
(in https://travelnaut.com/)
Ruínas da cidade de Cartago, perto de Tunes, na Tunísia.
A cidade-estado de Cartago localizava-se no Norte da África, próximo da actual cidade de Túnis (ou Tunes), capital da Tunísia. Foi fundada no século IX a.C. pelos Fenícios, povo oriundo do território que corresponde hoje maioritariamente ao do Líbano e que durante séculos dominou o comércio marítimo de metais preciosos, sobretudo no Mediterrâneo, fundando diversas colónias na Sicília, na Sardenha, na Córsega, nas Ilhas Baleares, na Península Ibérica e no Norte da África. Cartago, inicialmente uma colónia, foi fundada com o objectivo de ser um entreposto comercial na costa norte-africana e possibilitar a exploração das riquezas metalúrgicas da região. Devido à exiguidade do território e à vizinhança de povos belicosos, Cartago voltou-se para o mar. Com a economia centrada no comércio marítimo, os Cartagineses controlavam a exploração e a venda de metais preciosos no Mediterrâneo Ocidental. Com o decorrer do tempo, passaram a exercer domínio político sobre boa parte do Mediterrâneo, controlando as rotas daquele mar interior por mais de seis centúrias. No século IV a.C., Cartago florescia como uma grande e importante cidade, pontuada de templos, palácios e altos edifícios. No entanto, essa prosperidade fez com que entrasse em colisão com outra potência em ascensão no Mediterrâneo, Roma. As confrontações entre Cartagineses e Romanos ficaram conhecidas como as Guerras Púnicas. A primeira Guerra Púnica teve início em 264 a.C. e o seu desfecho mudaria o curso da História e Aníbal Barca, o grande general cartaginês, ficaria nos anais como um dos maiores génios militares de todos os tempos. Aníbal lançaria uma das mais incríveis campanhas de ataque já vistas. Dado que Roma passara a dominar o Mediterrâneo, na sequência da vitória na primeira Guerra Púnica, Aníbal resolveu marchar por terra, partindo da Península Ibérica em direcção aos Alpes chefiando um exército onde iam 37 elefantes, com o objectivo de alcançar Roma e, desta forma, vencer os Romanos no seu próprio território. Na Batalha de Canas, ocorrida a 2 de Agosto de 216 a.C., na Apúlia (sudeste da Península Itálica), infligiu ao exército romano uma pesadíssima derrota. No entanto, Aníbal não chegou a atacar a cidade de Roma, demorando-se no sul da Península Itálica e terminando por regressar a Cartago, por via marítima, a fim de defender a cidade do ataque dos Romanos. Acabaria por ser derrotado na Batalha de Zama, a 19 de Outubro de 202 a.C., por Cipião, que receberia o cognome de 'O Africano'. Chegava assim ao fim a Segunda Guerra Púnica, e Cartago perdia os seus territórios ultramarinos, ficava despida do seu poder militar e obrigada a pagar avultadas indemnizações de guerra. Temendo que a cidade-estado se reerguesse comercial e militarmente, a República Romana, incitada pelo cônsul Catão, o Velho, voltava a atacar Cartago, desta vez para destruir a urbe definitivamente, na que seria a terceira e última Guerra Púnica. Em 146 a.C., Cartago foi incendiada, devastada e o seu chão salgado, para que nele nada germinasse e crescesse futuramente. Com o fim de Cartago, Roma consolidava o seu domínio no Mediterrâneo, vindo a tornar-se o mais poderoso império da Antiguidade no Ocidente. [adaptado do texto publicado no sítio da Fundação Cultural Palmares].

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Territórios cartagineses ou sob influência de Cartago cerca de 264 a.C., antes da Primeira Guerra Púnica.
«Faz hoje cem anos, o grande repórter Norberto Lopes, terminado um longo périplo pelo continente africano, assina, a quase toda a largura da primeira página do "Diário de Lisboa", uma cuidada prosa sobre "um belo dia de sol nas ruínas de Cartago". Há cem anos, o repórter escrevia Cartago com th, "trazendo ainda nos olhos a visão graciosa de Túnis".
Tudo era mais lento, à época. O texto estava datado de Maio, escrito sob a impressão forte de um lugar tão repetidamente sentenciado pela frase implacável de Catão, o Velho, uma espécie de carimbo final dos discursos do senador romano: "Que Cartago seja destruída". Catão era quase menino quando se alistou para combater os cartagineses, ficou-lhe porventura aquela divisa como distintivo.
