10 junho 2025

Camões recitado e cantado (XI)


Luís de Camões, gravura por J.W. Cook, 1825, estampada no "The Universal Historical Dictionary", de George Crabb, 2.ª edição aumentada, Londres, 1833.


As duas efemérides respeitantes ao grande compositor Luiz de Freitas Branco que ocorrem no ano em curso (135.º aniversário do nascimento, a 12 de Outubro, e setentenário da morte, a 27 de Novembro) dão-nos o pretexto para apresentarmos, desde já, neste Dia de Camões, o primeiro dos três ciclos dos "Madrigais Camonianos", na interpretação pelo Coro Gulbenkian, dirigido pelo maestro Fernando Eldoro, que nos deixou recentemente e cuja memória devemos também honrar.
Este primeiro ciclo, para coro misto a cappella e que incide somente em sonetos (dez, no total), foi composto no período 1930-35 e revisto em 1943, mas a sua estreia pública integral teria de esperar até 28 de Maio de 1965, data em que foi cantado no Teatro Tivoli, em Lisboa, pelo Coro de Câmara Gulbenkian, sob a direcção da maestrina Olga Violante.
Na escolha dos registos recitados, para intercalar com os cantados, serviu-nos de critério outra efeméride recente: a do centenário do nascimento de Maria Barroso. São cinco os poemas na sua voz, todos respigados do CD "Amor É Fogo" (Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001). Boa celebração camoniana!

E o que fez a rádio do Estado neste 10 de Junho em celebração do vulto maior da literatura (de língua) portuguesa?
Damos boa nota de Paulo Alves Guerra, que no programa da manhã da Antena 2, deu a ouvir várias peças musicais compostas sobre poesia camoniana ou nela inspiradas, mas nada mais temos a assinalar no canal cultural da estação pública de rádio durante as largas horas que se seguiram. E não era assim tão complicado nem trabalhoso fazer uma programação diferente da dos outros dias, ou seja, constituída apenas por obras de compositores portugueses, idealmente intercaladas com poemas camonianos recitados ou cantados.
Na Antena 1 registamos o cuidado que houve, desta vez, em privilegiar a produção nacional na 'playlist' que rodou ao longo do dia. O que merece a nossa crítica prende-se com a baixa qualidade poética e musical de muito do material que foi escolhido. No Dia de Camões, era de bom-tom que se desse primazia a canções assentes em boa poesia portuguesa, entremeadas – porque não? – com recitações de trechos poéticos camonianos.



Eu cantarei de amor tão docemente



Poema (soneto) de Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 4)
Recitado por Maria Barroso (in CD "Amor É Fogo: Poemas de Luís de Camões", Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001)


Eu cantarei de amor tão docemente,
por uns termos em si tão concertados,
que dous mil acidentes namorados
faça sentir ao peito que não sente.

Farei que Amor a todos avivente,
pintando mil segredos delicados,
brandas iras, suspiros magoados,
temerosa ousadia e pena ausente.

Também, Senhora, do desprezo honesto
de vossa vista branda e rigorosa,
contentar-me-ei dizendo a menor parte.

Porém, para cantar de vosso gesto
a composição alta e milagrosa
aqui falta saber, engenho e arte.


Notas:
dois mil – muitíssimos, inúmeros;
brandas iras – iras amorosas.



Doces lembranças



Poema (soneto): Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 9)
Música: Luiz de Freitas Branco (1.ª peça do ciclo "Madrigais Camonianos para coro misto a cappella", 1930-35, rev. 1943)
Intérprete: Coro Gulbenkian, dir. Fernando Eldoro (in CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", PortugalSom/Numérica, 2008)


Doces lembranças de passada glória,
que me tirou Fortuna roubadora,
deixai-me repousar em paz ũa hora,
que comigo ganhais pouca vitória.

Impressa tenho n'alma larga história
deste passado bem, que nunca fora
(ou fora, e não passara); mas já agora
em mim não pode haver mais que a memória.

