01 maio 2021

Fausto Bordalo Dias: "Uma Cantiga de Desemprego"



As pandemias de grande morbilidade, além das mortandades que causam e dos problemas de saúde (físicos e/ou psíquicos) que provocam num número muito significativo dos sobreviventes, têm sempre como efeito uma recessão económica. A face mais visível e dramática dessa disrupção, nas sociedades modernas, é o desemprego e a intrínseca depauperação das condições de vida de quem ficou sem trabalho, assim como dos demais elementos do respectivo agregado familiar. Devido à pandemia vírica, que há mais de um ano vem assolando a Humanidade, muitas pessoas já foram despedidas ou não viram os seus contratos de trabalho ser renovados, e ainda bastantes mais vão cair na situação de desemprego nos tempos que aí vêm, apesar da vacinação estar a decorrer a bom ritmo nalguns países (nos mais ricos). A crise social vai agravar-se e será severa. Quanto a isso não vale a pena ter ilusões...
Não serão poucos aqueles que, sem trabalho e com pouco dinheiro, vão assistir à sucessão dos dias e dos meses sem que vislumbrem uma luz ao fundo do túnel. A esses trabalhadores desempregados (especialmente os que não recebem subsídio de desemprego ou o recebem em parco montante) manifestamos a nossa solidariedade, neste Dia do Trabalhador, pondo em destaque "Uma Cantiga de Desemprego", escrita, composta e interpretada por Fausto Bordalo Dias. O cantautor gravou-a duas vezes: a primeira para o LP "Madrugada dos Trapeiros", de 1977, e a segunda para o duplo CD "Atrás dos Tempos Vêm Tempos", publicado em 1996. Escolhemos a original, cujo arranjo nos parece mais belo e cativante, em boa parte graças à flauta de Rão Kyao.

Fausto Bodalo Dias é, incontestavelmente, um dos mais categorizados criadores da Música Portuguesa, mas não tem recebido da rádio portuguesa (privada e estatal) o reconhecimento condizente com esse estatuto. Na pública Antena 1, a tal que tem a obrigação de divulgar a nossa melhor música popular, só muito esporadicamente é dado a ouvir e invariavelmente com um dos espécimes mais conhecidos – "Se Tu Fores Ver o Mar (Rosalinda)", "Navegar, Navegar", "O Coça-Barriga" ou "Foi por Ela" –, o que representa uma tremenda injustiça para um artista da sua dimensão e com dezassete álbuns publicados (catorze em nome individual, cinco dos quais duplos, e três colectivos, um deles duplo), deixando nos ouvintes menos avisados a ideia de que o seu repertório se resume a meia dúzia de canções.



Uma Cantiga de Desemprego



Letra e música: Fausto Bordalo Dias
Intérprete: Fausto Bordalo Dias* (in LP "Madrugada dos Trapeiros", Orfeu, 1977, reed. Movieplay, 1999; CD "Fausto", col. O Melhor dos Melhores, vol. 39, Movieplay, 1994)




[instrumental]

Fumo um cigarro deitado,
No mês de Janeiro;
Fecho a cortina da vida,
Espreguiço em Fevereiro.

E procuro trabalho
Nesta esperança de Março;
Já me farta tanto Abril
E aquilo que não faço!

Espreito por um funil
A promessa de Maio:
Porque esperar prometido,
Nessa eu já não caio!

Queimo os dias de Junho
No sol quente de Julho;
Esfrego as mãos de contente
Num sorriso d'entulho.

Para teu grande desgosto,
Janto contigo em silêncio;
E lentamente esquecido,
Digo-te adeus em Agosto.

Meu Setembro perdido
Numa esquina que eu roço;
E penso em Outubro
O menos que posso.

[instrumental / vocalizos]

Mas quando sinto a verdade
Daquilo que cansa,
Nunca houve vontade
Do tempo de andança.

E sinto força em Novembro,
Juro luta em Dezembro.
E sinto força em Novembro,
Juro luta em Dezembro.

[instrumental]


* Fausto Bordalo Dias – voz e guitarras acústicas
Rão Kyao – flauta
Gravado nos Estúdios Arnaldo Trindade, Lisboa, durante o Inverno de 1976/77
Técnico de som – Moreno Pinto
URL: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fausto_Bordalo_Dias
http://www.macua.org/biografias/fausto.html
https://www.viriatoteles.net/livros/contas-a-vida/41-fausto-bordalo-dias.html
https://www.youtube.com/channel/UCh5tYA07B0Uur5Mo1gbPmYQ/videos?query=fausto
https://www.youtube.com/channel/UCH_869XTh5lFDKiCKvmuV_w



Capa do LP "Madrugada dos Trapeiros", de Fausto Bordalo Dias (Orfeu, 1977)
Arranjo gráfico – José Brandão

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