02 maio 2006

Adriano Correia de Oliveira: um grande cantor silenciado na rádio pública


© Inácio Ludgero

Muita gente – eu incluído – se lamenta da baixa qualidade da música que passa na rádio portuguesa e do facto de tanta e boa música que se faz (ou se fez) não chegar à luz do éter. São muitos os artistas de talento atingidos, mas no caso de Adriano Correia de Oliveira o silêncio dói ainda mais, justamente por se tratar de um dos nomes maiores da música portuguesa de sempre. Pessoalmente, não é pelo facto de a rádio não o passar que deixo de o ouvir sempre que me apetece porque felizmente tenho na minha discoteca uma caixa com a sua obra completa. Devo confessar que foi a rádio – mais concretamente a Antena 1 – que mo deu a ouvir pela primeira vez quando passou a "Trova do Vento que Passa" (salvo erro, no programa "Retratos", de João Coelho e Ana Aranha). Nesses anos 90 já o grande cantor não pertencia ao número dos vivos, mas foi tal o fascínio que aquela voz cristalina e de uma beleza ímpar me causou que fui logo à procura de outras músicas suas. A primeira aquisição foi uma antologia a que se seguiu a referida caixa, editada pela Movieplay, com 7 CDs organizados tematicamente por José Niza (autor da música de alguns dos mais belos temas de Adriano e também da letra de "E Depois do Adeus" imortalizada por Paulo de Carvalho). Escusado será dizer que Adriano Correia de Oliveira se tornou um dos meus cantores de culto e, tal como eu que o descobri pela rádio há uma dúzia de anos, não duvido que aconteceria o mesmo com muitos jovens de agora se a rádio o passasse. A este propósito, gostei que Paulo de Carvalho, na última edição do "Viva a Música", tivesse lamentado o ostracismo a que a rádio portuguesa tem votado o grande Adriano Correia de Oliveira dizendo muito propositadamente que, apesar de ele já não se encontrar entre nós, existe a obra – uma obra sublime, acrescento eu. Por tudo isto, solidarizo-me com a indignação manifestada por Paulo de Carvalho e apreciei a homenagem que fez a Adriano ao recuperar "Cantar de Emigração", um dos seus temas emblemáticos.
A este propósito, impõe-se a pergunta: por que razão é que Adriano Correia de Oliveira não passa actualmente na Antena 1 e na Antena 3, ao contrário que acontece com António Variações que morreu, mais ou menos, na mesma altura? Não queria ser indelicado mas, quando se decide silenciar Adriano Correia de Oliveira na rádio pública, a razão de fundo só pode ser a ignorância e ou a falta de sensibilidade musical.
Em agradecimento a Adriano Correia de Oliveira por tantas e belas canções que nos deixou, fica aqui a letra da minha preferida.



Fala do Homem Nascido



Poema: António Gedeão
Música: José Niza
Voz: Adriano Correia de Oliveira
Viola: Rui Pato


Venho da terra assombrada,
Do ventre de minha mãe;
Não pretendo roubar nada
Nem fazer mal a ninguém.

Só quero o que me é devido
Por me trazerem aqui,
Que eu nem sequer fui ouvido
No acto de que nasci.

Trago boca para comer
E olhos para desejar.
Tenho pressa de viver,
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
Não tenho tempo a perder.

Minha barca aparelhada
Solta o pano rumo ao norte;
Meu desejo é passaporte
Para a fronteira fechada.
Não há ventos que não prestem
Nem marés que não convenham,
Nem forças que me molestem,
Correntes que me detenham.

Quero eu e a Natureza,
Que a Natureza sou eu,
E as forças da Natureza
Nunca ninguém as venceu.

Com licença! Com licença!
Que a barca se fez ao mar.
Não há poder que me vença.
Mesmo morto hei-de passar.
Com licença! Com licença!
Com rumo à estrela polar.


(in "Cantaremos", Orfeu, 1970, reed. Movieplay, 1999)

3 comentários:

Pedro Aroso disse...

Caro Álvaro José Ferreira

Considero muito oportuno este post. De facto, também não compreendo os motivos do silenciamento a que o nosso querido Adriano Correia de Oliveira tem sido votado. Felizmente, tenho os sus discos, por isso ninguém me impede de o ouvir sempre que quero.
Recordo com saudade a sua vinda ao Porto em 1971 (ou 1972?), em que deu um recital no liceu Garcia da Orta, acompanhado pelo Vitorino. Mais tarde fomos cear ao antigo restaurante Transmontano e depois fui levá-los à residencial Vice-Rei, na rua Júlio Dinis, onde estavam hospedados. Foi uma noite memorável...

Um abraço
Pedro Aroso

MAH-TRETAS disse...

É bom encontrar alguém que vai denunciando o silêncio que fica nestas e noutras vozes que se foram,fico feliz por isso sabendo que pelo menos nestes espaços há muita gente que não esquece.

Obrigado

Henriques

Edgar disse...

Ainda que atrasado, queria acrescentar um comentário a este post:

Tenho 40 anos e só descobri a voz de Adriano Correia de Oliveira há meia dúzia de anos, precisamente através de um remix do DJ Stereossauro:
https://www.youtube.com/embed/JaOr3DweVHg

É certo que o seu nome não me era estranho, mas sinceramente não me recordo de alguma vez o ter ouvido na rádio quando era mais novo. Mais recente tive acesso a toda a sua discografia e penso que é uma pena não o ter conhecido antes, pois tem álbuns muito bons que mereciam maior divulgação, como é o caso, entre outros, do LP Gente de Aqui e de Agora, de 1971.
Mas nesta sociedade do espetáculo e do consumo rápido e pré-condicionado, quem é que quer ouvir, em pleno século XXI, músicas lançadas há mais de um mês e que ainda por cima façam pensar? "Meia dúzia de líricos, pá!".

Diga-se de passagem que o ostracismo póstumo de Adriano Correia de Oliveira é o mesmo que se aplica a Zeca Afonso ou José Mário Branco, para citar somente os nomes mais sonantes da chamada música de intervenção. À excepção eventualmente das suas datas de nascimento ou morte, quando é que os MSM (mainstream media) se lembram deles?
No 25 de Abril?

E assim continuamos e saímos à rua de cravo na mão sem dar conta de que saímos à rua de cravo na mão a horas certas, né filho?...