24 outubro 2006

Notas do Provedor: escolhas musicais da Antena 1

«Na semana passada, o Director de Programas explicitou a definição global estabelecida para a política musical da Antena 1 e caracterizou os módulos da Arquitectura que sustenta a Lista de Difusão.
Apresentou também alguns Gráficos, no primeiro dos quais se observa que 60% da Música que a Estação transmite é constituída por "novidades, sucessos quentes e recentes ou memórias" de Música "produzida por Músicos portugueses ou residentes em Portugal".
Também se demonstra que 12 pontos percentuais são preenchidos com Música Anglófona (no texto, designada como Anglo-saxónica).
E que entre Novidades e Apostas, a Antena 1 dispensa 18% da sua Lista de Difusão à Música mais recente.
O Director Rui Pêgo apresentou ainda na sua resposta, apenas escrita, outros Gráficos em que se desenham 3 tipologias de preenchimento musical de uma hora – aplicáveis segundo as diferentes horas do dia.
Caracterizou o trabalho do Editor Musical – o 1º responsável pelas Escolhas Musicais – assim como apresentou o currículo desse profissional e os dos restantes 3 elementos da Direcção de Antena que trabalham nesta área.
O Director de Programas informa que o Público-alvo ao qual se pretende dirigir a selecção musical que constitui a Lista "é o mesmo a que se dirige a Estação", ou seja, Publico na faixa etária dos 35 aos 54 anos. Mas não deixa de anotar que "o actual perfil etário (da Antena 1) é um pouco mais alto", sem explicitar directamente qual seja.
Mas da análise do Gráfico evolutivo que apresenta pode inferir-se que – ao contrário do que parece ser a tendência mais jovial da Música proposta pela Estação – se tem acentuado no último ano e meio a propensão para o "envelhecimento" da Audiência.
Esta constatação, apenas impressivamente analisada pode, só por si, fazer entender melhor todo o volume e toda a densidade das queixas que continuo a receber dos Ouvintes, acerca das escolhas musicais propostas na Play List da Antena 1, que parecerão estar, assim, desajustadas do gosto dominante daqueles que se deixam cativar (crescentemente, afinal) pela restante Programação generalista da Estação.
Mas não quero para já, extrair conclusões precipitadas.
Continuemos a citar Rui Pêgo.
O Director informa que "a Lista de Difusão acomoda todos os géneros musicais portugueses com excepção para o fado… e para a Música Tradicional… que têm difusão autonomizada em conteúdos específicos que, na sua opinião, lhes conferem muito maior notoriedade e exposição em antena.
59% da Música Portuguesa que passa na Antena 1, tem 10 anos ou menos, de acordo com outro Gráfico recebido, cruzado com a definição geral do arco temporal pré-estabelecido para o conjunto da Lista que referimos no Programa anterior.
Ora, esta parece ser outra medida não consensual para os Ouvintes reclamantes. Sobretudo quando este dado é cruzado com um outro Gráfico anterior, explicitado em exemplificações apresentadas por Rui Pêgo.
Diz o Director das Antenas 1, 2 e 3, que o universo definido para a Música Portuguesa que é normalmente incluída na Lista de Difusão da Antena 1 contempla três géneros distintos:
Talvez que um dos problemas consista, precisamente, no estabelecimento da distinção entre estes géneros e no grau de incidência percentual que cada um atinge na Lista… Vejamos os exemplos que me chegam e as percentagens definidas:

Música Portuguesa Popular – 77%
Produzida por Músicos com origem no movimento dos Baladeiros, no Pop e no Rock dos anos 80 e todos os seus herdeiros – por exemplo: Rui Veloso, Sérgio Godinho, Jorge Palma, Fausto, Clã.

Música Portuguesa Moderna – 14%
Produzida por Músicos das gerações mais novas – por exemplo: Toranja, Mesa, Mercado Negro, David Fonseca.

Música Portuguesa Ligeira – 9%
Produzida por Músicos da escola das Orquestras e dos Festivais e pelos "miúdos das Avenidas Novas".
Cançonetistas e Cantores. Por exemplo: Paulo de Carvalho, Fernando Tordo, Dina e Lara Li.
(...)

