
Mais conhecida como uma das autoras do livro "Novas Cartas Portuguesas" (1972), que escandalizou o sexista e moralmente hipócrita Estado Novo, Maria Teresa Horta não logrou obter, em vida, a devida e merecida projecção como poetisa (era assim, com o substantivo feminino, que ela gostava de ser tratada, tal como, aliás, a sua amiga Natália Correia), apesar do reconhecimento recebido da crítica e dos seus pares patente nos galardões literários com que foi distinguida.
Assinalamos este dia que seria o do seu 88.º aniversário, se a Morte a não tivesse levado em Fevereiro passado, dando realce ao poema "Auto-Retrato", primeiramente publicado no livro "Inquietude" (Vila Nova de Famalicão: Edições Quasi, 2006) e que foi um dos cinco que ela seleccionou da sua vasta produção para figurarem, ditos por si própria, na antologia colectiva "A Voz dos Poetas" (2017), editada pela Ovação sob o alto patrocínio da Sociedade Portuguesa de Autores, presidida por outro poeta, José Jorge Letria.
A melhor maneira de honrar a memória de um(a) poeta/poetisa é – e será sempre – ler e/ou ouvir a sua poesia, bem como dá-la a ouvir, até como estímulo à leitura. Ora a rádio é, muito mais do que a televisão, o meio que serve por excelência esse nobre propósito de dar a ouvir poesia a um público alargado, boa parte do qual não tem hábitos de leitura. De entre os três canais nacionais da rádio estatal, a Antena 2 é o único que presentemente dá guarida à poesia. Mas não tem de ser assim: nas Antenas 1 e 3 também pode e deve haver lugar para a poesia, e sem que tal tenha forçosamente de se repercutir nos orçamentos desses canais. Basta fazer o uso do rico espólio poético guardado no arquivo histórico e, complementarmente, de edições discográficas, como aquela de que nos socorremos para esta singela homenagem à autora de "Minha Senhora de Mim".
AUTO-RETRATO
Poema de Maria Teresa Horta (in "Inquietude", Vila Nova de Famalicão: Edições Quasi, 2006; "Poesia Reunida", Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2009 – p. 757-758)
Recitado pela autora* (in livro/CD "A Voz dos Poetas", Sociedade Portuguesa de Autores/Ovação, 2017)
Eu sou outra em mim mesma
e sou aquela
Sou esta
dançando sobre as lágrimas
Sou o gozo
no gosto de ser espelho
e me faz multiplicar em todo o lado
Eu sou múltipla
veneno em minha veia
Estrangeira
rasgando o seu passado
Sou cruel
dúplice e sedenta
mil vezes morri no desamparo
Eu sou esta que nego
e a outra onde me afirmo
faço nela e naquela o meu retrato
E se na história desta me confirmo
na vida da outra não me traio
Feita de ambas à beira do abismo
sou a mesma mulher nascida em Maio
* Maria Teresa Horta – voz
URL: https://www.facebook.com/Maria-Teresa-Horta-P%C3%A1gina-Oficial-163002943815613/
http://livro.dglab.gov.pt/sites/DGLB/Portugues/autores/Paginas/PesquisaAutores1.aspx?AutorId=10201

Capa do livro "Inquietude", de Maria Teresa Horta (Vila Nova de Famalicão: Edições Quasi, Dez. 2006)
Reprodução parcial do quadro "Lady Lilith" (c.1868), de Dante Gabriel Rossetti [>> imagem integral]

Capa do livro "Poesia Reunida", de Maria Teresa Horta, pref. Maria João Reynaud (Lisboa: Publicações Dom Quixote, Fev. 2009)
Capa do livro/CD "A Voz dos Poetas" (Sociedade Portuguesa de Autores/Ovação, 2017).
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Outros artigos com poesia de Maria Teresa Horta:
Dialecto: "Instrumentos de Trabalho" (Maria Teresa Horta)
Maria Teresa Horta: "Mulher-Poetisa"
Teresa Paula Brito: "Meu Aceso Lume - Meu Amor" (Maria Teresa Horta)
Maria Teresa Horta: "Minha Senhora de Mim" e "O Corpo"
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