30 maio 2025

Jorge Palma: "A Escola"



«Trago uma proposta de exercício que talvez fortaleça a capacidade de decifração e de articulação de sinais quotidianos do andamento do mundo, através da leitura de um jornal. Talvez a proposta permita, sem uma metodologia rígida, ir além do descuidado e rápido folhear dos títulos mais garridos. É uma proposta para leitores mais desatentos ou desligados, aqueles a quem basta a rama da actualidade ou a actualidade rameira. No fundo, proponho aos leitores mais preguiçosos de jornais que repliquem, na sua relação frívola com o jornal diário, a experiência enriquecedora e, ainda por cima, divertida, dos alunos do 9.º e do 12.º anos do Agrupamento de Escolas de Cristelo, no concelho de Paredes, hoje relatada no JN.
Conta a reportagem de Mónica Ferreira o entusiasmo com que os alunos envolvidos no projecto MicroMundo se transformam em "verdadeiros cientistas", ajudando em ambiente laboratorial "na busca de um novo antibiótico", orientados por alunos universitários. Os alunos, "vestidos com batas brancas e de luvas", conta a repórter, "trabalham nas bancadas do laboratório, analisando as amostras de solos que trouxeram de casa, na esperança de obter um resultado promissor para a criação de um novo antibiótico". Uma aluna disse: "Foi incrível, descobri emoções que não tinha (…) e percebi que, se calhar, posso ter um futuro promissor nesta área". E outra aluna: "Foi muito divertido, foram aulas diferentes que nos ajudaram a conhecer mais. Sentimo-nos uns cientistas".
Regressemos à minha proposta de exercício. Vamos agora, jornal adiante, pescar uma outra notícia, uma outra reportagem, que possa dialogar com esta, que abra, com esse diálogo, uma linha de reflexão. Mal não faz, favorece até a literacia, ajuda a encadear fios que pareciam soltos.
Meto os dedos e os olhos ao caminho. Vinte páginas adiante, no mesmo JN de hoje, a notícia retirada de um estudo do Banco de Portugal ontem divulgado: "Só 11% dos filhos de pobres chegam ao Ensino Superior".
O estudo sobre a transmissão intergeracional da pobreza em Portugal conclui que a educação é uma espécie de via verde da má sorte.
O leitor de jornais mergulhado neste exercício, neste divertimento sério, tenderá a temer que o entusiasmo de Nadine e de Diana, as jovens do secundário de Cristelo, Paredes, venha a arrefecer no caminho estreito que possa esperá-las adiante.
Seria imperdoável. Até porque estamos muito precisados do antibiótico que elas se propõem criar, com tanta determinação.» [Fernando Alves, "Um exercício", in "Os Dias que Correm", 30 Mai. 2025]


Quando a escola não consegue cortar a transmissão intergeracional da pobreza significa que está a falhar na sua missão. Da escola pública espera-se muito mais do que a produção em massa de analfabetos funcionais, como tem acontecido em Portugal no último quarto de século...
Para rematar a crónica de Fernando Alves vinha muito a propósito a canção "A Escola", de e por Jorge Palma, originalmente publicada no álbum "Bairro do Amor" (1989) e, posteriormente (em 2000), incluída na compilação "Dá-me Lume: O Melhor de Jorge Palma". A Antena 1 não quis conceder essa "benesse" aos seus ouvintes/contribuintes, mostrando não os ter em especial conta, mas o blogue "A Nossa Rádio" preza em pautar-se pela atitude diametralmente oposta para com os seus estimados visitantes. Boa escuta!



A Escola



Letra e música: Jorge Palma
Intérprete: Jorge Palma* (in LP "Bairro do Amor", Philips/Polygram, 1989, reed. Philips/Polygram, 1998, Universal Music Portugal, 2014, 2015; CD "Dá-me Lume: O Melhor de Jorge Palma", Mercury/Universal Music Portugal, 2000)




[instrumental]

Eu nasci lá para os lados do rio
passava os dias a jogar à bola
mas eu não era excepção
e antes que desse por isso
já estava na escola

O programa elementar
entre o Euclides e o Arquimedes
mas sempre que a informação
dá uma volta no espaço
eu quero sintonizar

A escola ainda não acabou
há sempre tanta matéria a estudar
que eu chego mesmo a ter medo
de em qualquer momento
já não ter lugar
já não ter lugar
para mais conhecimento

Já consigo filosofar
sei uma ou duas palavras em grego
enquanto o tempo deixar
e a escola não se afundar
vou alterando o meu ego

