[Excerto de LUGAR AO SUL - Rafael Correia / Pastor José Lança]
Alberto Ramos (AR) – O moural do gado observa, devagar, o longe. Como sempre fez... Tudo é sossego: ovelhas e cães e terra. O pastor gosta assim da Natureza, a amanhecer, sem sobressalto. (Já lhe basta a noite, em que a zorra espreita o rebanho e não o deixa dormir a sono solto…)
Mas ele que aprecia a Natureza plena! - O cantar do alcaravão e da perdiz e da raposa. Ah, a inteligência da raposa!...
Então, imita-lhes as vozes, na perfeição.
[Excerto de LUGAR AO SUL - Rafael Correia / Pastor José Lança]
Isabel Bernardo (IB) – Este é um som que faz parte do mágico património dos sons da Radiodifusão Portuguesa. O som de uma simples conversa entre duas pessoas, conversas de que são normalmente feitos alguns dos mais notáveis Programas transmitidos na Antena 1, na Antena 2 e na RDP Internacional.
José Nuno Martins (JNM) – Os Ouvintes do Serviço Público habituaram-se há muito tempo a reconhecer o estilo especial de Rafael Correia. E de cada vez que surgem inovações na Programação, um grupo de fiéis seguidores das caminhadas e das paragens do "andarilho da Rádio" faz chegar sinais de inquietação quanto ao destino do Programa, que – ao longo de 25 anos – em diversas ocasiões, já foi alongado e reduzido na sua dimensão, já por várias vezes deslizou no horário de transmissão...
IB – Agora "Lugar ao Sul" dispõe de uma diversificada grelha de emissão: além de uma hora semanal na Antena 1, aos Sábados às 9 da manhã – que é repetida no mesmo dia na RDP Internacional às 16:07, este mesmo Programa é novamente apresentado na Um, à meia-noite e 12 de Terça-feira.
AR – Uma segunda hora de emissão é também emitida na Antena 2, às 13:07 de Sábado (ou seja, precisamente à mesma hora em que é estreado o Programa do Provedor do Ouvinte na Antena 1), sendo repetida às 17.00 na RDP Internacional.
JNM – Ainda bem que assim é. Um Programa destes não pode terminar nunca e, pelo contrário, deve ser celebrado por quem o transmite e por quem o ouve. Uma Estação que – no século XXI – disponha de um Profissional que apenas gosta de fazer a Rádio "a pé" é certamente, uma Estação privilegiada, escreveu um Ouvinte. E tem razão: "Lugar Ao Sul" é um dos mais evidentes Sinais de Excelência do Serviço Público de Radiodifusão.
AR – Um homem, vestido simplesmente e hoje com um pequeno gravador digital no bolso – um Homem da Rádio – sai da auto-estrada. Toma vias secundárias, apanha estradões municipais e, às vezes deixando o carro debaixo de uma árvore, aventura-se a pé pela serra abaixo ou ao longo de um ribeiro. Por caminhos sem alcatrão nem sinais, sobre lama e debaixo de chuva, ou ao sol abrasador de Alentejos e Algarves, aos ventos do Nordeste, ou à mansidão das Beiras.
IB – Hoje mais concentrado no Sul, em 25 anos o Mestre da Rádio a pé já andou por esses montes e vales do país inteiro. Já meteu conversa nas ilhas dos Açores e da Madeira e até já foi atrás de bordados à moda de Viana em terras do Magreb.
AR – Sabe sempre quem procura, este Homem do Gravador: procura gente simples, isolada no seu mundo isolado. Um pastor. Uma bordadeira. Um salineiro...
IB – Nunca os viu antes. Nem os conhece. Mas alguém lhe terá dito que eram gente especial. E, sempre alheio a dificuldades e lonjuras, sempre arisco a honrarias ou protagonismos mediáticos, o Homem do Gravador avança persistentemente no seu próprio caminho.
JNM – Mais nenhum Programa é como este, na Rádio em Portugal. É um Programa único, em que há 25 anos ficamos presos ao Homem do Gravador a conversar com pessoas que não conhece.
[Excerto de LUGAR AO SUL - Rafael Correia / Dona Inês, bordadeira de Peroguarda, concelho de Ferreira do Alentejo]
«Um dia te visitou
sem rodeios sem enganos
amou os alentejanos
e foi aqui que ficou
depois de ter percorrido
tanta beleza que existe
foi aqui que se prendeu
amou até que morreu
e quem ama não desiste
escondeu-se na terra fria
deste chão alentejano
sepultado muito a sós
mas permanece entre nós
o seu nome soberano
por isso, no teu cantar
Peroguarda, sim, promete
recordar com saudade
e honrar com dignidade
Michel Giacometti»
(Dona Inês, bordadeira de Peroguarda, onde está sepultado Michel Giacometti)
JNM – Rafael Correia tem a arte de ouvir porque sabe falar com quem fala. Ajusta-se a cada registo. Compreende cada silêncio. Respeita cada diferença. E sobretudo, ajuda-nos a imaginar onde estamos, com quem estamos e como estamos ali,... em cada um daqueles cenários de Rádio, feitos de sons da natureza ou da família,... em qualquer conversa nas quais nos transporta – com a fartura de simples advérbios de tempo, de lugar, de modo e de quantidade (tão significativos como os silêncios), como se todos os que o ouvem à conversa, estivessem também a ver aquele filme de Rádio…
[Excerto de LUGAR AO SUL - Rafael Correia / Salineiro, Castro Marim]
JNM – Se ele quisesse, se ele deixasse, a sua vida dava um filme. Mas hoje não é ainda o momento de contar a sua incrível história. Quero apenas reflectir como Provedor, a intensa admiração que os Ouvintes sentem por este devotado Homem da Rádio e, sobretudo pelos exemplos que resultam dessa sua devoção.