Era esse tempo de há um século desprovido da varinha mágica da instantaneidade. Foi preciso esperar um mês até que ele ganhasse as rotativas do número 48 da Luz Soriano.
Na prosa aquecida por um sol entre ruínas, o repórter destaca os afloramentos de um passado glorioso, "o capitel gracioso duma coluna coríntia (...), a inscrição piedosa duma lápide votiva", lá onde "não ficou pedra sobre pedra". A tal ponto que, escreve Norberto Lopes, "o próprio terreno foi salgado – para que nem a haste humilde de uma planta brotasse do seio da terra". Mas o grande repórter parece colher uma inesperada flor da poeira pisada pelos cavalos de Cipião. E isso o leva a concluir que "a destruição poupou os mortos", pois "nada restaria hoje da velha Cartago (ele escreve com th, escrevia-se com th) se os Romanos não tivessem respeitado, talvez por um temor supersticioso, o interior sagrado das sepulturas".
Naquele lugar em redor do qual tantas cidades, tantas pegadas de cavalos, foram sobrepostas, um repórter anota, dois mil anos depois, mas ainda num tempo em que a lentidão marcava, mesmo que ofegante, a sucessão dos dias e o compasso das rotativas, o legado dos arqueólogos, colunas, moedas, frisos de mármore, "a cabeça laureada de um imperador", Diana acariciando "as hastes de um veado".
Assim o repórter futuro, centenas de anos adiante de nós, recolha, possa recolher do arqueólogo ou do robot arqueólogo e mostre ao mundo, possa mostrar ao mundo as cidades agora destruídas e soterradas, lá onde os novos Cipiões alvitraram Rivieras. Ainda que não possa, não queira, ou não saiba, usar palavras tão inebriantes como as de Norberto Lopes, aquelas que ele resgatou do vento há cem anos diante dos minaretes de Túnis. E que, tal como há cem anos, a atmosfera seja "transparente e doce – como na tarde de Pharsalia" e as flores tenham "o mesmo perfume que enfeitiçava Salambô nas noites de luar".
Assim os repórteres futuros não se percam de Flaubert, tal como Norberto Lopes não se perdeu.» [Fernando Alves, "Um belo dia de sol, há cem anos, em Cartago", in "Os Dias que Correm", 26 Jun. 2025]
Tendo em conta que a cidade de Cartago foi incendiada, a crónica que Fernando Alves achou por bem dedicar à primorosa e impressiva prosa com que o repórter Norberto Lopes relatou a visita que fez às ruínas da vetusta urbe, em Maio de 1925 (e aproveitamos para manifestarmos o nosso elevado apreço a ambos os escribas), podia muito adequadamente ser rematada com a composição "A Cidade Queimada", de e por Rodrigo Leão, originalmente publicada no magnífico álbum "Cinema" (2004) e incluída na compilação "O Mundo (1993-2006)" lançada dois anos mais tarde. O tom plangente, quase funéreo, que o distinto compositor/intérprete imprimiu à música tornava ainda mais apropriada e justa a escolha deste tocante registo, que até é curto (1':20"), para funcionar como epílogo a uma crónica consagrada à desditosa cidade de Cartago. O locutor de serviço, Miguel Freitas, seguindo o mau exemplo de Ricardo Soares preferiu, infelizmente, ficar quietinho (não sabemos de por mero comodismo ou se acatando ordens expressas de Nuno Galopim de Carvalho) e mal a crónica chegou ao fim limitou-se a debitar os valores das temperaturas previstos para todas as capitais de distrito de Portugal. É triste!