O Provedor colocava outra questão essencial a Rui Pêgo:
"Acentuar os critérios de pluralidade de géneros e as exigências de nível estético que primordialmente devem caracterizar a função de Serviço Público, conduz inevitavelmente ao prejuízo do posicionamento da Antena 1 no mercado da Comunicação?"
Rui Pêgo afirma que não. "Pelo contrário." E reiterando a política musical que está em prática na Play List, refere os Programas de abordagem directa a determinados géneros, como "Alma Lusa" – fado; "Cantos da Casa" – tradicional; "Cinco minutos de jazz"; "Banda sonora" – filmes; Júlio Isidro – latinos; Luís Filipe Barros – pop-rock nos quais a Música, tomada como um conteúdo, é um exemplo indiscutível de um "valor único" e de clara afirmação de personalidade.
E o Director ainda informa:
"Tomando como referência as estações generalistas… verificamos que a Antena 1 transmite quase o dobro da música portuguesa difundida pela Rádio Renascença e quatro vezes mais do que a TSF. Em contrapartida, o primeiro canal da Rádio Pública difunde um quinto da produção em língua inglesa executado pela Renascença e quase a sétima parte da que é transmitida pela TSF.
Em resposta a outras questões técnicas do Provedor, o Senhor Director de Programas da Antena 1 – dizendo que é 878 o número total das Canções que integram a Lista – informa ser permanente o seu refrescamento e apresenta um Quadro completo dos patamares de repetição aplicados.
Os valores apresentados nesse Quadro surpreendem-me.
Por exemplo, nenhuma Canção é actualmente repetida na Play List da Antena 1 menos de 15 horas depois de ser passada pela última vez... E mesmo assim, tem de se tratar, de uma daquelas Canções em que a Estação aposta para vir a tornar-se num sucesso público a breve trecho.
Ainda por exemplo, e repito, segundo os dados fornecidos pelo Director da Antena 1, nenhuma Canção portuguesa – que não seja uma das Novidades Correntes – já explicitadas no Programa anterior – é actualmente reemitida antes de terem passado 3 dias e 14 horas sobre a sua anterior difusão...
E, como exemplo final, nenhuma Canção Anglo-Americana é repetida antes de terem passado, 12 dias, 4 horas e 48 minutos sobre a passagem anterior. Vantagens dos sistemas informáticos que permitem definir estas coisas com tanto preciosismo.
Este é sem dúvida, o lado bom das coisas.
Onde as dúvidas voltam a acentuar-se – de acordo com as mensagens fortemente críticas dos Ouvintes – é quando leio na resposta escrita de Rui Pêgo, que a Canção portuguesa mais vezes difundida na Play List da Antena 1, nos meses de Junho, Julho e Agosto deste ano, tenha sido – com o devido respeito pelo seu Autor – a canção "Quando eu Te Falei Em Amor" cantada pelo jovem André Sardet.
Um Ouvinte médio pode efectivamente questionar – e vários Ouvintes reclamaram a este respeito – por que razão uma Canção desta natureza tenha constituído uma Aposta,… um Sucesso Quente,… em suma, a Canção mais repetidamente apresentada na principal Estação do Serviço Público de Rádio.
Será esta Canção, sequer, a melhor Canção jamais escrita por André Sardet – um jovem Autor português ?
Repito (com todo o devido respeito pela Obra do Autor e pelo indesmentível Talento do Intérprete) acerca deste exemplo que me foi expressamente indicado, como tendo sido a Canção mais repetidamente apresentada na Antena 1 ao longo de 3 meses:
- O próprio Autor, André Sardet, considerá-la-á como a sua melhor Canção de todos os tempos, para ter tocado, em vez de tantas outras, pelo menos uma vez por dia, durante não sei quantos dias (ou semanas), no espaço de 3 meses na Antena 1 ?
- 2ª Questão: Será esta Canção escutada com o mesmo enlevo pelos Ouvintes que acompanham a Obra de André Sardet, ou pelos decisores da Play List da Estação, dentro de 1 ano?
- 3ª Questão: Tem esta Canção – por contraponto com dezenas ou centenas de outras grandes Canções portuguesas contemporâneas – argumentos artísticos, expressividade musical, textura poética, técnica de interpretação, ambiente orquestral, universalidade temática, enfim,… modelo expressivo tão indiscutível que tenham podido fazer dela a Canção do Verão eleita pela Rádio Pública ?
- Os Ouvintes questionam-se sobre se esta Canção, bonita e leve, resistirá ao rei do mundo, que é o Tempo…

Ou seja: dentro de 11 anos, em 2017, será que esta Canção escolhida poderá integrar o lote das Grandes Canções que fazem parte da Memória da Antena 1?» (José Nuno Martins, in "Em Nome do Ouvinte", 21-10-2006)