Vivo em lembranças, mouro de esquecido
de quem sempre devera ser lembrado,
se lhe lembrara estado tão contente.

Oh! quem tornar pudera a ser nascido!
Soubera-me lograr do bem passado,
se conhecer soubera o mal presente.



Qual tem a borboleta



Poema (soneto): Luís de Camões (in "Rimas", org. Manuel de Faria e Sousa, Lisboa, 1685; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 150)
Música: Luiz de Freitas Branco (2.ª peça do ciclo "Madrigais Camonianos para coro misto a cappella", 1930-35, rev. 1943)
Intérprete: Coro Gulbenkian, dir. Fernando Eldoro (in CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", PortugalSom/Numérica, 2008)


Qual tem a borboleta por costume,
que, enlevada na luz da acesa vela,
dando vai voltas mil, até que nela
se queima agora, agora se consume;

tal eu correndo vou ao vivo lume
desses olhos gentis, Aónia bela;
e abraso-me, por mais que com cautela
livrar-me a parte racional presume.

Conheço o muito a que se atreve a vista,
o quanto se levanta o pensamento,
o como vou morrendo claramente.

Porém, não quer Amor que lhe resista,
nem a minh'alma o quer; que em tal tormento,
qual em glória maior, está contente.



Vi chorar uns claros olhos



Poema (vilancete em redondilha maior) de Luís de Camões (in "Rimas", org. Domingos Fernandes, Lisboa, 1616; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 815-816)
Recitado por Maria Barroso (in CD "Amor É Fogo: Poemas de Luís de Camões", Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001)


          MOTE

Vi chorar uns claros olhos
quando deles me partia.
Oh! que dor! Oh! que alegria!

          VOLTAS

Polo meu apartamento
se arrasaram todos de água.
Quem cuidou que em tanta mágoa
achasse contentamento?
Julgue todo entendimento
qual mais sentir se devia:
se esta dor, se esta alegria.

Quando mais perdido estive,
então deu a est'alma minha,
na maior mágoa que tinha,
o maior gosto que tive.
Assi, se minh'alma vive,
foi porque me defendia
desta dor esta alegria.

O bem que Amor me não deu
no tempo que o desejei,
quando dele me apartei,
me confessou que era meu.
Agora que farei eu,
se a Fortuna me desvia
de lograr esta alegria?

Não sei se fui enganado,
pois me tinha defendido
das iras de mal querido,
no mal de ser apartado.
Agora peno dobrado,
achando no fim do dia
o princípio d'alegria.



Eu cantei já



Poema (soneto): Luís de Camões (in "Rimas", org. Domingos Fernandes, Lisboa, 1616; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 59)
Música: Luiz de Freitas Branco (3.ª peça do ciclo "Madrigais Camonianos para coro misto a cappella", 1930-35, rev. 1943)
Intérprete: Coro Gulbenkian, dir. Fernando Eldoro (in CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", PortugalSom/Numérica, 2008)


Eu cantei já, e agora vou chorando
o tempo que cantei tão confiado;
parece que no canto já passado
se estavam minhas lágrimas criando.

Cantei; mas se me alguém pergunta: «Quando?»
Não sei; que também fui nisso enganado.
É tão triste este meu presente estado,
que o passado, por ledo, estou julgando.

Fizeram-me cantar, manhosamente,
contentamentos não, mas confianças;
cantava, mas já era ao som dos ferros.

De quem me queixarei, se tudo mente?
Porém que culpas ponho às esperanças,
onde a Fortuna injusta é mais que os erros?



No mundo



Poema (soneto): Luís de Camões (in "Rimas", org. Estêvão Lopes, Lisboa, 1598; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 55)
Música: Luiz de Freitas Branco (4.ª peça do ciclo "Madrigais Camonianos para coro misto a cappella", 1930-35, rev. 1943)
Intérprete: Coro Gulbenkian, dir. Fernando Eldoro (in CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", PortugalSom/Numérica, 2008)


No mundo, poucos anos e cansados
vivi, cheios de vil miséria dura;
foi-me tão cedo a luz do dia escura
que não vi cinco lustros acabados.

