22 setembro 2024

Maria da Glória: "Tarde de Outono"


Alexi Zaitsev, "Fresh Breeze" ("Brisa Fresca"), 2008, óleo sobre tela, 60 x 50 cm
(in http://artrussia.ru/en/alexi_zaitsev/picture/4450)


A circunstância de o Outono de 2024 ter chegado ao início da tarde (12h:44, UTC / 13h:44, hora de Portugal Continental), na presente data, e de as condições meteorológicas/climáticas terem mudado repentinamente, passando de canícula (que favoreceu os devastadores e fatídicos incêndios na Região Norte) para céu nublado, chuva e temperaturas mais próprias da estação outonal, deu-nos o bom pretexto para resgatarmos a belíssima canção "Tarde de Outono", na cativante voz de Maria da Glória, que trata precisamente do surgimento abrupto de um temporal vespertino numa praia até aí nimbada por uma «imensidão de azul» em que, subentende-se, mar e céu se confundiam sob um sol radioso – adversidade essa que acaba por perder importância para a observadora ante a aparição (inesperada) do homem amado naquela praia que ficou deserta apenas para eles dois. A letra e a música, notavelmente inspiradas, têm a assinatura do elvense Francisco Veredas Bandeiras, mais conhecido por Paco Bandeira, tendo Jorge Machado ficado com a responsabilidade da orquestração, que a impregnou de tocante e contagiante nostalgia, como se impunha, conferindo a este espécime um raro e particular encanto.
Natural de Montemor-o-Novo, onde veio ao mundo a 21 de Março de 1944, Maria da Glória, graças às suas invulgares qualidades canoras, alcançou assinalável reconhecimento público nas décadas de 1960 e 70, mas é actualmente um nome muito pouco evocado sendo a sua obra bastante desconhecida, sobretudo dos menos veteranos. O escrevente destas linhas confessa que só a descobriu quando escutou a sua versão da canção "Canta, Camarada, Canta" (letra de autoria anónima / música de José Afonso) incluída na compilação "Aromas de Abril" (Edições Valentim de Carvalho/iPlay, 2010). Ficou então com muita vontade de ouvir mais da talentosa intérprete mas viu-se impossibilitado de satisfazer esse desejo porque a sua discografia estava ainda por reeditar. Teve de esperar até 2021, ano em que a empresa Edições Valentim de Carvalho resolveu, finalmente, disponibilizar nas plataformas de 'streaming' o repertório que Maria da Glória havia gravado para a casa, no qual se conta esta maravilhosa "Tarde de Outono" que será, assim acreditamos, uma extraordinária descoberta para a maioria dos visitantes do blogue "A Nossa Rádio". Boa escuta!

Tendo em conta que a edição de música em Portugal, hoje em dia, já não passa necessariamente, como era usual até há meia dúzia de anos, pelo suporte CD, sendo cada vez mais frequente a edição digital simples ou acompanhada de LP, a Antena 1 passou – e bem – a não fazer depender a divulgação de música portuguesa da sua publicação em CD-Áudio. Ora estando presentemente parte da produção fonográfica de Maria da Glória disponível em áudio digital, não é razoável nem tolerável que seja ignorada por quem superintende/administra a 'playlist' do canal generalista da estação pública que, por sinal, até se vangloria de ser «uma rádio com memória».



Tarde de Outono



Letra e música: Paco Bandeira (Francisco Veredas Bandeiras)
Arranjo: Jorge Machado
Intérprete: Maria da Glória* (in single "Tarde de Outono", Decca/VC, 1972; reed. digital: Edições Valentim de Carvalho, 2021)




[vocalizos / instrumental]

Foi numa tarde de Outono,
Soprava o vento do sul
Nessa praia ao abandono
Numa imensidão de azul.

Nuvens negras como breu
Cobriram o céu,
Escureceram o mar;
Vento forte, solidão,
Ondas turbilhão,
Nasce o temporal.

Barcos que cedem ao vento,
Gritos dispersos, lamentos;
Foi sinfonia
Que o vento inventou,
Na praia vazia
Nem um ser ficou.