Não podia estar mais de acordo com as palavras do Provedor do Ouvinte, José Nuno Martins. A escolha da citada canção de André Sardet para promoção massiva na Antena 1 é apenas um dos muitos exemplos que atestam a incompetência de Rui Santos para exercer as funções de editor de playlist da rádio pública. Talvez fosse pertinente investigar o porquê do empurrão que a Antena 1 tem vindo a dar ao André Sardet. Em contrapartida, a cantora Ana Laíns, por exemplo, que lançou este ano um dos grandes álbuns de música popular portuguesa dos últimos tempos esteve bem longe de receber o mesmo tratamento pois foi logo banida da playlist ao cabo das duas ou três semanas em que passou como Disco Antena 1. E com o devido respeito pelos fãs do André Sardet penso a suas cançonetas não tem, nem de perto nem de longe, o estofo e a perenidade dos temas de Ana Laíns. E Ana Laíns é apenas um dos vários exemplos de qualidade indiscutível do nosso meio musical a que a Antena 1 não promove como é sua obrigação, sobretudo da área da música tradicional (ou de inspiração tradicional) e do fado. Neste âmbito, a ausência destas áreas na playlist do principal canal generalista da rádio do Estado é totalmente inaceitável jamais se podendo tomar como válido e credível o argumento de Rui Pêgo segundo o qual o fado e a música tradicional têm mais notoriedade e exposição em "Alma Lusa" e "Cantos da Casa", rubricas de cinco minutos de duração que passam uma ou duas vezes num período de 24 horas (incluindo a madrugada). O Sr. Rui Pêgo não quer assumir a marginalização a que o fado e a música tradicional vêm sendo votados na Antena 1 mas isso é um facto indesmentível. Faça-se uma monitorização independente de todos os conteúdos musicais da Antena 1 ('playlist', rubricas e programas) e facilmente se perceberá a presença residual do fado e da música tradicional no cômputo geral da música portuguesa. E mesmo a música popular portuguesa de autor está bem longe de ter uma presença razoável e equilibrada. Averigúe-se e facilmente se constatará que na percentagem (77 %) apontada para a categoria a que Rui Pêgo chama "música portuguesa popular" é quase totalmente preenchida pelo pop-rock e afins. Veja-se a situação de Vitorino, José Mário Branco e José Afonso em que mal se dá por eles e ainda Amélia Muge, Pedro Barroso, Manuel Freire, Janita Salomé, Adriano Correia de Oliveira, Luiz Goes, Paco Bandeira, Rão Kyao, Frei Fado d'El-Rei, entre outros nomes de referência, que nunca aparecem na 'playlist'. Esta é a verdade e não vale a pena manipular e distorcer os números para tentar disfarçar o que é por de mais evidente. E jamais se poderá aceitar o argumento de que a marginalização/exclusão daqueles e de tantos outros artistas se deve ao propósito de corresponder aos gostos da faixa etária 35-54 anos a que pretensamente se dirige a Antena 1. Em primeiro lugar, não acredito que os ouvintes da Antena 1 dessa faixa etária não gostassem de ouvir aqueles nomes, isto para já não falar em artistas/grupos da nova geração também eles boicotados. Parecem-me muito simplistas e perfeitamente erróneas as teorias que correlacionam a idade dos ouvintes com a época em que a música foi lançada. Basta atentar no público de diferentes gerações que se vê nos concertos de alguns artistas nacionais e estrangeiros já avançados na idade. Por outro lado, não me parece nada correcto que a Antena 1 esteja apenas direccionada para a faixa etária anunciada, deixando de fora todas as outras. Assim, e partindo do pressuposto que a Antena 3 cobre a faixa abaixo dos 35 (se bem que de forma bastante questionável), a população acima dos 55 anos que não se encaixa no público da Antena 2 fica sem um canal público de rádio para ouvir. Pessoalmente, embora não me enquadre nesses escalões, não posso deixar de levantar a questão.
E de nada adianta vir o Sr. Rui Pêgo dizer que a Antena 1 passa mais música portuguesa que a Rádio Renascença (uma rádio comercial, convém lembrar), porque o que está em causa não são apenas percentagens: a questão é mais funda e complexa e tem a ver também – e sobretudo – com conteúdos e respectiva diversidade e qualidade. E neste ponto, tem de se reconhecer que a música portuguesa que passa na Rádio Renascença é não só de qualidade genericamente superior à da Antena 1 como contempla também muitos dos nomes boicotados na 'playlist' da rádio pública. Isto é que devia preocupar o Sr. Rui Pêgo em vez de andar a encobrir as arbitrariedades e as atitudes censórias de Rui Santos, um indivíduo que põe e dispõe a seu bel-prazer e que, inclusive, se dá ao luxo de fazer orelhas moucas a algumas das orientações do próprio Rui Pêgo (vá-se lá saber porquê?!).
Por último, não acredito na percentagem (12 %) apontada por Rui Pêgo para a música anglo-saxónica. Basta ouvir a Antena 1 no período da tarde (durante a semana e o fim-de-semana) para perceber que esse número está bastante abaixo do real. E para tal contribui não só a playlist como também o programa "Ondas Luisianas" que por si só contabiliza quatro horas de emissão semanais (duas depois da meia-noite de sexta-feira a que se somam as duas horas de reposição ao sábado). Eu pergunto ao Sr. Rui Pêgo: onde estão espaços do mesmo género dedicados à música popular portuguesa (tradicional e de autor) e ao fado? Não está em causa o programa de Luís Filipe Barros mas não deixa de ser escandaloso que na rádio estatal portuguesa, o pop/rock tenha maior destaque que os géneros que melhor exprimem a nossa identidade musical.

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