Corri terras e mares apartados,
buscando à vida algum remédio ou cura;
mas aquilo que, enfim, não dá Ventura,
não o dão os trabalhos arriscados.

Criou-me Portugal na verde e cara
pátria minha Alenquer; mas ar corruto,
que neste meu terreno vaso tinha,

me fez manjar de peixes em ti, bruto
mar, que bates a Abássia fera e avara,
tão longe da ditosa pátria minha!



Enquanto quis Fortuna que tivesse



Poema (soneto) de Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 3)
Recitado por Maria Barroso (in CD "Amor É Fogo: Poemas de Luís de Camões", Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001)


Enquanto quis Fortuna que tivesse
esperança de algum contentamento,
o gosto de um suave pensamento
me fez que seus efeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse
minha escritura a algum juízo isento,
escureceu-me o engenho co tormento,
para que seus enganos não dissesse.

Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
a diversas vontades: quando lerdes
num breve livro casos tão diversos,

(verdades puras são e não defeitos),
e sabei que, segundo o amor tiverdes,
tereis o entendimento de meus versos.


Notas:
Fortuna – divindade que presidia aos acasos da vida;
juízo isento – coração livre de cuidados amorosos;
engenho – talento, inspiração;
tormento – sofrimento;
sujeitos a diversas vontades – inconstantes nos amores;
defeitos – deformações da verdade, mentiras;
amor tiverdes – experiências amorosas tiverdes.



Que esperais, esperança?



Poema (soneto): Luís de Camões ("Rimas", org. Dom António Álvares da Cunha, Lisboa, 1668; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 115)
Música: Luiz de Freitas Branco (5.ª peça do ciclo "Madrigais Camonianos para coro misto a cappella", 1930-35, rev. 1943)
Intérprete: Coro Gulbenkian, dir. Fernando Eldoro (in CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", PortugalSom/Numérica, 2008


— Que esperais, esperança? — Desespero.
— Quem disso a causa foi? — Uma mudança.
— Vós, vida, como estais? — Sem esperança.
— Que dizeis, coração? — Que muito quero.

— Que sentis, alma, vós? — Que amor é fero.
— E enfim, como viveis? — Sem confiança.
— Quem vos sustenta, logo? — Uma lembrança.
— E só nela esperais? — Só nela espero.

— Em que podeis parar? — Nisto em que estou.
— E em que estais vós? — Em acabar a vida.
— E tende-lo por bem? — Amor o quer.

— Quem vos obriga assi? — Saber que sou.
— E quem sois? — Quem de todo está rendida.
— A quem rendida estais? — A um só querer.



O céu, a terra, o vento sossegado



Poema (soneto): Luís de Camões (in "Rimas", org. Domingos Fernandes, Lisboa, 1616; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 61)
Música: Luiz de Freitas Branco (6.ª peça do ciclo "Madrigais Camonianos para coro misto a cappella", 1930-35, rev. 1943)
Intérprete: Coro Gulbenkian, dir. Fernando Eldoro (in CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", PortugalSom/Numérica, 2008)


O Céu, a terra, o vento sossegado...
As ondas, que se estendem pela areia...
Os peixes, que no mar o sono enfreia...
O nocturno silêncio repousado...

O pescador Aónio, que, deitado
onde co vento a água se meneia,
chorando, o nome amado em vão nomeia,
que não pode ser mais que nomeado:

«Ondas – dezia – antes que Amor me mate,
tornai-me a minha Ninfa, que tão cedo
me fizestes à morte estar sujeita.»

Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;
move-se brandamente o arvoredo;
leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.


Notas:
Aónio (antropónimo masculino formado a partir de Aónia, anagrama de Joana) – este falso nome designa o próprio poeta;
enfreia – modera;
se meneia – se move.



