(in https://elpais.com/)
«Em Arlanza, perto de Burgos, há um ninho de cegonha que se tornou viral na internet. O jornal "El País" mostra-nos hoje essa engenhosa construção que não desmerece de outras mais famosas, como a máquina voadora de Da Vinci que, aliás, se inspirou nos movimentos de aves e de morcegos.
Esta construção de um ninho tão alto e altivo, dois metros de ninho numa vertical sem mácula sobre a ruína de um antigo casinhoto usado, em tempos, na captação de água de um poço, tão inclinado já que ameaça ruir, é um hino à geometria e às técnicas mais apuradas dos arquitectos projectistas.
A repórter Esther Sánchez conta que o proprietário do terreno teve de escorar a pequena casa em ruína, essa sim ameaçando tombar. Sou levado a pensar que o dono do terreno tenta retardar o desabamento da casa inclinada em ruína para salvar a construção vertical da cegonha. O ninho que se transformou em torre com uma cegonha vigiando lá no alto, deve pesar à volta de uma tonelada e faz com a casa inclinada sobre a qual assenta um ângulo agudo ainda bastante aberto, mas crítico. Ao defender este equilíbrio precário, o proprietário revela não ser obtuso.
Esta cegonha assim instalada na chaminé matinal de onde observo os dias haveria de ganhar a simpatia de Siza Vieira, se lhe dessem a ver estas imagens do "El País". Ave construtora em altura, este seu projecto de casa com terraço ajuda-me a perceber que os velhos camponeses da Beira chamassem "cegonhas" aos engenhos com que tiravam água dos poços para regar as hortas.
E reconduz-me a um dos poemas arábico-andaluzes de Herberto Helder, que assim se refere à cegonha: "Emigrante de outras terras, que anuncia o tempo, / que desdobra as asas de ébano, e despe o corpo de marfim, e ri claro com / bico de sândalo".
O proprietário do terreno conta que a torre-ninho está a vinte metros da estrada e que muitos interrompem a viagem para a fotografar.
No primeiro dia em que foi à horta semear batatas, ele viu a cegonha. Diz acreditar na arte engenheira das aves com as quais estabeleceu uma relação de estima. Está preocupado com a possibilidade de, nos próximos tempos, as cegonhas passarem dificuldades com a alimentação, porque "o rio leva muita água e elas não podem apanhar nem rãs nem peixes que são levados pela corrente". Por isso, conta ainda o agricultor, "seguem mais vezes o tractor, quando semeamos as batatas, e apanham minhocas e outros vermes que vêm à superfície".
Assim se garante o equilíbrio, mesmo se instável.» [Fernando Alves, "Um hino à construção e à geometria", in "Os Dias que Correm", 16 Mai. 2025]
Sendo uma cegonha a protagonista da bela história-crónica com que Fernando Alves presenteou o seu fiel auditório, era de bom-tom que a rematá-la, aquando da radiodifusão hoje de manhã, surgisse uma gravação da ternurenta cantiga popular alentejana "Senhora Cegonha" – por exemplo, a que foi feita pelo músico reguenguense Mário Moita para o álbum "Alentejo ao Piano" (2014). Aqui a deixamos para fruição dos estimados visitantes do blogue "A Nossa Rádio" e como exemplificação de mais uma imperdoável omissão da Antena 1 na prestação de serviço público aos ouvintes/contribuintes. Boa escuta!
Senhora Cegonha
Letra e música: Popular (Alentejo)
Intérprete: Mário Moita* (in CD "Alentejo ao Piano", DistriRecords, 2014)
[instrumental]
Lá traz a Cegonha
No bico o raminho;
De meia encarnada,
Vem dando chegada
Ao seu velho ninho.
Senhora Cegonha,
Como tem passado?
Não há quem a veja
Voar p'rá igreja,
Poisar no telhado.
No seu velho ninho,
Ponha ovos, ponha!
Que seja bem-vinda!
Branquinha, tão linda,
Lá vem a Cegonha.
Em chegando Agosto,
O bando levanta
Anunciando a hora
De se ir embora;
Leva a meia branca.
[instrumental]
Senhora Cegonha,
Como tem passado?
Não há quem a veja
Voar p'rá igreja,
Poisar no telhado.
No seu velho ninho,
Ponha ovos, ponha!
Que seja bem-vinda!
Branquinha, tão linda,
Lá vem a Cegonha.
Em chegando Agosto,
O bando levanta
Anunciando a hora
De se ir embora;
Leva a meia branca. [bis]
* Mário Moita – voz e piano
Herlander Medinas – contrabaixo
URL: https://mariomoita.com/
https://www.facebook.com/MarioMoitaOficial/
https://www.youtube.com/@mariomoita
https://music.youtube.com/channel/UCIJwGifHCoClcYHJW7caQZg
Capa do CD "Alentejo ao Piano", de Mário Moita (DistriRecords, 2014)
Design gráfico – Poder das Ideias, Lda.
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