É a essas notícias do Portugal já liberto da mordaça, em que os cravos se haviam tornado o símbolo da liberdade, que Vitorino Salomé alude na letra da sua belíssima "Marcha Ingénua", cujo esfuziante arranjo magnificamente gizado pelo maestro Sílvio Pleno evoca as bandas filarmónicas que animavam (e ainda hoje animam, se bem que em menor grau) as festas populares e as romarias em cidades, vilas e aldeias de Portugal (os foguetes a estalejar na secção final da marcha servem justamente para frisar o ambiente festivo que rodeia a actuação das bandas filarmónicas). Em véspera dos festejos de Santo António, em Lisboa e noutras localidades portugueses, seria difícil escolher um espécime do repertório de Vitorino mais apropriado do que a jovial "Marcha Ingénua" para com ela também celebrarmos o 80.º aniversário do cantautor e darmos nota da nossa penhorada gratidão por tantas e belas canções com que presenteou os apreciadores de boa música popular portuguesa (a recriada do cancioneiro tradicional e a concebida de raiz). Muito obrigado, Vitorino! E os nossos sinceros parabéns, com votos de longa vida!

Apesar de ser um dos mais distintos e reconhecidos autores, compositores e intérpretes do meio musical português, Vitorino não recebe actualmente das rádios portuguesas (privadas e pública) a devida atenção e divulgação. Estando a sua discografia recheada de pérolas, impõe-se que algumas delas sejam incluídas, ao menos, na 'playlist' da Antena 1, atendendo às suas particulares obrigações no capítulo da música portuguesa. Será um acto da mais elementar justiça ao meritório artista e uma boa maneira de elevar a qualidade da oferta musical do canal, a contento dos ouvintes/contribuintes já saturados de tanto lixo sonoro (exógeno e endógeno).



Marcha Ingénua



Letra e música: Vitorino Salomé
Intérprete: Vitorino* (in LP "Flor de la Mar", EMI-VC, 1983, reed. EMI-VC, 1992, Edições Valentim de Carvalho/Som Livre, 2008; CD "As Mais Bonitas", EMI-VC, 1993, EMI Music Portugal, 2012; 3CD "Tudo": CD 2 – "Lisboa", EMI Music Portugal, 2005)




[instrumental]

Embarcados p'rás tormentas
Com fartura d'incertezas:
Adeus, cais da felicidade!
Lá vão barcas portuguesas...

Oh! Enganadoras luas,
Trópico de Capricórnio,
Madrastas de bode preto,
Enteadas do demónio!

Oh! Império de má memória,
Dos cães de fila da moda!

Voa, vai, negra andorinha!
Pede à minha namorada
Dê notícias de Lisboa,
Das praças livres, dos cravos,
Das saudades que lhe tenho
De vê-la subir a rua...
A cantar a tal cantiga:
Primavera não esquecida!

Voa, vai, negra andorinha!
Pede à minha namorada
Dê notícias de Lisboa,
Das praças livres, dos cravos,
Das saudades que lhe tenho
De vê-la subir a rua...
A cantar a tal cantiga:
Primavera não esquecida!

[instrumental]

Das saudades que lhe tenho
De vê-la subir a rua...
A cantar a tal cantiga:
Primavera não esquecida!

[foguetes a estalejar / instrumental]


* Arranjo para banda e direcção – Sílvio Pleno
Trompas – António P. da Costa, Francisco C. Frazão
Trompetes – António R. Gomes, António F. Casquinha
Trombone – João N. Costa
Tuba – Domingos Gaspar
Bombardino – Manuel de Faria
Flauta e flautim – António Laureano Martins
Saxofone soprano – José Salomé Vieira
Bateria – José A. Pires
Caixas – José R. Vitorino, António S. de Oliveira
Clarinete – Sílvio Pleno
Acordeões – Baíco, João Lucas
Violas Ovation – Carlos Salomé, Vitorino
Baixo acústico – Pedro Wallenstein
Tuna – Baíco, João Lucas, Pedro Melo, Manuel Vieira e Carlos Salomé
Vozes – Vitorino, Baíco, Carlos Salomé, João Lucas, Manuel Vieira e Mimi

Direcção musical e arranjos – Vitorino, Pedro Caldeira Cabral e Janita Salomé
Produção – Vitorino e Manuel Salomé
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos
Engenheiro de som – António Pinheiro da Silva
Técnico assistente – José Valverde
Texto sobre o disco em: Grandes discos da música portuguesa: efemérides em 2008
URL: https://www.vitorinosalome.pt/
https://www.meloteca.com/portfolio-item/vitorino/
https://www.facebook.com/VitorinoSalome.officialpage
https://www.youtube.com/channel/UCuRPFnby4OlKEz5kzN655bA
https://www.youtube.com/user/DoTempoDosSonhos/videos?query=vitorino



Capa do LP "Flor de la Mar", de Vitorino (EMI-VC, 1983)
Concepção – Renato Cruz

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