Vou deixando as moscas pairar
vou vendo se o Godot já chegou
e quando me dá na tola
dou um chuto na bola
só p'ra me aliviar

A escola ainda não acabou
há sempre tanta matéria a estudar
que eu chego mesmo a ter medo
de em qualquer momento
já não ter lugar
já não ter lugar
para mais conhecimento

A escola ainda não acabou
há sempre tanta matéria a estudar
que eu chego mesmo a ter medo
de em qualquer momento
já não ter lugar
já não ter lugar
para mais conhecimento
mais conhecimento

[instrumental]


* Jorge Palma – voz, teclas
José Moz Carrapa – guitarra
Zé Nabo – baixo
Edgar Caramelo – saxofone soprano
Guilherme Inês – percussão
Joca de Sousa – bateria

Arranjos – Jorge Palma
Produção – Namouche
Produção executiva – Francis, Tó Pinheiro da Silva e Jorge Palma
Gravação e misturas – Tó Pinheiro da Silva, nos Estúdios Namouche, Lisboa
Texto sobre o disco em: Altamont
URL: https://www.jorgepalma.pt/
https://bloguepalmaniaco.blogspot.com/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Jorge_Palma
https://www.facebook.com/jorgepalmaoficial/
https://www.youtube.com/@jorgepalmaoficial
https://music.youtube.com/channel/UCE5pjIZtlCx2B3T7BZ41XqA



Capa do LP "Bairro do Amor", de Jorge Palma (Philips/Polygram, 1989)
Pintura e grafismo – Valente Alves



Capa da compilação em CD "Dá-me Lume: O Melhor de Jorge Palma" (Mercury/Universal Music Portugal, 2000)

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Outros artigos relacionados com a crónica de Fernando Alves na Antena 1:
Galandum Galundaina: "Chin Glin Din"
"Sons d'Outrora" em viola da terra, por Miguel Pimentel
Vitorino: "Moças de Bencatel" (Conde de Monsaraz)
Teresa Silva Carvalho: "Barca Bela" (Almeida Garrett)
António Borges Coelho: "Sou Barco"
Celeste Rodrigues: "Chapéu Preto"
Sérgio Godinho: "Tem Ratos"
Ruy Belo: "E Tudo Era Possível", por Nicolau Santos
Jacques Brel: "J'Arrive"
A tristeza lusitana
Segréis de Lisboa: "Ay flores do verde pino" (D. Dinis)
Manuel D'Oliveira: "O Momento Azul"
Aldina Duarte: "Flor do Cardo" (João Monge)
José Mário Branco: "Inquietação"
Chico Buarque: "Bom Conselho"
Teresa Paula Brito: "Meu Aceso Lume - Meu Amor" (Maria Teresa Horta)
Adriano Correia de Oliveira: "Pensamento" (Manuel Alegre)
Fausto Bordalo Dias: "Comboio Malandro" (António Jacinto)
Grupo Coral "Os Ganhões de Castro Verde" com Luiz Avellar: "As Nuvens Que Andam no Ar"
Amélia Muge: "Ai, Flores"
Afonso Dias: "Os Amigos" (Camilo Castelo Branco)
Pedro Barroso: "Barca em Chão de Lama"
António Gedeão: "Poema do Coração"
Reinaldo Ferreira: "Quero um cavalo de várias cores"
Chico Buarque: "Construção"
João Afonso: "Tangerina dos Algarves"
Joan Manuel Serrat: "Cantares" (Antonio Machado e Joan Manuel Serrat)
Belaurora: "Lamento do Camponês" (Popular e Onésimo Teotónio Almeida)
Manuel Freire: "Fala do Velho do Restelo ao Astronauta" (José Saramago)
João Afonso: "O Som dos Sapatos"
Fernando Pessoa: "Tenho dó das estrelas"
Carlos Mendes: "Alcácer Que Vier" (Joaquim Pessoa)
Janita Salomé: "Cerejeira das cerejas pretas miúdas" (Carlos Mota de Oliveira)
Mário Moita: "Senhora Cegonha"
Políbio Gomes dos Santos: "Poema da Voz Que Escuta", por Maria Barroso
Pedro Barroso: "Nasce Afrodite, amor, nasce o teu corpo" (José Saramago)
Bugalhos: "Carvalho Grande"
Eugénio de Andrade: "As Mães"
Cana rachada d'Azambuja
Janita Salomé: "Na Palestina"
Natália Correia: "Queixa das Almas Jovens Censuradas"
José Afonso: "Ali Está o Rio"

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