02 novembro 2024
José Pracana: "Lenda das Rosas" (João Linhares Barbosa)
Quando se alude a lendas associadas a rosas, a que surge mais de imediato na mente de maior número de pessoas é, muito provavelmente, aquela em que foi protagonista a esposa do rei D. Dinis, D. Isabel de Aragão, posteriormente mais conhecida como Rainha Santa Isabel. Entre os fadistas, outra lenda sobre rosas de feição bem diferente tem sido muito cultivada e objecto de múltiplas gravações (por Frei Hermano da Câmara, José Pracana, Mariette Pessanha, Maria Leopoldina Guia, Nuno da Câmara Pereira, etc.). A de José Pracana, publicada no EP homónimo, em 1972, é a que mais nos cativa e, por isso, sobre ela recaiu a nossa escolha para assinalar este Dia de Finados. Porém, sem intentos de proselitismo religioso e tentando não cair no lúgubre e tétrico, pois é mesmo uma bela e poética história de amor no Além-Morte a que se conta nas quatro décimas glosando uma quadra-mote, admiravelmente concebidas por João Linhares Barbosa, sem dúvida alguma um dos maiores poetas do Fado.
Dando destaque a esta tocante e romântica "Lenda das Rosas" (brancas e vermelhas) queremos também render homenagem, ainda que singela, ao distinto guitarrista e cantador açoriano (micaelense) José Pracana (1946-2016), que se devotou de alma e coração ao Fado e a quem devemos, além dessa notável contribuição artística, o avalizado trabalho de curadoria das compilações em CD "Biografia do Fado" (EMI-VC, 1994) e "Biografia da Guitarra" (EMI-VC, 2005), e, igualmente, da série discográfica "Biografias do Fado" (EMI-VC, 1997, 1998, 2004) consagrada a fadistas de renome, entre os quais Alfredo Marceneiro, Maria Teresa de Noronha, Lucília do Carmo e Max, assim como da avultada edição "Um Século de Fado" (Ediclube, 1999), constituída por 33 CDs, videogramas e livros.
Esta "Lenda das Rosas", na voz de José Pracana, foi um das muitas pérolas do Fado que Edgar Canelas levou à sua rubrica "Alma Lusa" [>> RTP-Play] que se manteve na grelha da Antena 1, de segunda a sexta-feira, durante quase 10 anos (desde Novembro de 2005 até Setembro de 2015). Rui Pêgo tomou a decisão de suprimi-la, com o argumento de alegada redundância por haver um programa alargado consagrado ao fado, "Alma Lusa (Fim-de-Semana)", emitido depois da meia-noite de domingo, e também por o género estar representado na 'playlist'. A justificação era, evidentemente, falaciosa porque o fado tinha (e ainda tem) uma presença bastante residual na 'playlist', e o programa referido peca por ter um horário que nem todos podem praticar. Um apontamento de fado com notas informativas e de contextualização (a pensar sobretudo nos ouvintes menos iniciados no género) e transmitido em vários momentos do dia, longe de ser redundante, constitui uma real mais-valia na programação do canal generalista da estação pública de rádio, pelo que se impõe que regresse à antena. Estamos em crer que Edgar Canelas, se desafiado a retomar a rubrica "Alma Lusa", encarará tal missão com o mesmo entusiasmo e dedicação.
Lenda das Rosas
Letra: João Linhares Barbosa
Música: Popular e Maria Teresa de Noronha (Fado da Horas)
Arranjo: José Pracana
Intérprete: José Pracana* (in EP "Lenda das Rosas", Parlophone/VC, 1972; 2CD "Biografia do Fado": CD 2, EMI-VC, 1994)
[instrumental]
Na mesma campa nasceram
Duas roseiras a par;
Conforme o vento as movia,
Iam-se as rosas beijar.
Deu uma rosas vermelhas,
Desse vermelho que os sábios
Dizem ser a cor dos lábios
Onde o amor põe centelhas;
Da outra, gentis parelhas
De rosas brancas vieram;
Só nisso diferentes eram,
Nada mais as diferençou:
A mesma seiva as criou,
Na mesma campa nasceram.
Dizem contos magoados
Que aquele triste coval
Fora leito nupcial
De dois jovens namorados,
Que no amor contrariados
Ali se foram finar,
E continuaram a amar
Lá no Além, todavia:
E por isso ali havia
Duas roseiras a par.
A lenda simples, singela,
Conta mais: que as rosas brancas
Eram as mãos puras, francas,
Da desditosa donzela;
E ao querer beijar as mãos dela,
Como na vida o fazia,
A boca dele se abria
Em rosas de rubra cor
E segredavam o amor,
Conforme o vento as movia.
Quando as crianças passavam
Junto à linda sepultura,
Toda a gente afirma e jura
Que as rosas brancas coravam
E as vermelhas se fechavam
Para ninguém lhes tocar;
Mas que, alta noite, ao luar,
Entre um séquito de goivos,
Tal qual os lábios dos noivos, | bis
Iam-se as rosas beijar. |
* José Pracana – voz e guitarra portuguesa
José Nunes – guitarra portuguesa
José Inácio e Segismundo de Bragança – violas
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos
Técnico de som – Hugo Ribeiro
Montagem digital (edição em CD) – Miguel Gonçalves
URL: https://www.museudofado.pt/fado/personalidade/jose-pracana
https://www.rtp.pt/rtpmemoria/gramofone/jose-pracana-por-joao-carlos-callixto_1422
https://www.publico.pt/2016/12/26/culturaipsilon/noticia/morreu-jose-pracana-um-distinto-amador-do-fado-1756120
https://www.youtube.com/@fadomeu/videos?query=jose+pracana
https://www.youtube.com/@MikeFadoEtc/videos?query=jose+pracana
Capa do EP "Lenda das Rosas", de José Pracana (Parlophone/VC, 1972)
Fotografia – L. Lourenço
Capa da compilação em duplo CD "Biografia do Fado", organizada por José Pracana e David Ferreira (EMI-VC, 1994)
Ilustração – Stuart Carvalhais
Design gráfico – Fátima Rolo Duarte, com Paulo Faria.
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