[vocalizos / instrumental]

Quando te vi, eu pensei
Que era uma visão
Perdida do Além;
Era, porém, uma estrela
Rasgando horizontes,
Criando outro céu.

Barcos que cedem ao vento,
Gritos dispersos, lamentos;
Foi sinfonia
Que o vento inventou,
Na praia vazia
Nem um ser ficou.

[vocalizos / instrumental]


* Maria da Glória – voz
Orquestra dirigida por Jorge Machado
URL: https://festivaiscancao.wordpress.com/2020/10/08/em-homenagem-a-maria-da-gloria-1-biografia-resumida-e-discografia/
https://soundcloud.com/mariadagloria
https://music.youtube.com/channel/UC81Y8CMa4fKLk4E2sbIzCBg



Capa do single "Tarde de Outono", de Maria da Glória (Decca/VC, 1972).

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Outros artigos com repertório alusivo ao Outono:
Celebrando Maria Teresa de Noronha
Max: "Outono na Cidade"
Jorge Cravo: "Outono à Beira-Rio"
Diabo a Sete: "Outono Embargado"
José Medeiros: "Outono Adiado"
Aníbal Raposo: "Balada de Outono" (Álamo Oliveira)
Silvestre Fonseca: "Balada de um Outono"

17 setembro 2024

Galandum Galundaina: "Chin Glin Din"


Galandum Galundaina, com a formação de 2005: (da esquerda para a direita) irmãos Meirinhos (Manuel, Alexandre, Paulo) e Paulo Preto.


A crónica "Sinais", que Fernando Alves manteve na TSF-Rádio Jornal durante largos anos, tinha, além das lúcidas e nutritivas palavras em voz própria do distinto radialista, um atractivo suplementar: o ser rematada com uma peça musical (geralmente canção) tematicamente relacionada com o assunto tratado. Ontem, a imperdível crónica de Fernando Alves voltou à rádio, agora na Antena 1, sob o título "Os Dias que Correm" (e aproveitamos para manifestarmos o nosso contentamento por isso). O tema abordado na edição de hoje (radiodifundida antes das 09h:00 da manhã) foi o mirandês, assinalando o 26.º aniversário do reconhecimento pela Assembleia da República daquele idioma como uma das duas línguas oficiais de Portugal [>> RTP-Play]. E Fernando Alves termina a sua crónica com as seguintes palavras: «... não darei o dia por terminado sem escutar os Galandum Galundaina». Ora a exemplo do que acontecia na TSF, o escrevente destas linhas estava mesmo à espera que viesse logo a seguir uma canção do referido grupo, por exemplo, "Chin Glin Din", a qual, com toda a certeza, faria as delícias de (quase) todos os ouvintes. Mas não. Nada! O locutor de serviço, um tal Ricardo Soares, começa de imediato e secamente a debitar a costumeira e enfadonha ladainha das temperaturas previstas para todas as capitais de distrito de Portugal. Suspeitamos que se for interrogado do motivo de não ter transmitido uma canção dos Galandum Galundaina, como seria de bom-tom, se irá desculpar com a falta de tempo para tal. Mas tempo havia: bastaria passar a crónica mais cedo, nem que tivesse de 'sacrificar' a canção dos Sitiados que transmitiu imediatamente antes e que nada tinha a ver com o mirandês. Fica, pois, expresso o nosso pedido de que, doravante, haja o bom senso e o bom gosto de dar remate musical à crónica de Fernando Alves, e aí o mais recomendável mesmo será o próprio cronista indicar o espécime a transmitir.