Repito por isso, o que já disse: "Lugar Ao Sul" de Rafael Correia é um Sinal de Excelência do Serviço Público de Radiodifusão. [José Nuno Martins, in "Em Nome do Ouvinte", 25-11-2006]
Aplaudo efusivamente José Nuno Martins pelo destaque alargado que achou por bem dedicar ao programa "Lugar ao Sul" e ao seu autor, o carismático Rafael Correia, passados que já são 25 anos de emissões. Em rádio, um programa durar um quarto de século é uma raridade e neste caso a proeza deve-se inteiramente ao cunho magistral e inimitável de Rafael Correia, e que os seus ouvintes apreciam, admiram – e não dispensam. Na verdade, para muitos ouvintes (eu incluído) tornou-se um ritual litúrgico, aos sábados de manhã, ficar com o ouvido colado ao rádio a sorver as histórias, as músicas, as poesias, os adágios, os romances, os cantos e cantilenas, as lengalengas... com que Rafael Correia constrói retratos sonoros de uma beleza inaudita do Portugal profundo na sua vertente mais genuína mas esquecida e menosprezada pelos media e pelos poderes instituídos. Citando Manuel Pinto, professor do Departamento de Comunicação da Universidade do Minho, «Rafael Correia é daqueles que, de forma discreta e persistente, acham que mais vale acender uma luz do que maldizer a escuridão.»
Lamentavelmente, nem todas as pessoas que têm passado pela direcção de programas da RDP-Antena 1 têm tido a clarividência de reconhecer isso mesmo e de tratar o programa como ele efectivamente merece. Desde a colocação em horários esconsos a amputações no tempo de emissão, vários têm sido os atropelos de que o "Lugar ao Sul" foi alvo durante o seu percurso na Antena 1, isto para já não falar numa real ameaça do cutelo que há uma série de anos pendeu sobre o programa e que só não se concretizou devido à forte contestação dos ouvintes. Por tudo isto, o enaltecimento que, em boa hora, o Provedor do Ouvinte faz do "Lugar ao Sul" e de Rafael Correia (aliás, já distinguido com um Prémio Gazeta de Mérito) vem completamente ao encontro do sentir do seu vasto e fiel auditório, auditório esse que desde meados de 2004 se tem dirigido insistentemente aos responsáveis da RDP (direcção e administração), mas que tem recebido como resposta a indiferença e o autismo. Embora a situação actual não seja a ideal, há que reconhecer que ultimamente o programa tem merecido uma maior consideração. Agora espero que o actual director de programas, Rui Pêgo, e os que se seguirem não voltem a cometer os erros e arbitrariedades usuais e que deixem o "Lugar ao Sul" prosseguir o seu caminho sem obstáculos porque é isso, afinal de contas, o que os seus ouvintes desejam.