A Cidade Queimada
Música: Rodrigo Leão
Intérprete: Rodrigo Leão* [in CD "Cinema", Columbia/Sony Music Entertainment (Portugal), 2004; 2CD "O Mundo (1993-2006)": CD 1, Columbia/Sony BMG Music Entertainment (Portugal), 2006]
(instrumental)
* Rodrigo Leão – piano
Arranjos – Rodrigo Leão, Pedro Oliveira e Tiago Lopes
Produção – Sony Music Entertainment (Portugal), S.A., dirigida por Pedro Oliveira, Tiago Lopes e Rodrigo Leão
Produção executiva – António Cunha
Gravado nos Estúdios OCV Muzika, por Tiago Lopes e João Eleutério, de Março a Maio de 2004
Misturado por Tiago Lopes, João Eleutério, Pedro Oliveira e Rodrigo Leão, nos Estúdios OCV Muzika, em Maio de 2004
Masterizado por António Pinheiro da Silva, nos Estúdios OCV Muzika
URL: https://www.rodrigoleao.pt/
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Capa do CD "Cinema", de Rodrigo Leão [Columbia/Sony Music Entertainment (Portugal), 2004]
Fotografia – Steve Stoer
Design e direcção de arte – Marco Sousa Santos

Capa da compilação em duplo CD "O Mundo (1993-2006)", de Rodrigo Leão [Columbia/Sony BMG Music Entertainment (Portugal), 2006]
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Outros artigos com música composta e/ou interpretada por Rodrigo Leão:
Revisitando "Os Dias da MadreDeus"
Celebrando Carlos Paredes
Em memória de Herberto Helder (1930-2015)
Madredeus: "Solstício"
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Outros artigos relacionados com a crónica de Fernando Alves na Antena 1:
Galandum Galundaina: "Chin Glin Din"
"Sons d'Outrora" em viola da terra, por Miguel Pimentel
Vitorino: "Moças de Bencatel" (Conde de Monsaraz)
Teresa Silva Carvalho: "Barca Bela" (Almeida Garrett)
António Borges Coelho: "Sou Barco"
Celeste Rodrigues: "Chapéu Preto"
Sérgio Godinho: "Tem Ratos"
Ruy Belo: "E Tudo Era Possível", por Nicolau Santos
Jacques Brel: "J'Arrive"
A tristeza lusitana
Segréis de Lisboa: "Ay flores do verde pino" (D. Dinis)
Manuel D'Oliveira: "O Momento Azul"
Aldina Duarte: "Flor do Cardo" (João Monge)
José Mário Branco: "Inquietação"
Chico Buarque: "Bom Conselho"
Teresa Paula Brito: "Meu Aceso Lume - Meu Amor" (Maria Teresa Horta)
Adriano Correia de Oliveira: "Pensamento" (Manuel Alegre)
Fausto Bordalo Dias: "Comboio Malandro" (António Jacinto)
Grupo Coral "Os Ganhões de Castro Verde" com Luiz Avellar: "As Nuvens Que Andam no Ar"
Amélia Muge: "Ai, Flores"
Afonso Dias: "Os Amigos" (Camilo Castelo Branco)
Pedro Barroso: "Barca em Chão de Lama"
António Gedeão: "Poema do Coração"
Reinaldo Ferreira: "Quero um cavalo de várias cores"
Chico Buarque: "Construção"
João Afonso: "Tangerina dos Algarves"
Joan Manuel Serrat: "Cantares" (Antonio Machado e Joan Manuel Serrat)
Belaurora: "Lamento do Camponês" (Popular e Onésimo Teotónio Almeida)
Manuel Freire: "Fala do Velho do Restelo ao Astronauta" (José Saramago)
João Afonso: "O Som dos Sapatos"
Fernando Pessoa: "Tenho dó das estrelas"
Carlos Mendes: "Alcácer Que Vier" (Joaquim Pessoa)
Janita Salomé: "Cerejeira das cerejas pretas miúdas" (Carlos Mota de Oliveira)
Mário Moita: "Senhora Cegonha"
Políbio Gomes dos Santos: "Poema da Voz Que Escuta", por Maria Barroso
Pedro Barroso: "Nasce Afrodite, amor, nasce o teu corpo" (José Saramago)
Bugalhos: "Carvalho Grande"
Eugénio de Andrade: "As Mães"
Cana rachada d'Azambuja
Janita Salomé: "Na Palestina"
Natália Correia: "Queixa das Almas Jovens Censuradas"
José Afonso: "Ali Está o Rio"
Jorge Palma: "A Escola"
Alexandre O'Neill: "Periclitam os grilos", por Mário Viegas
Chico Buarque com Milton Nascimento: "Cálice"
Irene Lisboa: "Pequeno Poema Mental", por José Rodrigues Miguéis
João Afonso: "Lagarto" (José Eduardo Agualusa)
Carlos Garcia com Luís Represas: "Noite Perdida" (António Feijó)
Mísia: "Sou de Vidro" (Lídia Jorge)
Teresa Rita Lopes: "Casa de Cacela"
Marta Pereira da Costa com Iván Melón Lewis: "Sem Palavras"
Amélia Muge: "O Robot Que Envelhece" (João Pedro Grabato Dias)
José Craveirinha: "Um Céu sem Anjos de África", por Trupe Barlaventina
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