01 maio 2020

Dialecto: "Instrumentos de Trabalho" (Maria Teresa Horta)


Lewis Wickes Hine, "Power House Mechanic", 1921, fotografia, 34,3 x 24,1 cm, Brooklyn Museum, Nova Iorque


O trabalho operário, além de ser geralmente mal remunerado, é quase sempre duro e violento para o corpo e para a mente, não sendo raros os acidentes de que resulta a invalidez ou a morte. Um drama que, felizmente, tem vindo a perder expressão com a gradual substituição de mão-de-obra humana por maquinaria e robótica.
Muitos poetas versaram sobre o árduo trabalho operário e campesino, entre eles se contando Maria Teresa Horta, cujo poema "Instrumentos de Trabalho", primeiramente publicado em 1967, no livro "Cronista Não É Recado", o grupo Dialecto gravou no seu álbum "Aromas", de 2011.
É pois apresentando aquele poema feito canção, com música de Lindolfo Paiva, que assinalamos este Dia do Trabalhador e homenageamos os milhões de operários, do passado e do presente, que contribuíram e contribuem para o regular funcionamento das sociedades modernas, mas que são comummente desconsiderados e até olhados com desdém pelas classes privilegiadas.
Na estatal Antena 1, o grupo Dialecto já teve divulgação nos espaços da responsabilidade do realizador Armando Carvalhêda – "Viva a Música" [>> RTP-Play] e "Cantos da Casa" [rubrica >> RTP-Play / programa >> RTP-Play] –, mas nunca lhe foi dada entrada na 'playlist'. Porquê?



Instrumentos de Trabalho



Poema: Maria Teresa Horta (adaptado) [texto original >> abaixo]
Música: Lindolfo Paiva
Intérprete: Dialecto* (in CD "Aromas", Dialecto/Cloudnoise, 2011)




Sua o martelo nas mãos
como soa uma navalha
instrumentos de trabalho
em dedos que nunca falham

[instrumental]

Instrumentos de trabalho
ou mortes de mão primeiro
Cresce o tempo no trabalho
de um martelo de ferreiro

Primeiro os mortos são peso
(ferro no sangue não fere)
Instrumentos de trabalho
de um calor que não requer

Desespero não é palavra
nem será nunca instrumento
A mão recobra o metal
de material nos dedos

Dado o trabalho transpira
a fome de um operário
instrumentos de acidente
na justiça de um salário

Semidesliza o arado
que o camponês não acusa
Ou comemora a semente
com as mãos sem armadura
[bis]

[instrumental]

Movimento de calor
nos músculos que se recusam
Sol a sol de instrumentos
ou mortes de qualquer cura

Sua o martelo nas mãos
como soa uma navalha
instrumentos de trabalho
em dedos que nunca falham

Dado o trabalho transpira
a fome de um operário
instrumento de acidente
na justiça de um salário

Semidesliza o arado
que o camponês não acusa
Ou comemora a semente
com as mãos sem armadura
[bis]

[instrumental]


* [Créditos gerais do disco:]
Dialecto:
Álvaro M. B. Amaro – guitarra, acordeão e voz
Lindolfo Paiva – guitarra, bandolim, ukelele e voz
Eduardo Matos – bateria e percussão
Jorge Pimentel – baixo, guitarra e guitarra portuguesa
Carlos Varela – saxofone soprano e voz
Paulo Duarte – piano
Participação especial de:
Zé Negreiros – gaita-de-foles e flauta
Artur Graxinha – guitarra
Paulo Toledo – saxofone alto
Produção – Dialecto
Gravado e misturado por Paulo Cavaco, no Musicart Studio, Barreiro, de Janeiro a Outubro de 2011
Masterizado por António Pinheiro da Silva, no Estúdio Pé-de-Meia, Oeiras, em Novembro de 2011
URL: https://sites.google.com/site/dialectomp/home
https://www.youtube.com/user/ematos88/videos



INSTRUMENTOS DE TRABALHO

(Maria Teresa Horta, in "Cronista Não É Recado", Col. Poesia e Verdade, Lisboa: Guimarães Editores, 1967; "Poesia Reunida", pref. Maria João Reynaud, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2009 – p. 262-63)


Instrumentos de trabalho
ou mortes
de mão primeiro

Cresce o tempo no
trabalho
de um martelo de ferreiro

Primeiro
os mortos são peso
(ferro no sangue não fere)

Instrumentos de trabalho
de um calor
que não requer

Desespero não é palavra
nem será nunca
instrumento

A mão recobra
o metal
de material nos dedos

Dado o trabalho transpira
a fome de um operário
instrumento de acidente
na justiça de um salário

Semidesliza o arado
que o camponês
não acusa

Ou comemora
a semente
com as mãos sem armadura

Movimento de calor
nos músculos
que se recusam

Sol a sol
de instrumentos
ou mortes de qualquer cura

Sua o martelo nas mãos
como soa uma navalha
instrumentos de trabalho
em dedos que nunca falham



Capa do livro "Cronista Não É Recado", de Maria Teresa Horta (Col. Poesia e Verdade, Guimarães Editores, 1967)



Capa do livro "Poesia Reunida", de Maria Teresa Horta (Publicações Dom Quixote, 2009)



Capa do CD "Aromas", do grupo Dialecto (Cloudnoise, 2011)
Grafismo – Luís Amaro

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