À parte os horários e os tempos de emissão, existem outros aspectos aos quais é importante prestar atenção, e de que, aliás, já tive o cuidado de repetida e enfaticamente dar conta às cúpulas da RDP em diversas cartas e exposições. Refiro-me à área geográfica em que Rafael Correia incide as suas recolhas e à importante questão do espólio sonoro e da sua acessibilidade e fruição. Quanto ao primeiro ponto, constata-se que nos últimos anos, Rafael Correia se tem confinado ao Algarve e ao Baixo Alentejo, ao contrário do que era habitual pois o Alto Alentejo, o Ribatejo e a Península de Setúbal eram regularmente visitados pelo andarilho da rádio. E, como muito bem referiu José Nuno Martins, as regiões a norte do Tejo e, inclusive, os arquipélagos atlânticos já foram calcorreados por Rafael Correia, creio que com o maior prazer e agrado da sua parte e não apenas em cumprimento de ordens vindas de cima. Assim sendo, presumo que não foi por sua vontade que deixou de fazer incursões fora do extremo sul de país, mas muito provavelmente por falta de meios financeiros postos à sua disposição (designadamente para combustível e outras despesas inerentes à deslocação). Sei que muitos ouvintes aceitariam de bom grado o alargamento da incidência geográfica das recolhas e, nessa medida, volto a formular este pedido à direcção e à administração da RDP no sentido de podermos voltar a contar com emissões de um Lugar ao Sul (do rio Minho). Acresce ainda que se reveste de relevante importância que o espólio do "Lugar ao Sul" fique com uma melhor representatividade de outras áreas geográficas, além do Algarve e do Baixo Alentejo, porque dentro de poucas décadas todo esse material vai revelar-se precioso para se conhecer boa parte da cultura popular portuguesa que irremediavelmente irá desaparecer. Portugal, ainda tem uma tradição oral muito rica e diversa que importa divulgar para que seja conhecida. Porque só se ama o que se conhece! E o património que assenta na transmissão oral só sobreviverá se as novas gerações lhe prestarem atenção e o valorizarem. A rádio pode dar um importante contributo nesse sentido. Quem melhor que Rafael Correia para o fazer? Além do mais, o "Lugar ao Sul" é, de entre os programas com apontamentos captados no exterior, um dos mais baratos porque feito do início ao fim por uma única pessoa, quer dizer, bem diferente dos programas feitos com uma equipa de produção e com um certo aparato de meios técnicos e logísticos. E como a rádio é por natureza efémera, o orçamento disponível para a produção de programas deve ser preferencialmente direccionado para aqueles que sendo formativos e agradáveis de ouvir no momento em que são emitidos também tenham a peculiaridade de serem documentos com interesse cultural e histórico, para memória futura. Ora o "Lugar ao Sul" insere-se indiscutivelmente nessa categoria de programas e embora seja feito propositadamente para a rádio, e sem as preocupações científicas da recolha etnomusicológica, nem por isso deixa de ter um importante valor cultural e científico.
E isto remete imediatamente para a relevante questão do acervo fonográfico, pelo que se torna imperioso proceder à sua adequada preservação e – não menos importante – torná-lo acessível a todos os interessados, seja para trabalhos académicos nas áreas da etnologia e antropologia, seja para a pura e simples fruição auditiva. Segundo informações que me foram facultadas informalmente por fonte segura obtive a confirmação de um facto verdadeiramente inconcebível e imperdoável: o acervo do "Lugar ao Sul", no arquivo histórico da RDP, está desfalcado de boa parte dos registos dos anos 80, porque alguém teve a insana ideia de utilizar as bobinas dos programas já emitidos para efectuar outras gravações por cima, como se as recolhas de Rafael Correia não tivessem qualquer interesse para a posteridade. Sem prejuízo de se apurar e responsabilizar quem mandou executar tamanho crime de vandalismo cultural, importa agora salvaguardar o que existe e, se possível, colmatar as falhas. Sei que Rafael Correia tem o especial cuidado de guardar as gravações originais das suas recolhas, mas desconheço se ele já fez a cópia dos perecíveis registos em fita magnética para os novos suportes mais duradoiros. Em qualquer dos casos, urge que todo esse material seja digitalizado e colocado numa página da internet, e não como acontece actualmente em que, no arquivo online da RDP, apenas são disponibilizados os programas desde 28 de Abril de 2006. Se a Rádio e Televisão de Portugal não quiser alojar no seu site todo o histórico do "Lugar ao Sul", seria importante que, pelo menos, concedesse a necessária autorização a instituições científicas e académicas especialmente interessadas na matéria como, por exemplo, o IELT - Instituto de Estudos de Literatura Tradicional (Universidade Nova de Lisboa). Adicionalmente, também seria muito importante que se fizesse o lançamento de uma colecção de CDs com as recolhas mais interessantes mormente de música, poesia e romances tradicionais. Tal iniciativa teria toda a vantagem em ser levada a cabo em parceria com um jornal de circulação nacional pois assim as tiragens poderiam ser maiores, logo o preço de venda ao público mais reduzido e, consequentemente, maior o número de adquirentes.
Estou certo de que as propostas que acabo de apresentar são partilhadas por muitas pessoas desde conhecidas a anónimas. Como tal, fico na expectativa de que as mesmas sejam tomadas em consideração e não caiam, uma vez mais, em saco roto.
LUGAR AO SUL: as nossas coisas, a nossa gente... e o melhor da música e da poesia de Portugal!
RDP-Antena 1 – sábados, às 09 horas e segundas-feiras à meia-noite (reposição). Também no arquivo online.
RDP-Antena 2 – sábados, às 13 horas. Também no arquivo online.
RDP-Internacional – sábados, horário variável (reposição das emissões das Antenas 1 e 2).
Notas:
- Faço referência a um texto eloquente sobre o "Lugar ao Sul", da autoria do Prof. Manuel Pinto (Universidade do Minho), que se pode ler na página Carnet de Route d'Un Voyageur Solitaire en Algarve et Alentejo.
- A música e a poesia que marcam presença no "Lugar ao Sul" cultivam-se no Grupo de Amigos do LUGAR AO SUL. Quem desejar aderir ao grupo, e tiver dificuldade em fazê-lo por si mesmo, basta escrever para ajferreira74@gmail.com.
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