Verdes são os campos



Poema (cantiga em redondilha menor) de Luís de Camões (in "Rimas", org. Estêvão Lopes, Lisboa, 1598; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 807-808)
Recitado por Maria Barroso (in CD "Amor É Fogo: Poemas de Luís de Camões", Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001)


          MOTE ALHEIO

Verdes são os campos,
de cor do limão:
assim são os olhos
do meu coração.

          VOLTAS

Campo, que te estendes
com verdura bela;
ovelhas, que nela
vosso pasto tendes,
d'ervas vos mantendes
que traz o Verão,
e eu das lembranças
do meu coração.

Gados, que paceis,
co contentamento,
vosso mantimento
não o entendeis:
isso que comeis
não são ervas, não:
são graças dos olhos
do meu coração.



Alegres campos, verdes arvoredos



Poema (soneto): Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 20)
Música: Luiz de Freitas Branco (7.ª peça do ciclo "Madrigais Camonianos para coro misto a cappella", 1930-35, rev. 1943)
Intérprete: Coro Gulbenkian, dir. Fernando Eldoro (in CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", PortugalSom/Numérica, 2008)


Alegres campos, verdes arvoredos,
claras e frescas águas de cristal,
que em vós os debuxais ao natural,
discorrendo da altura dos rochedos;

silvestres montes, ásperos penedos,
compostos em concerto desigual;
sabei que, sem licença de meu mal,
já não podeis fazer meus olhos ledos.

E, pois me já não vedes como vistes,
não me alegrem verduras deleitosas,
nem águas que correndo alegres vêm.

Semearei em vós lembranças tristes,
regar-vos-ei com lágrimas saudosas,
e nascerão saudades de meu bem.


Notas:
debuxais – retratais, reproduzis a imagem;
ledos – alegres.



Num bosque



Poema (soneto): Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 10)
Música: Luiz de Freitas Branco (8.ª peça do ciclo "Madrigais Camonianos para coro misto a cappella", 1930-35, rev. 1943)
Intérprete: Coro Gulbenkian, dir. Fernando Eldoro (in CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", PortugalSom/Numérica, 2008)


Num bosque que das Ninfas se habitava,
Cíbele, Ninfa linda, andava um dia;
e, subida nũa árvore sombria,
as amarelas flores apanhava.

Cupido, que ali sempre costumava
a vir passar a sesta à sombra fria,
em um ramo o arco e setas, que trazia,
antes que adormecesse, pendurava.

A Ninfa, como idóneo tempo vira
para tamanha empresa, não dilata;
mas com as armas foge ao Moço esquivo.

As setas traz nos olhos, com que tira.
Ó pastores! fugi, que a todos mata,
senão a mim, que de matar-me vivo.



Se me levam águas



Poema (vilancete em redondilha menor) de Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 772-773)
Recitado por Maria Barroso* (in CD "Amor É Fogo: Poemas de Luís de Camões", Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001)


          MOTE ALHEIO

Se me levam águas,
nos olhos as levo.

          VOLTAS

Se de saudade
morrerei ou não,
meus olhos dirão
de mim a verdade.
Por eles me atrevo
alcançar as águas
que mostrem as mágoas
que nesta alma levo.

As águas que em vão
me fazem chorar,
se elas são do mar
estas d'amar são.
Por elas relevo
todas minhas mágoas;
que, se força de águas
me leva, eu as levo.

Todas me entristecem,
todas são salgadas;
porém as choradas
doces me parecem.
Correi, doces águas,
que, se em vós me enlevo,
não doem as mágoas
que no peito levo.