Chin Glin Din



Letra e música: Tradicional (Duas Igrejas, Terra de Miranda, Trás-os-Montes e Alto Douro)
Informante: Emerência Rodrigues
Recolha: Pablo Madrid Martín, Alberto Jambrina Leal, José Manuel González Matellán, com a colaboração de António Maria Mourinho e José Maria dos Reis (in LP "Terra de Miranda", Série "Musica Tradicional", Vol. 6, Saga, 1987, reed. Tecnosaga/Mundo da Canção, 1997)
Intérprete: Galandum Galundaina* (in CD "Modas i Anzonas", Açor/Emiliano Toste, 2005)




[instrumental]

Indo you pa la mie arada
Atrás de las mies chabacas,
      Cun l chin glin din glin dina,
      Cun l chin glin din glan daba,
      Cun l chin glin din glin dina
      Se m'olbidou la guelhada.
You birei atrás pur eilha
I achei la puorta cerrada.
      Cun l chin glin din glin dina,
      Cun l chin glin din glan daba,
      Cun l chin glin din glin dina
      Se m'olbidou la guelhada.

Quei ye aquilho, mulhier,
Que stá debaixo de la nuossa cama?
      Cun l chin glin din glin dina,
      Cun l chin glin din glan daba,
      Cun l chin glin din glin dina
      Se m'olbidou la guelhada.
Ye l gato de l cumbento
Que ben pa la nuossa gata.
      Cun l chin glin din glin dina,
      Cun l chin glin din glan daba,
      Cun l chin glin din glin dina
      Se m'olbidou la guelhada.

Trai la scupeta, mulhier,
Que l'heide dar ua scupetada!
      Cun l chin glin din glin dina,
      Cun l chin glin din glan daba,
      Cun l chin glin din glin dina
      Se m'olbidou la guelhada.
Nun hagas isso, marido,
Que çcunjuntas la cama!
      Cun l chin glin din glin dina,
      Cun l chin glin din glan daba,
      Cun l chin glin din glin dina
      Se m'olbidou la guelhada.

[instrumental]

      Cun l chin glin din glin dina,
      Cun l chin glin din glan daba,
      Cun l chin glin din glin dina
      Se m'olbidou la guelhada.


Nota: «Ye un rimance de l que hai muitas bersones an toda la Península Eibérica. Trata la stória de la mulhier anfiel, neste causo cul Cura de l Cumbento. Era ua moda cantada ne ls filadouros que se fazíen ne l fin de brano, al redor dun lhume, a la puorta de casa donde ls bezinos s'ajuntában para cardar i filar la lhana, malhar, spadelar i filar l lhino. Nestes ajuntamentos çfilaba-se un sien fin de cuontas, adebinas, lhonas, ouraçones, modas, perrices... Las cantigas de ls flladouros eran de ritmo algo más lento dado pul trabalho de malhar, spadelar i cardar.» (Galandum Galundaina).

* L grupo Galandum Galundaina ye:
Alexandre Meirinhos – caixa, bombo, cântara, tamboril, chacalacas, colheres, pandeireta, charrascas, chocalhos, çaranda, boç (solo an "Chin Glin Din")
Manuel Meirinhos – fraita pastoril, cântara, tracanholas, boç
Paulo Meirinhos – bombo, gaita galhega, pandeireta, castanholas, triânglo, garrafa, boç
Paulo Preto – gaita mirandesa, çanfona, fraita pastoril, boç

Produçon i amanhos – Galandum Galundaina
Crabaçon i masterizaçon – Emiliano Toste (Estúdio Toste, São Mamede de Infesta)
Mistura – Emiliano Toste i Galandum Galundaina
URL: http://www.galandum.co.pt/
https://www.facebook.com/GalandumGalundaina
https://soundcloud.com/galandum-galundaina/tracks
https://www.youtube.com/user/galandumgalundaina/videos
https://www.youtube.com/user/DoTempoDosSonhos/videos?query=galandum+galundaina
https://music.youtube.com/channel/UCoUnzR-rCsG8V9K1wVKQLxA



Capa do LP "Terra de Miranda", Série "Musica Tradicional", Vol. 6 (Saga, 1987)
Fotografia e grafismo – Roberto Ramos Blanco



Capa do CD "Modas i Anzonas", do grupo Galandum Galundaina (Açor/Emiliano Toste, 2005)
Desenho gráfico – José Meirinhos