* Maria Barroso – voz
Gravado nos Estúdios da RDP, Lisboa, em Fevereiro de 2001
Produção digital – José Silva
URL: https://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Barroso
https://fmsoaresbarroso.pt/maria-barroso/biografia
https://music.youtube.com/channel/UCUWH2fNX6fPjXuVX6i_fG6Q
https://music.youtube.com/channel/UCfTD3OSuif6PUXg0jYNAcsA



Pois meus olhos



Poema (soneto): Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 35)
Música: Luiz de Freitas Branco (9.ª peça do ciclo "Madrigais Camonianos para coro misto a cappella", 1930-35, rev. 1943)
Intérprete: Coro Gulbenkian, dir. Fernando Eldoro (in CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", PortugalSom/Numérica, 2008)


Pois meus olhos não cansam de chorar
tristezas, que não cansam de cansar-me;
pois não se abranda o fogo, em que abrasar-me
pôde quem eu jamais pude abrandar;

não canse o cego Amor de me guiar
onde nunca de lá possa tornar-me;
nem deixe o mundo todo de escutar-me,
enquanto a fraca voz me não deixar.

E se em montes, em prados, ou em vales,
piadade mora algũa, algum amor
em feras, plantas, aves, pedras, águas,

ouçam a longa história de meus males
e curem sua dor com minha dor;
que grandes mágoas podem curar mágoas.



Como fizeste, ó Pórcia



Poema (soneto): Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 31)
Música: Luiz de Freitas Branco (10.ª peça do ciclo "Madrigais Camonianos para coro misto a cappella", 1930-35, rev. 1943)
Intérprete: Coro Gulbenkian*, dir. Fernando Eldoro (in CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", PortugalSom/Numérica, 2008)


— Como fizeste, ó Pórcia, tal ferida?
Foi voluntária, ou foi por inocência?
— É que Amor fazer só quis exp'riência
se podia eu sofrer tirar-me a vida.

— E com teu próprio sangue te convida
a que faças à morte resistência?
— É que costume faço da paciência,
porque o temor morrer me não impida.

— Pois porque estás comendo fogo ardente,
se a ferro te costumas? — É que ordena
Amor que morra e pene juntamente.

— E tens a dor do ferro por pequena?
— Si, que a dor costumada não se sente,
E não quero eu a morte sem a pena.


* Coro Gulbenkian:
Sopranos – Clara Coelho, Graziela Lé, Mónica Santos, Raquel Alão, Rosa Caldeira, Susana Duarte, Verónica Silva
Contraltos – Carolina Figueiredo, Joana Nascimento, Mafalda Borges Coelho, Michelle Rollin, Patrícia Mendes, Sónia Ferreira
Tenores – Filipe Faria, João Branco, João Custódio, João Moreira, Rui Miranda, Sérgio Peixoto
Baixos – Artur Carneiro, João Valeriano, José Bruto da Costa, Manuel Rebelo, Rui Baeta, Salvador Mascarenhas
Direcção – Fernando Eldoro

Produção musical – Alexandre Delgado
Produção – PortugalSom - Ministário da Cultura / Direcção-Geral das Artes
Gravado na Igreja do Cemitério dos Ingleses, Lisboa, em Junho de 2006
URL: https://gulbenkian.pt/musica/coro-e-orquestra/coro-gulbenkian/
https://www.meloteca.com/portfolio-item/coro-gulbenkian/
https://www.facebook.com/gulbenkianmusica/
https://music.youtube.com/channel/UCE3UnGOGRWjEj93WPvMzadw




Frontispício da 1.ª edição das "Rimas", de Luís de Camões, org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita (Lisboa, 1595)



Capa do CD "Luís de Freitas Branco: Madrigais Camonianos", do Coro Gulbenkian, dir. Fernando Eldoro (PortugalSom/Numérica, 2008)
Concepção gráfica – Jorge Colombo



Capa do CD "Amor É Fogo: Poemas de Luís de Camões", de Carmen Dolores, João Grosso, José Manuel Mondes, Maria Barroso e Vítor Nobre (Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001)

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Outros artigos com poesia e/ou teatro de Luís de Camões:
Camões recitado e cantado
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Em memória de Manoel de Oliveira (1908-2015)
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